Skip to main content

Brasil e o desafio do pacífico | José Luiz Fiori

By 19/08/2014janeiro 29th, 2018Artigos Semanais
América do Sul

América do SulCrédito: Site UltraDownload/Reprodução

Neste artigo o cientista político José Luiz Fiori mostra que a disputa geopolítica do Pacífico representa um grande desafio à consolidação de qualquer projeto brasileiro e regional de integração de todos os países sul-americanos. No debate estão a Aliança do Pacífico, o Mercosul e a ampliação da influência diplomática e econômica do Brasil na região.

O artigo “Brasil e o desafio do Pacífico”, do cientista político José Luiz Fiori, foi publicado no site da Carta Maior. O texto foi cedido ao Observatório das Metrópoles para ampliar o debate sobre a análise geopolítica internacional.

Fiori é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e autor do livro “O Poder Global” (Editora Boitempo). Ele pesquisa e ensina há mais de 20 anos no campo das Relações Internacionais, e em particular, na área de Economia Política Internacional, com ênfase no estudo das relações entre a geopolítica e a economia política do “sistema inter-estatal capitalista”.

Até 2008, publicou 9 livros e organizou 5 coletâneas. Ganhou o Prêmio Jabuti de Economia, Administração, Negócios e Direito, na Bienal do Livro de São Paulo, em 1998, com o livro “Poder e Dinheiro. Uma economia Política da Globalização”, organizado com a professora M.C.Tavares; e recebeu Menção Honrosa, na Bienal do Livro de 2002, com o livro “Polarização Mundial e Crescimento”, organizado com o professor C. Medeiros. Desde 1990, publicou cerca de 230 artigos em jornais como Valor Econômico, Correio Braziliense, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Jornal do Comercio, e em revistas como Carta Capital, Exame, Praga, Margem Esquerda, Carta Maior, SinPermisso e La Onda.

 

O BRASIL E O DESAFIO DO PACÍFICO

JOSÉ LUÍS FIORI

 

1.    Geografia e história

Desde seu “descobrimento”, até o final do século XX, o Brasil foi um país estreitamente voltado e dependente do Oceano Atlântico. O Brasil tem um litoral de quase 7,5 km, o maior do Atlântico Sul e cerca de 2/3 do litoral Atlântico da atlântico da América do Sul, e ao mesmo tempo, controla a desembocadura da Bacia Amazônica, e participa da Bacia do Prata, e ambas estão estreitamente articuladas com o Atlântico Sul e permitem o acesso ao interior do continente. O Atlântico Sul segue sendo, ainda hoje, a grande via de conexão entre a América do Sul e a África e é uma fonte importante de recursos econômicos. Cerca de 90% da produção atual de petróleo, e 95% das suas reservas, assim como 75% da produção e 85% das reservas de  gás do Brasil estão localizadas na plataforma continental brasileira, no Atlântico sul, por onde também circula mais de 90% do seu comércio internacional.

Além disso, se acumulam  na bacia atlântica crostas cobaltíferas, nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), sulfetos (contendo ferro, zinco, prata, cobre e ouro), além de depósitos de diamante, ouro e fósforo entre outros minerais relevantes, e já foram identificadas  grandes fontes energéticas e minerais, na região da Antártica.  Na bacia atlântica, se acumulam crostas cobaltíferas, nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), sulfetos ( contendo ferro, zinco, prata, cobre e ouro), além de depósitos de diamante, ouro e fósforo entre outros minerais relevantes, e já foram identificadas  grandes fontes energéticas e minerais, na região da Antártica. Ou seja,  o Atlântico Sul contem recursos estratégicos e é uma via transporte e comunicação fundamental, entre o Brasil e a África, e é, portanto, um espaço crucial para a segurança econômica e para a defesa do território brasileiro.

Mas ao mesmo tempo, o Brasil tem um território continental, é o quinto maior país do mundo,  ocupa 47% do território sul-americano, e tem 16 mil Km de fronteiras terrestres, com todos os países da América do Sul, exceto Chile e Equador, e enfrenta até hoje o problema da interiorização da sua atividade econômica e da sua integração com o  continente, obstaculizada por um espaço geográfico segmentado por grandes barreiras naturais, como é o caso da Floresta Amazônica,  do Pantanal brasileiro, do Chaco boliviano, e da Cordilheira dos Andes, que tem 8 mil km de extensão e 6.900 metros de altitude, com pontos de passagem para o Pacífico, de difícil acesso, e só através de seus “passos’ e “nós”. Além disso, o litoral do Pacífico apresenta grandes profundidades e não tem plataformas continentais que atraíssem a facilitassem a plena integração econômica do continente. Por outro lado, as terras da bacia Amazônica e da maior parte das planícies tropicais são muito pobres e de baixa fertilidade, e por isto também a população e a atividade econômica da Venezuela, Guiana, Suriname se concentra a poucos quilômetros da costa, e é muito difícil e custoso qualquer projeto de interiorização. Da mesma forma, a combinação de montanhas e florestas tropicais também limita as possibilidades de integração econômica dentro do arco de países que se estende da Guiana Francesa até a Bolívia.  Mesmo no caso do Brasil, um terço do seu território está ocupado por florestas, e a topografia do território induziu uma ocupação econômica e urbanização que ainda segue concentrada próximo da costa atlântica, apesar do movimento intenso de interiorização das últimas décadas. A própria  integração econômica de suas grandes metrópoles costeiras ainda é pequena e é obstruída por uma cadeia montanhosa quase contínua.

Entende-se assim, do ponto de vista brasileiro,  porque a “conquista” econômica e diplomática do Pacífico sempre pareceu distante e secundária, até o final do século XX. Mas vários fatores mudaram nas últimas décadas e aumentaram  a importância e o interesse do Pacífico, para o Brasil e para toda a América do Sul. Entre eles:  i) a expansão econômica da Ásia,  e a transformação da Bacia do Pacífico no espaço mais dinâmico da economia mundial, e no novo foco das disputas geopolíticas mundiais; ii) a transformação da China num dos principais parceiros comerciais e fonte de investimentos, do continente sul-americano; iii) e, finalmente,  a transformação da América do Sul num espaço de competição entre dois projetos de integração econômica, e de hegemonia política: o do Mercosul, liderado pelo Brasil e pela Argentina, e o da Aliança do Pacífico, reunindo Colômbia, Peru e Chile, ao lado do México, e apoiado pelos Estados Unidos.

As duas primeiras mudanças geoeconômicas e geopolíticas já foram estudadas e discutidas amplamente, pela imprensa e pela literatura especializada, de todo o mundo. Por isto, nos concentramos nesse artigo apenas na terceira transformação que envolve diretamente o Brasil e suas relações com os Estados Unidos, através de suas relações com a América do Sul, e em particular, com os países da Aliança do Pacífico, Colômbia, Peru e Chile. Porque não há duvida que esse disputa geopolítica do Pacífico representa um grande desafio à consolidação de qualquer projeto brasileiro e regional de integração de todos os países sul-americanos. A iniciativa de criação da Aliança do Pacífico, em 2012, leva a uma fragmentação indiscutível e a uma inevitável fragilização do projeto de integração política e econômica de toda a América do Sul. E ao mesmo tempo, não há dúvida, que fortalece o projeto norte-americano de expansão de sua influência na América do Sul e no Pacífico.

 

2.    A nova estratégia sul-americana do Brasil

Na primeira década do século XXI, o Brasil redefiniu sua estratégia internacional em dois documentos fundamentais, aprovados pelo Congresso Nacional, respectivamente, em, 2005 e 2008, e depois atualizados em 2012, o seu  Plano Nacional de Defesa – PND, e sua Estratégia Nacional de Defesa – END. Nestes documentos, o governo brasileiro propõe uma nova política externa que integre  plenamente suas ações diplomáticas, com suas políticas de defesa e de desenvolvimento econômico, e ao mesmo tempo propõe um conceito novo e revolucionário na história brasileira:  o conceito de “entorno estratégico” do país, região onde o Brasil se propõe irradiar – preferencialmente – a sua influência e  a sua liderança diplomática, econômica e militar, incluindo a América do Sul, a África Subsaariana, a Antártida, e  a bacia do Atlântico Sul.  Na América do Sul, por sua vez, o Brasil se propõe a plena ocupação econômica da Bacia Amazônica, a integração da Bacia do Rio da Prata, e no que nos interessa mais particularmente, ou seja, a construção de um acesso múltiplo e contínuo à Bacia Econômica do Pacífico, através da construção de um sistema integrado de transporte, comunicação e defesa do território sul-americano, incluindo a região do Pacífico, através do aprofundamento do MERCOSUL e da UNASUL.

O MERCOSUL foi criado na década de 80, mas só se transformou num instrumento efetivo de política externa e projeção da liderança continental brasileira, ao lado da Argentina, Paraguai e Uruguai,  na  primeira década do século XXI, depois da incorporação da Venezuela e dos pedidos de adesão da Bolívia e do Equador.  Com a expansão do MERCOSUL, e a criação da UNASUL e do Conselho Sul-Americano de Defesa, o Brasil contribuiu para o engavetamento do projeto da ALCA e reduziu a importância do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca e da Junta Interamericana de Defesa, criados e sustentados pelo patrocínio  dos Estados Unidos. Além disto, o Brasil teve uma participação ativa e pacificadora nos conflitos de fronteira desta primeira década, entre Equador e Colômbia e entre Colômbia e Venezuela, e fez uma intervenção discreta, mas eficiente, para impedir que os conflitos regionais da Bolívia se transformassem numa guerra de secessão territorial.

Em 2012, o Brasil liderou a rápida reação da UNASUL contra o “golpe civil” que derrubou o governo do presidente Fernando Lugo, do Paraguai, e favorável ao afastamento paraguaio do Mercosul, até a completa redemocratização do país, e mais recentemente, em 2014, vem liderando um esforço regional de incentivo ao diálogo e pacificação dos conflitos internos da Venezuela. Do ponto de vista da sua própria segurança, e da defesa continental, o Brasil assinou, em 2009, um acordo estratégico militar com a França que deverá alterar – no longo prazo –  o poder naval do Brasil no Atlântico Sul, quando o país adquirir – entre 2021 e 2045 – a capacidade simultânea de construir submarinos convencionais e atômicos, e de  produzir os seus próprios caças bombardeiros. Esta decisão não caracteriza uma corrida armamentista entre o Brasil e seus vizinhos do continente, nem muito menos com os EUA, mas sinaliza uma mudança da posição internacional brasileira e uma vontade clara  de aumentar sua capacidade  político-militar de veto, dentro da América do Sul, com relação às posições norte-americanas. Diversas posições e iniciativas que explicam em grande medida a mudança da estratégia norte-americana para a América do Sul.

 

3.    A  nova estratégia sul-americana  dos Estados Unidos

Depois do fracasso das políticas neoliberais dos anjos 90, patrocinadas pelo “Consenso de Washington”, do abandono do projeto da ALCA e da desastrosa intervenção a favor do golpe militar na Venezuela, em 2003, os EUA diminuíram a sua intervenção política direta no continente, e adotaram duas linhas paralelas de atuação. Por um  lado, reativaram em 2008 a sua IVº Frota Naval – desativada logo depois da II Guerra Mundial –  responsável pelo controle marítimo das águas que cercam a América Latina; aprofundaram seus acordos militares com a Colômbia e o Peru, e seus exercícios militares conjuntos com o Chile. E por outro lado, passaram a incentivar os acordos comerciais bilaterais com alguns países da região, estimulando a divisão interna do continente através da formação de um “bloco liberal” que culminou com a criação da Aliança do Pacífico, bloco comercial inaugurado pela “Declaração de Lima”, de abril de 2011, e sacramentado pelo “Acordo Marco de Antofagasta”, assinado em junho de 2012, pelo Peru, Chile, Colômbia e México. Quatro países com economias exportadoras de petróleo ou minérios, e adeptos do livre-comércio e das políticas econômicas ortodoxas.

O entusiasmo ideológico, ou geopolítico, entretanto, encobre – às vezes –  alguns fatos e dados elementares. O primeiro, é que os quatro membros da “nova aliança” já tinham assinado acordos prévios de livre-comércio com os EUA e com um grande numero de países asiáticos. O segundo e mais importante,  é que o México pertence geograficamente à América do Norte, e desde sua incorporação ao NAFTA, em 1994, se transformou num pedaço inseparável da economia americana, e no território ocupado pela guerra entre os  grandes  cartéis da droga que fornecem a cocaína da sociedade norte-americana,  que vem, em boa parte, exatamente do Peru e da Colômbia.

Em terceiro lugar, os três países sul-americanos que fazem parte do novo bloco, tem territórios isolados por montanhas e florestas tropicais e são pequenas ou médias economias costeiras e de exportação, com escassíssimo relacionamento comercial entre si, ou com o México. O Chile é o único destes três países, que possui um clima temperado e terras produtivas, mas é um dos países mais isolados do mundo, e é quase irrelevante para a economia sul-americana.  A soma do produto interno bruto dos três, é de cerca de U$ 800 bilhões, menos de 1/3 do produto interno bruto brasileiro, e menos de ¼ do produto interno do Mercosul.

Além disto, o crescimento econômico recente do Chile, Peru e Colômbia foi quase igual ao do Equador e Bolívia,  que também são andinos, não pertencem ao novo bloco, se opõem às políticas e reformas neoliberais, e devem ingressar brevemente no Mercosul, como já passou com a Venezuela.  Fatos e números que não deixam maiores dúvidas: a Aliança do Pacífico tem mais importância estratégica e ideológica do que econômica, dentro da América do Sul, e seria quase insignificante politicamente se não fosse pelo fato de se tratar de uma pequena fatia do projeto Obama de criação da “Trans-Pacific Economic Partenership”- TPP, peça central da sua política de reafirmação do poder econômico e militar norte-americano,  na região do Pacífico.

4.    Da perspectiva brasileira

 

Para pensar uma estratégia futura de competição sem enfrentamento, com os EUA,  pela influência e liderança, dentro dessa região do Pacífico, o governo brasileiro deve ter presente alguns aspectos fundamentais que estão envolvidos nessa disputa e que no longo prazo darão vantagem para o Brasil:

i.                Em primeiro lugar, os países do litoral pacífico do continente são pequenas economias mono-exportadoras de commodities, sem escala para promover um processo de industrialização autônomo apoiado no seu mercado interno. A Colômbia exporta principalmente combustíveis minerais, que ocupam 66% de sua pauta de exportações; o Peru exporta minérios, metais preciosos e combustíveis minerais que constituem 63% de suas exportações; e no caso do Chile, a exportação de cobre sozinha já representa 60% de suas exportações. No caso da Colômbia, a China já é seu segundo maior parceiro comercial;  e no caso do Peru e do Chile, a China é o primeiro parceiro. Nenhum desses três países se propõe, portanto, qualquer tipo de “soberania econômica”, nem lhes traz maior dano uma abertura e integração completa com economias maiores e mais sofisticadas. Suas alternativas econômicas são muito limitadas, e no limite, a utopia econômica desses países é transformar-se numa Nova Zelândia mais povoada. Por fim, nos três casos, a disputa comercial está sendo entre a China e os EUA, e o Brasil ocupa um lugar mais “confortável”, entre os 5 ou 6 maiores parceiros desses países, sobretudo como destino de suas exportações de maior valor agregado.

ii.            Em segundo lugar, sendo assim, o Brasil deve ganhar posições sem maior conflito, se estender e aprofundar a sua integração física com os países do Pacífico. O Brasil tem amplas condições para construir ou apoiar a construção de uma infraestrutura de transportes, comunicação e energia que ajude, por exemplo, ao Chile, para diminuir a fragilidade energética  da sua economia. O Brasil concentra hoje, mais da metade do PIB sul-americano e possui um a indústria mais diversificada e uma economia mais sofisticada que a de todos os demais países  do continente. E se for capaz de construir essa infraestrutura terá todas condições de se transformar, no médio prazo, numa locomotiva econômica regional, ocupando aos poucos posição que pertence atualmente a China e aos EUA. Mas o Brasil tem que estar atento para o fato de que as suas atuais assimetrias econômicas e comerciais com relação ao resto do continente podem reforçar a acusação que já existe de que o Brasil teria pretensões imperialistas contrária a uma maior integração e coordenação política entre seus países.

iii.            Por último, mesmo que o Brasil tome um caminho de aproximação e incorporação dos países do Pacífico que respeite as suas especificidades geográficas e econômicas, não se pode desconsiderar que a política externa americana jamais admitiu a hipótese de um polo alternativo de poder no continente sul-americano, capaz de questionar a sua hegemonia hemisférica. A este propósito cabe lembrar o diagnóstico e a proposta formulada em 1942, por Nicholas Spykman (1893-1943), o geopolítico que mais influenciou política externa dos EUA, no século XX, depois de Alfred Mahan: “fora da nossa zona imediata de supremacia norte-americana, os grandes estados da América do Sul (Argentina, Brasil e Chile) podem tentar contrabalançar nosso poder através de uma ação comum […] e uma ameaça à hegemonia americana nesta região do hemisfério  (a região do ABC)  terá que ser respondida através da guerra”(N.S p: 62 e 64).  Olhada desse ponto de vista não há como se enganar: o novo projeto do Brasil e da Argentina, de construção de uma “zona de co-prosperidade” e de um bloco de poder sul-americano, é, de fato, uma revolução, na história do Cone Sul. Mas trata-se de uma estratégia que só poderá ter sucesso no longo prazo, e que enfrentará uma  oposição externa e interna, ferrenha e permanente, dos EUA e dos partidários locais do “cosmopolitismo de mercado”. Nesse ponto não há como enganar-se: todo e qualquer sucesso dessa nova aliança, e dessa nova política do Brasil e da Argentina, será sempre considerado como uma “linha vermelha”, para os interesses dos EUA e de sua rede de apoios dentro continente, defensora da submissão estratégica e econômica da América do Sul à política internacional dos Estados Unidos.

 

 

 

Leia também:

A visão sagrada de Israel | José Luís Fiori

Para calcular o futuro | José Luís Fiori

 

Publicado em Artigos Semanais | Última modificação em 19-08-2014 21:49:39