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As condições dos trabalhadores nos megaeventos do Rio

By 16/05/2012dezembro 7th, 2017Notícias, Publicações
As condições dos trabalhadores nos megaeventos do Rio

Divulgação

Direitos Humanos: as condições dos trabalhadores nos megaeventos do Rio de Janeiro

O dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos” discute as condições dos trabalhadores envolvidos nas obras para a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, principalmente aquelas que dizem respeito aos transportes e à reforma de estádios e arenas esportivas. Da precarização do trabalho, promovida pelos consórcios de empresas e acompanhada pela omissão dos órgãos fiscalizadores, no caso do Estádio Maracanã; ao Choque de Ordem promovido pela Prefeitura do Rio que proíbe camelôs e trabalhadores informais de trabalharem em um raio de 2 Km dos estádios e outras locais de competição.

O Observatório das Metrópoles, em parceria com o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, tem divulgado semanalmente por meio do seu boletim os eixos temáticos do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro”. Nesta edição, o destaque é o tema do Trabalho que mostra, além do exemplo dos trabalhadores do Maracanã, a condição dos camelôs e trabalhadores informais os quais estão sendo proibidos de comercializar produtos próximos aos estádios e locais de competição, sob a pena de prisão e apreensão de suas mercadorias. As chamadas “zonas exclusivas de comercialização” estão de acordo com o artigo da “Lei Geral da Copa” – Projeto de Lei que acaba de ser aprovado no Senado Federal (veja matéria aqui) – que trata da restrição do comércio de produtos e de publicidade nas áreas em torno dos estádios e principais vias de acesso aos eventos esportivos. O artigo determina que a União, os Estados e os Municípios que sediarem os jogos da Copa do Mundo devem assegurar à FIFA a exclusividade para “divulgar marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços”. Esta lei vai contra a legislação brasileira, tais como o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Torcedor. É preciso dizer ainda que este não é o único artigo que fere a Constituição Brasileira, mas é um dos principais que cerceia o direito ao trabalho.

DOSSIÊ: “Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Rio”
Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas
Tema: Trabalho

O Caso do Maracanã

A geração de emprego é uma das principais justificativas utilizadas pelo governo para legitimar e convencer a opinião pública da importância dos grandes investimentos nas obras relacionadas aos megaeventos esportivos. A página eletrônica do Consórcio Maracanã Rio 2014, formado pelas construtoras Odebrecht Infraestrutura, Delta Construção e Andrade Gutierrez, responsáveis pela requalificação do estádio para hospedar a Copa do Mundo de 2014, estima que as obras de reforma do estádio 25 Maracanã irão gerar três mil empregos diretos.

Assim, parece fundamental refletir sobre a questão do trabalho no contexto dos projetos voltados aos megaeventos esportivos. Nas obras relacionadas aos jogos, principalmente aquelas que dizem respeito aos transportes e à reforma de estádios e demais arenas esportivas, observa-se a precarização do trabalho, promovida pelos consórcios de empresas, acompanhada da omissão dos órgãos fiscalizadores (sejam municipais ou estaduais). As pressões exercidas pela FIFA e pelo COI, combinadas com o discurso que propala a incapacidade do país de entregar a tempo a infraestrutura necessária à realização dos jogos, facilitam e legitimam a adoção de padrões de relação de trabalho fundados na precarização. Desta forma, criam-se justificativas para que ocorram processos de violações dos direitos dos trabalhadores.

No caso específico da reforma do Maracanã, atualmente em curso, já ocorreram duas paralisações. A causa da primeira estava relacionada a um acidente que feriu gravemente um operário após a explosão de um barril que armazenava produtos químicos. Os dois mil operários que lá trabalhavam iniciaram uma greve denunciando os baixos salários e as condições de trabalho precárias. Entre outras reivindicações, os  trabalhadores demandavam não só benefícios como plano de saúde e adicionais de periculosidade, mas acima de tudo a melhoria das condições de trabalho dentro do canteiro de obras. Além disso, reivindicava-se o fornecimento de equipamentos de trabalho e treinamento adequado para todos os trabalhadores. Após algumas negociações, a greve foi suspensa e ficou acordado aumento na cesta básica de R$110 para R$160, concessão do plano de saúde, pagamento dos dias parados e estabilidade para a comissão de greve. Também foi aprovada uma comissão sindical para avaliar as condições de segurança da obra. Ficou definido ainda que, após 90 dias, seriam negociadas a extensão do plano de saúde para as famílias dos trabalhadores e o aumento salarial para os operários que estariam ganhando abaixo da média do mercado.

Já a segunda paralisação se deu devido ao descumprimento do acordo. Os trabalhadores afirmaram que permaneciam sem plano de saúde, sem aumento no valor das cestas básicas e sem registro das horas extras no contracheque. Além disso, a insalubridade no canteiro de obras persistiu e, ao contrário do que previa o acordo anterior, houve uma queda de qualidade nas condições de trabalho. Há denuncias inclusive de que alguns trabalhadores teriam ingerido comida estragada oferecida no refeitório.

No dia 16 de setembro de 2011, após 16 dias de paralisação, o TRT-RJ julgou abusiva a greve dos trabalhadores do Maracanã, e determinou a volta dos operários ao trabalho. O indeferimento da paralisação pelo TRT-RJ teve como base um argumento técnico, baseado na alegação de que os grevistas, antes de iniciar o movimento, deveriam ter comunicado à construtora sua intenção com dois dias de antecedência, convocado uma assembleia geral, e esgotado todas as opções de negociação coletiva. Para tomar a decisão, o TRT também considerou o acordo assinado no final de agosto, justamente aquele que os trabalhadores alegavam estar sendo descumprido pelas empresas. Na ação, o consórcio havia pedido a anulação deste acordo, que tinha sido registrado no TRT no dia 21 de agosto, mas o tribunal decidiu manter os termos homologados. Por conta destes fatos, o caso do Maracanã se tornou emblemático. Mas inúmeros outros casos, tanto no país quanto no Rio de Janeiro, vêm acontecendo nos últimos meses.

Apoiado e legitimado pelo poder Judiciário, este exemplo pode acabar por esvaziar outros movimentos. Além disso, os grevistas são “acusados” de atrasar as obras dos jogos. Neste sentido, o poder público é subordinado às exigências dos organismos internacionais como COI e FIFA, aprofundando um Estado de exceção. Ainda no inicio de 2012, houve outras manifestações, embora não acompanhadas de greves, nas quais o Consórcio se comprometeu a atender as reivindicações do sindicato. Contudo, por se tratar de uma obra de grande porte, cabe indagar se o Consórcio irá efetivamente cumprir o que foi acordado com os trabalhadores. Evidentemente, o caso do Maracanã é apenas um caso, bastante ilustrativo, da forma como as violações dos direitos do trabalho têm ocorrido.

Direito ao Trabalho

No que diz respeito à relação com os camelôs e trabalhadores informais, a política de preparação da cidade para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos é de militarização. Foram construídas duas UOPs (Unidade de Ordem Pública), quartéis da Guarda Municipal, na Central e no Maracanã. A Prefeitura Municipal aprovou na Câmara dos Vereadores uma legislação, em 2009, que proíbe qualquer camelô de trabalhar em um raio de 2 Km dos estádios e outras localizações de competições, de hospedagem dos atletas e de eventos relacionados. Também será reprimido com prisão e apreensão de mercadorias qualquer pessoa que comercialize material que faça referência aos símbolos dos eventos e patrocinadores destes. Com efeito, está proibida a venda de qualquer souvenir dos eventos aos turistas produzidos pelos  trabalhadores informais. Ou seja, só poderão vender mercadorias com símbolos dos eventos as empresas licenciadas pela FIFA e pelo COI.

Na verdade, tais determinações estão de acordo com o artigo 11 da “Lei Geral da Copa” que trata da restrição do comércio de produtos e de publicidade nas áreas em torno dos estádios e principais vias de acesso aos eventos esportivos. O artigo determina que a União, os Estados e os Municípios que sediarem os jogos da Copa do Mundo devem assegurar à FIFA a exclusividade para “divulgar marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços”. Esta lei vai contra a legislação brasileira, tais como o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Torcedor. É preciso dizer ainda que este não é o único artigo que fere a Constituição Brasileira, mas é um dos principais que cerceia o direito ao trabalho.

Além disso, a prefeitura carioca, através da SEOP e da Secretaria de Assistência Social, presta outro serviço a estas entidades internacionais: “limpar”os moradores de rua da cidade. Não por acaso um dos principais agentes do chamado Choque de Ordem, com larga experiência na repressão aos camelôs e relacionamento com a Polícia Civil, atualmente faz parte da Secretaria de Assistência Social, tendo sido identificado pelo prefeito como a melhor pessoa para resolver este tipo de problema.

A remoção das pessoas em situação de rua para abrigos distantes e sem infraestrutura, como o de Paciência, cercado de milícias e tráfico de drogas, tem sido a maneira encontrada para resolver de vez estes problemas que tanto incomodam os negócios da cidade e com a cidade. Lá, eles podem encontrar o refúgio ou o extermínio, se continuarem com os vícios, e sem condições de obter dinheiro como catadores de latinha. As instituições que oferecem sopas e outras refeições a estas pessoas foram perseguidas. Ocorrem assassinatos de moradores de rua, como aconteceu recentemente (em dezembro de 2011), em Bonsucesso, quando três pessoas que estavam dormindo na rua foram alvejadas na cabeça por arma de fogo, fato este que foi interpretado como um recado das milícias: ou os moradores de rua vão para os abrigos ou vão morrer.

Atualmente, foi também “descoberta” a “solução” para combater o vício do crack: “o recolhimento compulsório”. Os profissionais da área de saúde e de assistência social estão perplexos com tal retrocesso, depois de anos discutindo soluções para o aprimoramento do Sistema Único de Saúde, o SUS, visando o tratamento de viciados e de pessoas com problemas mentais. Mesmo assim a Secretaria Municipal de Assistência Social propõe o recolhimento compulsório dos usuários para clínicas particulares de recuperação de viciados.

Assim, pode-se perguntar se a Copa do Mundo e as Olimpíadas terão como legado uma cidade mais justa, com melhores equipamentos de saúde, educação e esportes, especialmente para a população mais carente, ou se esse legado será representado por mais policiamento, mais vigilância, mais repressão e mais lucros para empresas que não pagarão impostos?

A desordem urbana e o derrame de TUAPs falsas no centro do rio de janeiro

Após manifestação dos camelôs, em janeiro de 2009, em razão da violência da operação “Choque de Ordem”, o prefeito Eduardo Paes resolveu abrir inscrições para regularização (entrega de TUAPs , Taxa de Uso de Área Pública), tendo em vista que o comércio ambulante do Centro estava com poucas licenças para funcionar legalmente.

No entanto, o que se constatou foi a venda de TUAPs fraudadas a vários ambulantes por R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais). Na véspera do Natal de 2011, foi deflagrada uma operação da SEOP (Secretaria Municipal Especial de Ordem Pública) com a Polícia Civil e o Ministério Público para recolher as mercadorias e as falsas TUAPs. A 7ª Promotoria de Cidadania, tendo à frente o promotor Rogério Pacheco, tem investigado os excessos de violações dos direitos humanos do Choque de Ordem em relação às pessoas em situação de rua e aos trabalhadores informais. Há denúncias por parte de alguns ambulantes de que o funcionário da SEOP que participou da fraude estava nesta operação de repressão. Além disso, havia rumores de que em Copacabana também estavam sendo vendidas TUAPs falsas.

O prefeito, ao invés de organizar os ambulantes, preferiu reprimir e deixar a Guarda Municipal cometer diversos abusos, como roubo de mercadorias, recebimento de propinas para permitir a venda em determinados horários, entre outros. E já há denúncias de casos de tortura na detenção de trabalhadores. Enquanto isso, foram instaladas diversas feiras no Centro do Rio cobrando diárias, geralmente permitidas por subprefeitos com apoio de alguma associação. De fato, há uma forte desconfiança de que estas feiras ajudem a fazer caixa para campanhas políticas. Aconteceu no Largo da Carioca, onde os camelôs que ali trabalhavam, foram confinados dentro das grades do parque mantido pelo BNDES, e puderam observar a afronta que representavam estas diversas feiras, realizadas não somente ali, mas também na Cinelândia e na Praça Mario Lago (Buraco do Lume).

Lembramos que a SEOP tinha como Superintendente Operacional o delegado Carlos de Oliveira, que foi preso por vender armas para o tráfico e se associar à milícia. Então observamos que a gestão desta secretaria promove relações com associações que vendem a guarda e a montagem de barracas e cobram taxas para representar seus associados, promovendo uma insegurança jurídica para os trabalhadores que precisam fazer acordos com estas associações, com guardas municipais ou funcionários da SEOP para poderem manter seu direito ao trabalho.

Acesse o dossiê completo “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio” aqui.