Skip to main content

Segundo alguns analistas, o período do governo Lula (2003-2011) representou o nascimento de um “Novo Brasil!”, marcado por crescimento econômico, inflação sob controle, expansão do emprego e redução das desigualdades sociais. Em contraposição, um grupo de economistas tem buscado demonstrar a continuidade da lógica econômica fundada na financeirização da economia, ligando o período FHC ao de Lula. Essas duas hipóteses interpretativas, chamadas de “neodesenvolvimentismo” e “neoliberalismo periférico”, servem de fundamento para futuras análises do desenvolvimento urbano brasileiro. É o que mostra o coordenador do INCT Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar Ribeiro, em artigo apresentado durante o seminário “Território, Coesão Social e Governança Democrática”.

O debate sobre a evolução econômica brasileira caracteriza uma das bases de análise desenvolvida pelo INCT Observatório das Metrópoles sobre os grandes territórios urbanos do Brasil. Durante o Seminário Nacional “Território, Coesão Social e Governança Democrática”, realizado no começo do mês de setembro no Rio de Janeiro, pesquisadores integrantes da rede discutiram as hipóteses interpretativas para o caso brasileiro e, em que medida, essas mudanças alteraram as dinâmicas urbanas do país.

Na abertura do evento, o coordenador do instituto Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro falou sobre o desafio de conceituar as mudanças da ordem urbana brasileira. A partir do texto “Estado da Arte da Pesquisa: estratégias teórico-metodológicas para uma síntese comparativa das transformações das metrópoles”, o professor explorou as hipóteses de mudança do modelo de desenvolvimento no país: temas como neodesenvolvimentismo e neoliberalismo periférico; capitalismo urbano na formação do capitalismo industrial na periferia; o urbano na acumulação industrial e o urbano na coalização conservadora; a organização social do espaço urbano e controle social; segregação e dupla escala, foram analisados a fim de jogar luz às relações entre economia, sociedade, Estado e território.

A seguir, uma parte do texto do professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro sobre as “Mudanças de modelo de desenvolvimento?”. O documento completo será disponibilizado posteriormente no site do INCT Observatório das Metrópoles.

Brasil urbano: continuidade ou transição do modelo de desenvolvimento?

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

O Brasil passou, nas últimas décadas, pela crise do modelo desenvolvimentista (1980), a expansão liberal da década de 1990 e, a partir de 2003, viveu um novo ciclo marcado por crescimento do mercado interno, distribuição de renda, mudanças populacionais, entre outros fatores. Mas como analisar o período 1980/2010 no tocante às mudanças econômicas e urbanas? De que maneira essas mudanças macroeconômicas influenciaram as grandes cidades? Pode-se falar em uma nova rodada de “desenvolvimentismo” ou em uma longa transição de transformações liberais? Atualmente, existe na sociedade brasileira um debate que opõe as duas visões.

Neodesenvolvimentismo

O neodesenvolvimentismo se caracteriza pela postulação da existência de significativa inflexão da rota neoliberalizante que orientou a política econômica nos anos 1990, sendo que a partir de 2003 rompe com o ciclo de acumulação fundado na financeirização da riqueza. Os dois governos Lula expressariam a constituição de uma nova correlação de forças políticas capaz de sustentar um novo ciclo desenvolvimentista, expresso nos avanços da economia fundada pelo dinamismo do seu mercado interno, por expansão do emprego formal, distribuição da renda, pela constituição de uma ampla política de proteção social e pela retomada do papel planejador e regulador do Estado.

Tal análise foi postulada, por exemplo, pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos que em janeiro de 2011 publicou na revista Carta Capital um longo texto comparando políticas públicas do Governo Lula com o de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. Wanderley Guilherme dos Santos apresenta uma avalanche de indicadores positivos obtidos durante o governo Lula. O cientista político defende a ideia do nascimento de um “Novo Brasil” entre os anos de 2003 e 2011: crescimento econômico, inflação sob controle, expansão do emprego e redução das desigualdades sociais. Em sua conclusão, Wanderley Guilherme dos Santos procurou negar as afirmativas segundo as quais a popularidade de Lula tivesse sido obra do marketing, mas resultado de ações do governo cujo balanço contraria as visões das elites tradicionais e conservadores.

O governo Lula, para ele, produziu números relevantes, que mal tratados, como fizeram aquelas elites, com interessada subserviência, disfarçam as reais transformações. E vai além, deixa nas entre linhas que essas transformações só seriam possíveis no Governo Lula, porque tentativas anteriores teriam conduzido o País ao limite da anarquia política e à desorganização das contas públicas.

Para Wanderley Guilherme dos Santos, portando, um sistema de valores e de práticas de perfil tradicionalmente elitista deu lugar a uma orientação de governo comprometido com a promoção econômica, social e cultural da vasta maioria de trabalhadores brasileiros, em particular de suas camadas mais pobres. E com isso, houve uma redução na intensidade dos conflitos que as elites conservadoras sempre empurraram para frente. O absoluto respeito por parte do Executivo às regras do jogo e às demais instituições do País, como judiciárias, legislativas e estaduais, é, na opinião dele, um dos aspectos incluídos no reconhecimento que a população dispensou ao governo.

Neoliberalismo Periférico

Em contraposição, um grupo de economistas tem buscado demonstrar a continuidade da lógica econômica fundada na financeirização da economia.  Em vários textos  os integrantes do grupo buscam gerar evidências empíricas e construir argumentos que permitem identificar a existência de uma linha de continuidade entre os governos de FHC e de Lula, expressa pela manutenção do modelo econômico “intrinsecamente instável e gerador de vulnerabilidade externa estrutural”.

Entretanto, observam que a conjuntura internacional favoreceu a flexibilização dos constrangimentos que subordinam histórica e estruturalmente a economia nacional à lógica financeirização internacional, traduzida na política macroeconômica pela diminuição da taxa de juros, ampliação do crédito e a expansão dos gastos públicos em investimentos. No plano da proteção social, a flexibilização permitiu a ampliação da política de transferência de renda constituída no período do governo de Fernando Henrique Cardoso, considerada limitada pelos seus fundamentos focalizados, e a adoção de uma política de valorização real do salário-mínimo.

“Os resultados mais importantes dessa flexibilização foram maiores taxas de crescimento da economia e redução das taxas de desemprego, com a ampliação do mercado interno, uma pequena melhora (na margem) da distribuição funcional da renda e, sobretudo, na distribuição pessoal (portanto, no interior dos rendimentos do trabalho). Adicionalmente, reduziram-se os níveis de pobreza considerados mais dramáticos – conforme definido por ‘linhas de pobreza’ subestimadas, próprias das políticas sociais focalizadas. Concomitantemente, essa flexibilização da política macroeconômica está sendo acompanhada pela presença mais incisiva do Estado no processo econômico, através das empresas estatais – especialmente, a Petrobras e os bancos oficiais – e dos fundos de pensão comandados pela aristocracia sindical. Com isso, vem se alterando, aos poucos, o bloco de poder político dominante no país, alteração esta que é, ao mesmo tempo, causa e consequência de uma nova acomodação e, sobretudo, fortalecimento do modelo econômico vigente. À hegemonia financeiro-exportadora (bancos e agronegócio) que comanda a economia brasileira, vieram se juntar segmentos nacionais do grande capital, articulados por dentro do Estado”. (Filgueiras, L; Pinheiro, B, et alii: 2010:37-38)

Para estes autores, a flexibilização dos constrangimentos da nossa expansão autônoma em relação à lógica da financeirização, especialmente pela retomada do protagonismo do Estado estaria recriando a dinâmica do “capitalismo associado” que preside historicamente a nossa expansão capitalista, especialmente pela recriação “sob novas circunstâncias e de outra maneira, o tripé capital internacional/Estado/capital nacional, agora sob a hegemonia do capital financeiro (internacional e nacional) e de sua lógica, com o reforço e internacionalização de grandes grupos econômicos nacionais”.

“Mais uma vez, coerentemente com a trajetória histórica do capitalismo retardatário brasileiro, o capital privado nacional vai a reboque do Estado – que se mostra peça fundamental na organização e legitimação do bloco de poder dominante. É a isto que se vem chamando de ‘novo desenvolvimentismo’, que, tal como o velho, sintetiza o capitalismo possível de existir na periferia do capitalismo na ‘era imperialista’, cujas características fundamentais são: dependência tecnológico-financeira, concentração de renda, exclusão social e democracia restrita. Por isso, o êxito de toda essa operação, tal como no ‘velho desenvolvimentismo’, tem necessitado de um elemento político essencial, qual seja: o ‘apaziguamento’ e consentimento dos setores dominados, em especial a cooptação do sindicalismo e dos movimentos sociais, redirecionando suas energias para apoiar as políticas do governo, com o atendimento marginal das demandas sociais dos setores subalternos da sociedade. Em suma, a situação internacional altamente favorável, a decisão política de ‘retorno’ do Estado ao processo econômico e o consentimento dos setores subalternos permitiram ao governo Lula acomodar e compatibilizar interesses potencialmente conflitantes. De um lado, os juros, lucros e rendas das frações do grande capital financeiro, agronegócio, empresas estatais, fundos públicos, grandes grupos nacionais e, de outro, a ampliação do crédito para segmentos da população com menor renda, os aumentos reais do salário mínimo e a ampliação da política social focalizada. (Filgueiras, L; Pinheiro, B, et alii: 2010:37-38).

Como a cidade participa desta disputa?

A hipótese básica levantada pelo Observatório das Metrópoles é a de que o Brasil está diante de um momento de transição histórica em vários planos da sociedade brasileira, cujo desenrolar enquanto trajetória dependerá fortemente da dinâmica política. Se é um momento de disputa de projetos históricos na sociedade brasileira valeria à pena pensar as mudanças nas metrópoles não apenas como resultante de dinâmicas contraditórias, mas como possível variável independente capaz de influenciar tal trajetória? Pensar nesta direção justifica-se em razão do papel que a cidade assumiu na consolidação do tripé capital internacional/Estado/capital nacional.

Poderá ou não prevalecer o “Estado de Compromisso” identificado por F. Weffort (1978), com mais uma rodada de “fuga para frente” (Fori, 1995) como estratégia de adiamento do processo de modernização e democratização do capitalismo brasileiro. Mas, poderá prevalecer o seu contrário, com rompimento dos laços que estrutural e historicamente ligam na formação histórica brasileira a modernidade com o atraso?