O Observatório das Metrópoles divulga dois novos estudos, resultados do Programa INCT, sobre o Minha Casa Minha Vida (MCMV): os livros “Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições” e “O Programa MCMV e seus efeitos territoriais” analisam a mais ambiciosa política habitacional do país, que já entregou 1 milhão de casas à população brasileira e tem como meta produzir 3,4 milhões de moradia até 2014. Das diferenças de desempenho do programa nos territórios, considerando as diferenças entre metrópoles e as novas relações núcleo-periferia, até a possibilidade de construção de uma outra cidade com as experiências de produção autogerida coletivamente. Os dois livros podem ser acessados eletronicamente.
O lançamento dos livros “Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições” e “O Programa MCMV e seus efeitos territoriais” será realizado na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O evento conta com a coordenação do Núcleo Porto Alegre do INCT Observatório das Metrópoles.
Data: 14 de março, às 19 horas
Local: Auditório da Faculdade de Arquitetura da UFRGS (Av. Sarmento Leite 320, térreo, Porto Alegre).
O Programa MCMV e seus efeitos territoriais
O livro “O Programa MCMV e seus efeitos territoriais”, organizado pelo professor Adauto Lúcio Cardoso, apresenta parte dos resultados de pesquisa desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles, no âmbito do projeto “Estudo sobre as formas produção da moradia e seus impactos na reconfiguração espacial das metrópoles”, dentro do eixo de investigação voltado para a análise da forma de produção empresarial. Esse projeto foi desenvolvido com apoio do CNPq, dentro do programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) contando, ainda, com apoio da FAPERJ, dentro do programa Cientistas do Nosso Estado, para as atividades voltadas à análise da metrópole do Rio de Janeiro.
O projeto de pesquisa apresentado em 2007 tinha como objetivo desenvolver um panorama geral das formas de produção da moradia, com estudos específicos sobre a forma empresarial, a autoconstrução (ou autogestão individual), a autogestão coletiva e a promoção pública. No âmbito da produção empresarial, o projeto tinha interesse específico à tendência então recente de grandes empresas construtoras estarem se dedicando à produção para a chamada Classe C, o que era uma inovação, já que tradicionalmente este submercado dependia de subsídios públicos para poder atrair o interesse das empresas. Dentro da rede de pesquisa Observatório das Metrópoles este projeto se articulou com a participação dos núcleos Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia, Fortaleza, Maringá e Belém.
A abordagem de pesquisa adotada partia, como orientação teórica geral, do conceito de forma de produção da moradia, desenvolvido em estudos da sociologia urbana marxista, que tem origem nos trabalhos de Christian Topalov (1974;1987), desenvolvidos, para o caso latino-americano, por Samuel Jaramillo (s/ data; ) e Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (1987). O que essa análise mostra é que existem limites estruturais para a produção capitalista de moradias, dados pelas características específicas desse bem: seu longo ciclo produtivo, seu alto valor agregado, e a necessidade de terra urbanizada como um insumo fundamental. Essas características estabelecem limites à penetração da lógica da produção capitalista no setor, mantendo um baixo nível de desenvolvimento tecnológico (caráter quase manufatureiro) e um alto grau de utilização de trabalho manual de baixa qualificação. Para “resolver” esses problemas, a produção de moradias para o mercado passa a ser hegemonizada por um capital de natureza mercantil (o capital de incorporação) (RIBEIRO, 1987; CANO, 2010), que se responsabiliza por organizar o processo de produção, conferindo centralidade ao lucro imobiliário como motor do processo de acumulação, e não ao lucro da construção. As estratégias de maximização do lucro imobiliário, fundado na transformação do uso do solo, passam a orientar a atuação empresarial, o que reitera o baixo nível de desenvolvimento tecnológico do setor.
A partir dos limites identificados ao processo de desenvolvimento capitalista no setor de produção de moradias, abrem-se possibilidades para o desenvolvimento, paralelamente à forma empresarial, outras formas de produção: a autoconstrução, ou autogestão individual, envolvendo os processos em que os usuários são os promotores do empreendimento, definem o projeto e controlam diretamente o processo de produção da moradia, envolvendo mão de obra própria ou subcontratada; a autogestão coletiva, em que os usuários, organizados coletivamente em associações ou cooperativas, são os promotores do empreendimento, controlam o projeto e o processo de produção diretamente, envolvendo ou não mão de obra própria; e a produção pública, em que o promotor do empreendimento é uma agência governamental, que define o projeto e subcontrata, no setor privado, a construção.
O projeto sofreu modificações em seus objetivos e metas, tendo em vista as mudanças ocorridas na política habitacional brasileira, com a crise de 2008 e o lançamento do programa Minha Casa Minha Vida. As atividades de pesquisa passaram então a concentrar-se em dois eixos: o primeiro eixo voltou-se para o levantamento de informações sobre o processo de reestruturação do setor imobiliário, buscando entender as estratégias desenvolvidas pelas empresas dentro do programa Minha Casa Minha Vida e o seu impacto territorial; o segundo eixo voltou-se para o desenvolvimento de estudos de caso, buscando analisar as formas de apropriação social dos novos empreendimentos e sua inserção na estrutura metropolitana. Um elemento comum que articulava os dois eixos era a questão da localização dos novos empreendimentos, desdobrando-se em análises do impacto sobre a estrutura das metrópoles e sobre a condições de reprodução social das populações atendidas.
Os textos aqui apresentados agregam contribuições importantes para que se possa iniciar um processo coletivo de avaliação dos impactos desse que talvez seja o programa habitacional mais ambicioso já desenvolvido no país, mesmo considerando os “áureos tempos” do BNH – o Programa Minha Casa Minha Vida. Os trabalhos têm como virtude a tentativa de desvendar as diferenças do desempenho do programa no território – tanto considerando as diferenças entre as metrópoles, quanto às especificidades intraurbanas, particularmente no que diz respeito às novas relações entre núcleos e periferias. Nesse sentido, por um lado, reafirmam e evidenciam as críticas levantadas pelos estudiosos e especialistas, desde o lançamento do programa. Por outro lado, mostram situações contraditórias, efeitos positivos e negativos, levantam dúvidas e perguntas que nos levam a afirmar que é preciso mais cuidado para avaliar os resultados efetivos do programa e, também, que há ainda muitos pontos a serem aprofundados e que certamente exigirão maiores esforços de pesquisa e de reflexão.
Acesse a versão eletrônica do livro “O Programa MCMV e seus efeitos territoriais”.
Autogestão habitacional no Brasil
O direito à cidade (e à moradia) é o direito de se disputar outras formas de apropriação do espaço urbano que subordinem a lógica mercantil às necessidades e desejos da maioria dos seus usuários e que reafirmem a cidade como força geradora de conflito social. Esse conceito lefevriano é uma das premissas que norteiam o livro “Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições”, novo lançamento do INCT Observatório das Metrópoles. A publicação expõe o contexto político em que se deu a expansão da autogestão de moradia no país, das lutas dos movimentos sociais desde os anos 80 para a formulação do PNHIS até os programas federais pós-2003 direcionados à produção associativa, como Crédito Solidário e Minha Casa Minha Vida Entidades.
O livro “Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições” é o mais novo produto da Rede Nacional INCT Observatório das Metrópoles. Organizado pela professora Luciana Corrêa do Lago (IPPUR/UFRJ), com o apoio do CNPq, FAPERJ e FINEP, a publicação é composta de oito textos que partem de uma mesma motivação: entender e romper as barreiras econômicas, políticas e culturais para a construção de uma outra cidade, onde o princípio do bem-estar urbano subjugue o princípio da valorização monetária do ambiente construído. Essa motivação, de natureza política, carrega ainda a aposta noutra forma de se produzir a cidade: a produção autogerida coletivamente para o uso.
Dessa forma, os estudos presentes no livro, com enfoques distintos, buscaram observar a potência de tal forma de produção no atual contexto político brasileiro, assim como as barreiras a sua difusão. Dentre as políticas redistributivas propagadas no país na última década, estão em curso programas federais de financiamento para empreendimentos habitacionais autogeridos por associações e cooperativas (Crédito Solidário, Ação de Produção Social de Moradia e Minha Casa Minha Vida Entidades), não considerados como uma das ações prioritárias pelos governantes, mas como uma resposta (tímida) às reivindicações dos movimentos nacionais de moradia.
“O que se vê nesses textos é que, no campo habitacional, os recursos federais alocados para a produção associativa representaram até o momento, não mais do que 2% dos financiamentos para casa própria, evidenciando a força política das grandes empresas construtoras na disputa pelo fundo público. Porém, o que privilegiamos aqui não são as condições desiguais dessa disputa, mas a própria existência desse campo de disputa e dos avanços contra-hegemônicos que, embora tímidos em termos quantitativos, exigem análises minuciosas das práticas associativas difundidas pelo Brasil”, explica a professora Luciana Corrêa do Lago.
Acesse a versão eletrônica do livro “Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições”.
Última modificação em 13-03-2013