Há um ano, publicamos uma edição especial do Boletim Semanal do Observatório das Metrópoles tratando das causas e consequências da “tragédia” em Petrópolis, Região Serrana no estado do Rio de Janeiro. Contendo análises e entrevistas, a edição destacou em seu editorial a necessidade de desconstruir a narrativa do senso comum presente na mídia baseada na suposição da “desordem urbana” como a causa de tantos desastres urbanos. Escrito por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador nacional da rede, o texto apontava que a gramática do governo das emergências substituiu a gramática do planejamento e da regulação, resultado de uma ordem urbana fundada no laissez-faire do mercado e da estrutural desinstitucionalização e desestatização dos governos municipais. A situação de Petrópolis (RJ), Franco da Rocha (SP), Belo Horizonte (MG), o sul da Bahia e, mais recentemente, o litoral de São Paulo, são desfechos previsíveis da nossa atual ordem urbana.
Reafirmamos a defesa da imperiosa adoção de plano nacional de reforma urbana das nossas cidades que envolva os três níveis de governo e que se institua como política de Estado. Precisamos, com efeito, de um longo ciclo de investimento urbanos que transforme radicalmente as precárias condições socioambientais em que vivem as maiorias vulneráveis das nossas cidades, associado ao fortalecimento da capacidade pública de regulação do uso e ocupação do solo urbano. Foi com esta preocupação que mobilizamos a nossa rede de pesquisa em 2022 para a realização de um sistemático diagnóstico das metrópoles brasileiras e na formulação de caminhos e alternativas para a retomada da plataforma da reforma urbana e do direito à cidade, como contribuição ao esperançoso novo governo. Esforço este que resultou na publicação de uma coleção de 17 livros de combate e proposições, intitulada “Reforma Urbana e Direito à Cidade”, disponível para download gratuito.
Esperamos no biênio 2023/2024 dar um passo à frente nesta direção, com a realização de um amplo trabalho de identificação dos territórios periféricos que compõem a ordem urbana das nossas metrópoles, nos quais devem ser focadas as políticas públicas através de programas de urbanização de favelas e de reforma dos assentamentos precários. Reafirmamos que sem reformar as nossas cidades não construiremos a nação brasileira coesa e homogênea, capaz de sustentar um projeto de desenvolvimento inclusivo e ambientalmente sustentável para todos e todas.
A seguir, confira as análises e entrevistas que fizeram parte da edição especial “Petrópolis: uma tragédia da ordem urbana brasileira”, publicada em 2022 no Boletim Semanal do Observatório das Metrópoles:
A catástrofe humanitária em Petrópolis e os desafios das políticas habitacionais – Adauto Cardoso, coordenador do GT Habitação e Cidade, falou sobre a catástrofe humanitária em decorrência das fortes chuvas que assolaram o município de Petrópolis (RJ). Cardoso abordou os desafios das políticas urbana e habitacional, a forma como se estruturaram as áreas urbanas ao longo das décadas recentes, a gestão urbana e o padrão de “governo das emergências”, o déficit habitacional que afeta famílias com renda de até 1,8 mil reais e como preparar as cidades diante das mudanças climáticas.
Como o Plano Diretor pode concretizar a gestão do risco ambiental nas cidades? – Thêmis Aragão e Ana Lucia Britto, pesquisadoras do Núcleo Rio de Janeiro, abordaram em texto o desequilíbrio ambiental e os dados recentes sobre precipitação de chuva no país. As pesquisadoras relacionam esses eventos com a gestão do território urbano, discutindo como os Planos Diretores têm falhado na aplicação dos instrumentos urbanísticos advindos do Estatuto das Cidades. De acordo com as autoras, o saneamento, a habitação e a mobilidade não são reconhecidos como componentes do Plano Diretor, sendo tratados como objetos de programas governamentais.
Risco ambiental e o acesso à terra no Brasil – Juliano Ximenes, coordenador do Núcleo Belém, discorre sobre a necessidade de uma inflexão no tratamento do tema dos riscos ambientais, desconstruindo os discursos mistificadores e alinhando a política ambiental e o sistema nacional de gerenciamento de riscos com um amplo programa de provisão de infraestrutura. Para o pesquisador, só assim evitaremos que as pessoas das mesmas classes sociais percam suas vidas, nas mesmas regiões, pelos mesmos fatores evitáveis potencializados por um Estado que não reconhece seus direitos.
Cadernos Metrópole nº 42 – Dossiê Desastres Urbanos – Em 2018, apresentamos um dossiê sobre o tema dos desastres urbanos na Revista Cadernos Metrópole. A edição analisou como a associação entre um padrão de urbanização não organizado e eventos climáticos extremos tem gerado a expansão de riscos ambientais, atingindo populações e espaços cada vez maiores. Para Roberto Luiz do Carmo, organizador do dossiê e professor da Unicamp, há um padrão de urbanização no Brasil e em toda a América Latina de áreas “não urbanizadas” nas cidades, ocupadas por populações mais pobres expostas a risco ambientais significativos, como inundações e alagamentos.