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Brasília (2000-2010): fragmentação e segregação da metrópole central

By 19/08/2014janeiro 18th, 2018Notícias, Publicações

Desde sua criação em 1960, Brasília foi concebida para ser uma cidade fragmentada e dispersa. Passados mais de 50 anos, a cidade tornou-se metrópole, mas ainda é um território de concentração de poder e segregado socialmente. Diariamente cerca de 1,5 milhão de pessoas se deslocam em direção ao Plano Piloto para trabalhar – é o que apontam Rômulo Ribeiro e Frederico de Holanda, organizadores do livro “Transformações na Ordem Urbana de Brasília” que será lançado pelo Observatório das Metrópoles no segundo semestre de 2014.

O Núcleo Brasília do INCT Observatório das Metrópoles está na fase de finalização do livro “Transformações na Ordem Urbana de Brasília (2000-2010)”. A publicação, que será lançada no segundo semestre de 2014, aponta para um processo urbano de permanência na última década, resultante da concepção urbanística inicial da capital federal. Dentre as permanências, por exemplo, destacam-se a concentração de renda no território, desigualdade no processo de formação do espaço metropolitano, baixa mobilidade social e ocupacional em Brasília, pouca interação metropolitana e problemas de mobilidade urbana.

 

Fragmentação e segregação na metrópole central

Brasília é marcada, desde sua fundação, pelos processos de fragmentação e dispersão urbana. De acordo com o profº Frederico de Holanda, um dos organizadores do livro “Transformação na Ordem Urbana de Brasília (2000-2010)”, na época da construção da capital federal haviam dois municípios do estado de Goiás – Planaltina e Brasilândia – localizados no entorno do território ocupado. Esses municípios tinham economias de serviço para a área rural; porém com a criação de Brasília, eles são esvaziados por conta da polarização da nova capital do Brasil.

“Planaltina e Brasilândia passam a ser cidades-dormitórios de Brasília; Taguatinga, por outro lado, foi criada já como cidade-dormitório em 1958 – distante 25 km do Plano Piloto. Para os ideários de Brasília e sua concepção urbanística moderna, os trabalhadores e classes populares não tinham acesso aos tipos edilícios do núcleo da capital – não podiam arcar com os custos iniciais dos imóveis nem com sua manutenção. Essa segregação se mantém até hoje, mas ela se dá na origem, em função do próprio projeto”, argumenta Frederico.

É nesse sentido que o conceito de dispersão urbana é entendido, ou seja, grande parte da população morando fora da área central. A questão, contudo, ressalta Frederico de Holanda, é que em outras metrópoles brasileiras a dispersão urbana se dá por conta da especulação imobiliária – jogando as classes populares para as áreas mais periféricas. Em Brasília o processo ocorre por decisão política do Estado, é ele quem cria núcleos urbanos afastados do Plano Piloto.

O outro processo característico de Brasília é a fragmentação da malha, isto é, não há integração entre os núcleos urbanos dentro do DF, e entre os municípios que compõem a área metropolitana. Todos os municípios se voltam para a capital, caracterizando uma estrutura em árvore e não em malha.

“Os processos de fragmentação e dispersão geram um custo social muito elevado. Com uma estrutura muito dispersa – com ociosidade da estrutura viária, ou seja, trechos que não ligam áreas ocupadas – a população precisa se deslocar muito. Mostramos no livro que diariamente 1,5 milhão de pessoas se desloca para o Plano Piloto para trabalhar.”, aponta Frederico de Holanda.

O livro vai mostrar que, no período 2000-2010, verificam-se na Área Metropolitana de Brasília processos de mudanças e permanências. Tendo como conceitos centrais a fragmentação e a dispersão, a AMB mantém a concentração de renda no território, e baixa mobilidade social e ocupacional.

Segundo Rômulo Ribeiro, no Plano Piloto estão apenas 7,8% da população da Área Metropolitana de Brasília (AMB), porém 47% dos empregos estão ali. “O Distrito Federal tem um dos IDHs mais altos do país; mas os municípios que integram a área metropolitana são pouco desenvolvidos. Isso é resultado da concentração de renda localizada na área central, relacionada ao funcionalismo público. Do outro lado temos um conjunto de municípios de baixa renda no entorno, sem capacidade para se desenvolver. Vemos um agravamento da segregação e da desigualdade nesse território metropolitano”, afirma.

 

Paradoxo do tombamento em Brasília

Segundo o profº Frederico de Holanda, um modelo de segregação em Brasília pode também ser verificado na política de tombamento do Plano Piloto. Ele explica que até hoje o poder público proíbe serviços populares em avenidas do Plano Piloto como, por exemplo, trabalhadores informais e comércio de rua, mas também pousadas, sedes de sindicatos, cartomantes, serviços diversos, em edifícios regulares. Porém, quando as classes mais ricas querem interferir no território, tudo é permitido. “Vimos o caso do Lago Paranoá com a construção de hotéis de turismo. As margens são áreas públicas. No entanto o mercado imobiliário delas se apropriou, construiu condomínios privados e, depois, chamou de hotéis, utilizando as ambiguidades e brechas da lei, além do poder político de que dispõe. Quer dizer, há dois pesos e duas medidas para a defesa desse patrimônio”, argumenta e completa:

“A nossa posição é a seguinte: temos que preservar sim – do ponto de vista estético e simbólico – já que Brasília tem qualidades expressivas inegáveis. Mas essas qualidades não são preserváveis a partir do uso de políticas excludentes. Ou seja, Brasília continua segregando parte de sua população, esse é o lado perverso que não pode ser esquecido”, afirma Holanda.

 

PROJETO: Transformações na Ordem Urbana das Metrópoles Brasileiras (1980-2010)

O projeto “Transformações na Ordem Urbana das Metrópoles Brasileiras (1980-2010)” representa para o Observatório das Metrópoles a última etapa do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). O objetivo é oferecer a análise mais completa sobre a evolução urbana brasileira, servindo assim de subsídio para a elaboração de políticas públicas nas grandes cidades e para o debate sobre o papel metropolitano no desenvolvimento nacional. Nesta etapa do projeto, os núcleos regionais estão finalizando seus livros e enviando para o Comitê Gestor fazer a leitura final.

A previsão é de que no segundo semestre de 2014 e em 2015 o Observatório das Metrópoles faça os lançamentos dos 15 livros com a análise sobre as transformações urbanas das principais regiões metropolitanas do Brasil.

Leia mais: A metrópole brasileira na transição urbana (1980-2010)

Para o coordenador do Núcleo Brasília do Observatório das Metrópoles, profº Rômulo Ribeiro, o processo de produção do livro foi muito rico porque colocou como desafio a articulação de uma equipe multidisciplinar que precisou estabelecer um método comum de trabalho. “Fizemos reuniões de nivelamento no qual apresentamos a metodologia das tipologias sócio-espaciais da nossa rede de pesquisa, além disso construímos em conjunto uma visão metodológica e espacial do trabalho”, explica e completa:

“O Núcleo de Brasília é um dos mais novos da Rede Observatório das Metrópoles, já que ingressamos em 2009. Portanto temos uma equipe pequena ainda. Para a produção do livro convidamos pesquisadores de outros institutos como do Núcleo de Estudos Urbanos (NEUR/UnB), Tesouro Nacional, Faculdade de Arquitetura e Faculdade de Engenharia (UnB). E o resultado foi muito bom. Já viabilizamos outro projeto com o NEUR para estudar a Área Metropolitana de Brasília, sendo que esta pesquisa será financiada pelo Institut de la Recherche pour le Développement (IRD) da França”.

Desdobramento

Uma dos objetivos do projeto “Transformação da Ordem Urbana das Metrópoles Brasileiras (1980-2010)” é servir de subsídio para a elaboração de políticas públicas, já que o projeto pretende oferecer uma análise mais completa sobre a evolução urbana brasileira. Rômulo Ribeiro conta que o livro de Brasília será usado como referência numa nova disciplina na Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UnB), intitulada “Metropolização Brasileira”. “Temos também um bom diálogo com os atores locais e pretendemos, após a publicação do livro, levar a análise para a Câmara Legislativa do Distrito Federal, mostrar as transformações urbanas nos últimos dez anos, e debater o futuro dessa metrópole”, afirma.

 

Leia também:

Transformações na Ordem Urbana de Salvador (2000-2010)

RM da Grande Vitória: análise das transformações urbanas (2000-2010)

Transformação na Ordem Urbana: RM de Curitiba (1980/2010)

Transformações na Ordem Urbana: RM de Belo Horizonte (2000/2010)

 

 

Publicado em Produção acadêmica | Última modificação em 19-08-2014 15:31:14