Neste artigo para o LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), Luanda Villas Boas Vannuchi, geógrafa e doutoranda em Planejamento Urbano e Regional pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, apresenta um amplo panorama das forças em jogo no caso do Parque do Bixiga e a disputa entre o Teatro Oficina e o Grupo Silvio Santos.
Canudos não se rendeu: atualizações sobre a disputa pelo futuro do Bixiga
Luanda Villas Boas Vannuchi
Quem acompanha a batalha travada entre o Teatro Oficina e o Grupo Silvio Santos (SISAN) há mais de 30 anos em torno do destino de um terreno no coração do bairro do Bixiga sabe que o grupo teatral sofreu um revés importante entre o final do ano passado e o início desse ano.
Mesmo com a crescente mobilização do bairro e da sociedade civil ao lado do teatro e a tramitação na câmara municipal de projeto de lei que transforma o terreno de propriedade do grupo SISAN em parque público, um projeto de empreendimento imobiliário para o local com três torres residenciais de cerca de cem metros de altura cada uma foi aprovado pelos três órgãos que zelam (ou deveriam zelar) pela preservação do patrimônio histórico, ambiental e arquitetônico nas esferas municipal, estadual e municipal – o Conpresp, o Condephaat e o Iphan – todos com tombamentos que incidem na área do projeto.
Se a abertura do processo de tombamento do Teatro Oficina no Condephaat em 1982 deu início a uma longa estratégia de mobilização dos órgãos de proteção ao patrimônio para preservar o Teatro e impedir um desenvolvimento imobiliário predatório que não apenas impactaria o próprio Oficina, mas com potencial para descaracterizar o traçado urbano e arquitetônico de todo o bairro do Bixiga, suas dinâmicas sociais e intensa vida cultural, a aprovação do projeto nas três instâncias marcou uma mudança definitiva de atitude dos órgãos.
Diferentes pareceres contrários à aprovação das torres apresentados por técnicos e especialistas atentavam para os variados riscos de impacto do projeto no bairro e em seus bens tombados. Um belo exemplo é o parecer apresentado ao Condephaat pela então representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) no conselho, a professora Sarah Feldman. Mas, ainda assim, o projeto foi aprovado por maioria acachapante. Como isso é possível?
Os pormenores de cada tombamento já foram discutidos nesse site em textos anteriores e não serão retomados aqui, mas não é exagero falar que nos últimos anos testemunhou-se um desmonte e aparelhamento dos órgãos de patrimônio nas três esferas, de forma mais ou menos explícita. Esses eventos vêm sendo noticiados pela grande mídia e em alguns casos incorreram em ações civis públicas, intervenções judiciais e até crise no poder executivo.
O caso mais famoso, sem dúvida, é o do então Ministro da Cultura do governo Temer, Marcelo Calero, que em 2016 acusou o então Ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira, de pressionar o Iphan para a aprovação de um luxuoso empreendimento imobiliário em área tombada em Salvador, Bahia, onde Geddel teria adquirido um apartamento na planta. Amplamente noticiado, o caso culminou com a queda do ministro Calero.
Geddel está atualmente preso pela Lava Jato, mas isso é uma outra história. Se o caso não tem relação direta com o Bixiga, ele traz evidências dos bastidores de como, longe do controle social, as decisões podem estar sendo tomadas dentro do órgão federal.
Já no estado de São Paulo, o Condephaat passou desde 2017 não por uma, mas duas alterações na sua composição, que reduziram o peso da participação da universidade e entidades de classe e ampliaram o poder de decisão dos órgãos públicos nas votações. A primeira foi proposta pelo então governador Geraldo Alckmin, que em 2017, sob a justificativa de oferecer ao conselho maior qualificação técnica, ampliou em três cadeiras a participação dos órgãos públicos no conselho. No caso do terreno do Bixiga, isso permitiu que o projeto das torres que já havia recebido decisão contrária em 2016 fosse recolocado em votação e, dessa vez, aprovado (ver mais aqui).
Agora em 2019, o recém empossado governador João Doria foi ainda mais longe, ao emitir decreto que reduziu de fato a participação da universidade de 12 cadeiras para 4, e ainda alterou as regras para indicação dos seus representantes: se antes cada departamento com representação (Arquitetura e Urbanismo, Geografia, História e Antropologia ou Sociologia das universidades paulistas USP, Unesp e Unicamp) indicava seu representante para o conselho, agora é o próprio governador que escolhe um único conselheiro de cada universidade a partir de uma lista tríplice enviada por ela (a quarta cadeira é da Unifesp, que passa a integrar o conselho). Essa intervenção realizada de forma bastante autoritária gerou repercussões, como um abaixo-assinado de membros da comunidade acadêmica com mais de 2 mil assinaturas e ainda questionamento do Ministério Público Estadual (MPSP), que em um primeiro momento resultou em uma liminar suspendendo as alterações. Essa liminar caiu no mês de junho, e a nova composição já está valendo.
Por fim, o Conpresp também foi objeto de ação do Ministério Público e intervenção judicial em 2017, quando representantes do IAB-SP se retiraram do conselho alegando que as demandas de preservação do patrimônio estavam sendo desconsideradas nas votações frente à pressa do poder público em aprovar os projetos. Na época, uma reportagem detalhada da Revista Exame mostrou como na nova gestão municipal a ordem no órgão de patrimônio era de “liberar geral”.
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