As eleições municipais recém realizadas em várias cidades do país constituem um momento privilegiado para a sociedade brasileira decidir que tipo de gestão pública é a mais adequada para o avanço da democracia e a promoção da universalização do Direito à Cidade. Para o professor Luciano Fedozzi (UFRGS), na escolha dos representantes aos Executivos e Legislativos locais está em jogo não somente o conteúdo das políticas públicas, mas também a forma como eles pretendem tomar as decisões que afetarão o presente e o futuro dos moradores das cidades.
O artigo “As eleições municipais e a Democracia Participativa”, do professor Luciano Fedozzi (UFRGS), foi publicado no dia 19 de outubro na página especial “Eleições 2012”, do Jornal O Estado de São Paulo. O texto é mais um resultado da parceria INCT Observatório das Metrópoles e Estadão na cobertura das eleições municipais deste ano, cujo objetivo é promover o debate sobre os principais desafios para a gestão dos grandes centros urbanos.
Leia a seguir a coluna “As eleições municipais e a Democracia Participativa”. O texto também pode ser acessado no site do Estadão online.
As eleições municipais e a Democracia Participativa
Luciano Fedozzi, Observatório das Metrópoles
As eleições municipais recém realizadas e que continuam em várias cidades do país constituem um momento privilegiado para a sociedade brasileira decidir que tipo de gestão pública é a mais adequada para o avanço da democracia e a promoção da universalização do direito à cidade. Na escolha dos representantes aos Executivos e Legislativos locais está em jogo não somente o conteúdo das políticas públicas, mas também a forma como eles pretendem tomar as decisões que afetarão o presente e o futuro dos moradores das cidades.
As tendências descentralizadoras da Carta de 1988 que definiu de forma inédita os municípios como entes autônomos abriram novas possibilidades para a gestão local. Apesar da reconcentração dos recursos pela União, desde 1994, as instâncias municipais tornaram-se locus privilegiados para a emergência da cidadania, indicando possibilidades de mudanças na matriz histórica do autoritarismo brasileiro. Mas a descentralização político-administrativa não implica, necessariamente, democratização. Por isso, a instância local tornou-se uma arena de disputa que pode viabilizar modelos diversificados e antagônicos de administração pública. Ela ou pode reproduzir as formas tradicionais da democracia elitista e das práticas patrimonialistas (apropriação privada da coisa pública, clientelismo e personalismo) e/ou da tutela tecnocrática da gestão, ainda que sob formas “modernizantes”; ou pode promover transformações nas relações Estado e sociedade, de caráter republicano e democrático. Nesse caso, trata-se de um modelo de gestão que contemple a participação social, inclusive dos setores historicamente excluídos das decisões do Estado, a transparência, a prestação de contas sobre metas acordadas (accountability) e o respeito à autonomia e ao pluralismo da sociedade civil e do mercado.
Em que pese a hegemonia do modelo elitista na administração das cidades do país, o Brasil tem se caracterizado como celeiro de inovações participativas, servindo de inspiração para outros países de vários continentes, inclusive do hemisfério norte, para agências multilaterais de financiamento, como o Banco Mundial e o BID, além da própria ONU. Dentre as novas instituições se destacam os Orçamentos Participativos, os Conselhos Gestores de políticas públicas (saúde etc), os Planos Diretores Participativos, não se esquecendo das Conferências Setoriais (nos três níveis da Federação), dos Observatórios das Cidades, das Audiências Públicas, dos Plebiscitos e Referendos, de Canais Digitais e vários outros fóruns de discussão pública de projetos.
As investigações acadêmicas sobre esse diversificado leque de instituições da democracia participativa no país demonstram que a sua construção requer a combinação de algumas variáveis chaves no contexto histórico de cada local, tais como: (a) a profunda convicção dos governantes na legitimidade e na eficácia da participação social, sem a qual não ocorre o compartilhamento efetivo do poder decisório sobre as políticas públicas (co-gestão); (b) o grau de associativismo, de ação coletiva, de mobilização social e da capacidade dialógica da sociedade civil para agir nesses espaços de interação com os governantes. Como a sociedade civil não é portadora, por essência, de valores virtuosos, a qualidade da participação também depende dos valores que constituem as gramáticas culturais dos diversos atores que a compõem; (c) por fim, mas não menos importante, o êxito dos modelos participativos depende da governabilidade financeira e da capacidade técnico-política dos municípios para dar efetividade às demandas priorizadas nas instituições participativas. A experiência tem demonstrado que ciclos virtuosos são construídos e tem sustentabilidade no tempo quando articulam as fases de discussão pública, tomada de decisões em sistema de co-responsabilidade, execução das decisões, prestação de contas e avaliação crítica do processo por parte dos atores.
Por certo, a democracia participativa não é panacéia, mas tampouco deve ser simulacro, como boa parte dos casos o comprova. Trabalhosa, possui tantos limites quanto à democracia representativa os tem demonstrado. Trata-se, portanto, de buscar a complementaridade e o reequilíbrio entre a democracia representativa, insubstituível, e a participação democrática. A experiência nestas duas décadas indica que a participação pode trazer significativos ganhos de legitimidade à gestão pública e a seus dirigentes. A ampla legislação existente (Constituição de 1988, Lei de Responsabilidade Fiscal e Estatuto da Cidade) é mais do que suficiente para deixar às próprias forças políticas a escolha de qual modelo de gestão será adotado pelos novos prefeitos.
Luciano Fedozzi – Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do INCT/CNPq Observatório das Metrópoles – núcleo Porto Alegre