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As Eleições municipais e o Direito à Cidade

By 03/10/2012dezembro 13th, 2017Artigos Semanais

As Eleições municipais e o Direito à Cidade

Todas as utopias sociais e políticas sobre o futuro da humanidade foram construídas a partir da vivência em cidades. Como escreveu o escritor Raymond Willians, “de uma vivência das cidades nasceu uma vivência de futuro.” O direito à cidade é, portanto, o conjunto de dispositivos e de práticas legais, urbanísticos, políticos, sociais, governamentais que devem garantir a todos seus habitantes a qualidade de vida que lhes dota da capacidade individual e coletiva de construírem a vida qualificada no presente e no futuro.

No artigo “As Eleições e o Direito à Cidade?” publicado no último sábado no Estadão, o coordenador do Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar Ribeiro, mostra que diante das promessas de bem-estar, igualdade e inclusão promovidas por uma nova dinâmica econômica geradora de crescimento, emprego e renda se opõem um sentimento de mal-estar, presentes nas desigualdades e exclusões geradas pelas cidades improvisadas, precárias, excludentes, insustentáveis onde moram hoje mais de 80% da população brasileira. A saída para este paradoxo está na garantia e promoção do direito à cidade.

O texto foi publicado no último sábado (29/09) na página especial “Eleições 2012”, do Jornal O Estado de São Paulo. E é mais um resultado da parceria INCT Observatório das Metrópoles e Estadão na cobertura das eleições municipais deste ano, cujo objetivo é promover o debate sobre os principais desafios para a gestão dos grandes centros urbanos.

Leia a seguir a coluna “As Eleições e o Direito à Cidade”. O texto também pode ser acessado no site do Estadão online.

 

AS ELEIÇÕES E O DIREITO À CIDADE

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Observatório das Metrópoles

A cidade é “a tentativa mais consistente do homem e a mais bem sucedida como um todo para refazer o mundo em que vive o mais próximo de seu desejo íntimo. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é o mundo no qual ele está doravante condenado a viver. Assim, indiretamente, e sem qualquer clareza da natureza de sua tarefa, fazendo a cidade o homem refez a si mesmo.” (Robert Park)

 

Este texto foi escrito por um dos criadores da Ciência da Cidade nos anos 1920. Serve como ponto de partida para a questão: qual eleição destas e das próximas eleições municipais? Parece uma pergunta banal.  Claro, estamos diante da tarefa rotineira que se repete a cada quatro anos de escolher pessoas para os cargos de prefeitos e vereadores com base em nossa simpatia para com elas e em nossas crenças de que suas promessas possam melhorar a nossa vida enquanto habitante da cidade.

Mas creio que está em jogo algo maior, relacionado à crescente importância da cidade para as nossas vidas, no presente e no futuro. Como consumidores, as promessas de satisfação pela compra do automóvel dos nossos sonhos são bloqueadas pelo mal-estar dos longos e penosos engarrafamentos. Apesar de abastecidos por bens eletrodomésticos e suas promessas de conforto habitacional, muitos vivem em moradias precárias e em bairros destituídos das condições de equipamentos e serviços. Conseguimos colocar todas as crianças nas escolas, mas temos um crescente contingente de adolescentes e adultos analfabetos funcionais.

São fragmentos de um confronto presente atualmente na sociedade brasileira. As promessas de bem-estar, igualdade e inclusão promovidas por uma nova dinâmica econômica que gera crescimento, emprego, renda e consumo se opõem ao mal-estar, presentes nas desigualdades e exclusões geradas pelas cidades improvisadas, precárias, excludentes, insustentáveis onde moram hoje mais de 80% da população.

Todas as utopias sociais e políticas sobre o futuro da humanidade foram construídas a partir da vivência em cidades. Como escreveu o escritor Raymond Willians, “de uma vivência das cidades nasceu uma vivência de futuro.” O direito à cidade é, portanto, o conjunto de dispositivos e de práticas legais, urbanísticos, políticos, sociais, governamentais que devem garantir a todos seus habitantes a qualidade de vida que lhes dota da capacidade individual e coletiva de construírem a vida qualificada no presente e no futuro.

Este direito está reconhecido na constituição federal de 1988, que no seu artigo 182 determina que “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”  Este dispositivo constitucional e vários outros princípios presentes do Estatuto da Cidade expressam a utopia de uma cidade dos direitos como instrumento para a realização e aperfeiçoamento da humanidade.

No entanto, as nossas cidades não estão organizadas e nem governadas com base nesta concepção. Prevalece, infelizmente, o tratamento da cidade como negócios individuais e privados. Como negócios comerciais, nas formas de acumulação privada de riquezas com a especulação imobiliária, exploração dos serviços de transportes, construção de obras públicas de utilidade coletiva ao menos duvidosa, enfim por um variado conjunto de negócios urbanos, hoje ativados com a “disneylização” da cidade como máquina do mercado mundial do divertimento. Como negócios políticos, pela transformação das necessidades dos seus habitantes em combustível que alimentam as máquinas eleitorais e clientelísticas. Como negócios ilegais e criminosos através da apropriação dos recursos da cidade por máquinas de enriquecimento privado fundado na macro e na micro corrupção da função pública.

Por fim, o que está em jogo nestas eleições é que projetos de cidade estão sendo oferecidos por candidatos e partidos? Em que medida as inúmeras promessas, avenças e desavenças expressam o drama próprio de uma sociedade urbana ainda despreparada para enfrentar os desafios e as oportunidades civilizatórias atuais? Sim, drama, porque na sociedade urbana a qualidade da nossa vida individual depende da qualificação da cidade como meio coletivo de vida. A cidade deve se pensada como riqueza social, coletivamente produzida e coletivamente acessível.  Ao mesmo tempo, será através da vida urbana que a sociedade conseguirá construir indivíduos qualificados para a realização das utopias de um mundo melhor para todos. Uma humanidade aperfeiçoada porque composta de indivíduos emancipados, tolerantes e solidários. Fundamentos intrínsecos à condição humana.

LUIZ CESAR DE QUEIROZ RIBEIRO

Professor Titular do IPPUR/UFRJ e coordenador do INCT Observatório das Metrópoles- CNPq/FAPERJ