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Breno Garibalde¹

A capital do menor estado da federação enfrenta um problema crítico: a exaustiva espera pela revisão do seu Plano Diretor. Essa lei é a mais importante para as cidades, pois é a partir dela que são criados parâmetros para o crescimento urbano, a definição de áreas de preservação, o adensamento populacional e a determinação do tipo de cidade que teremos nos próximos anos. Essas diretrizes influenciam diretamente a qualidade de vida dos cidadãos, a mobilidade urbana, a oferta de serviços e a questão social e ambiental.

Com um cenário em que 84% da população brasileira vive em áreas urbanas, é evidente que o planejamento urbano assuma importância crucial para garantir uma qualidade de vida adequada aos cidadãos. No entanto, Aracaju tem enfrentado atraso na revisão do seu Plano Diretor, tornando-se uma das cidades mais atrasadas do país na atualização dessa legislação de tamanha relevância para o efetivo acesso ao direito a cidade para todos.

Com uma população de 602.757 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE para 2022, Aracaju enfrenta o desafio de um Plano Diretor datado de 2000. Os estudos que embasaram o plano vigente foram realizados em 1995, quando a cidade dispunha de uma população de aproximadamente 428 mil habitantes. Já se passaram quase 23 anos desde sua publicação e a necessidade de revisão só aumenta, uma vez que já deveríamos ter concluído a segunda revisão e estar pensando na terceira atualização.

De acordo com o Estatuto da Cidade, Lei n° 10.257/2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição e traz diretrizes e ferramentas importantes para a Política Urbana, o Plano Diretor deve ser revisado no máximo a cada 10 anos, exceto para aqueles municípios cujo instrumento tenha sido aprovado anterior à vigência do EC, cuja determinação de adequação era o prazo de 5 anos a partir de 2001. Levando em consideração o crescimento populacional de mais de 40% da capital sergipana, as várias alterações na configuração urbana, como a criação de 10 (dez) novos bairros, somadas às as mudanças sociais, econômicas e ambientais ocorridas desde 2000, fica evidente a necessidade urgente de uma legislação que defina diretrizes e instrumentos adequados à realidade atual.

Segundo informações da Folha de São Paulo, 11 das 27 capitais brasileiras estão com suas revisões atrasadas e, constatou-se que surpreendentemente, Aracaju é a única capital do país que ainda não realizou nenhuma alteração em seu Plano Diretor após a promulgação do Estatuto da Cidade.

Zona Norte de Aracaju (SE). Foto: Sarah França

São inúmeras as consequências diretas dessa incompatibilização dos instrumentos. A professora Sarah França, doutora em arquitetura e urbanismo, destaca que a falta de aplicação do instrumento da Outorga Onerosa do Direito de Construir tem acarretado, por exemplo, perdas no aspecto do financiamento da urbanização e na oferta de áreas urbanizadas para os grupos de baixa renda. A ausência de atualização do Plano Diretor impede a adoção de medidas que poderiam trazer benefícios significativos, tanto financeiros para a gestão, como para seus habitantes.

Várias tentativas de revisão do Plano Diretor foram feitas, mas esbarraram em obstáculos que impediram a sua conclusão. No governo do então prefeito Marcelo Deda, entre 2005 e 2012, foram realizadas tratativas, sem sucesso, na Câmara dos Vereadores. Em 2015, no governo de João Alves, uma nova tentativa foi feita com atualização do diagnóstico, realização de estudos e audiências públicas. No entanto, o Ministério Público suspendeu o plano mediante denúncia de irregularidades.

Mais recentemente, em 2021, na gestão do prefeito Edvaldo Nogueira, uma nova minuta foi elaborada por uma equipe de técnicos e apresentada para a população de forma on-line e em oito audiências públicas nos bairros. No entanto, algumas entidades acionaram o Ministério Público questionando a forma como a revisão está sendo conduzida, principalmente no que diz respeito a participação e a falta de um diagnóstico atualizado, impedindo, até o momento que o plano seja enviado para a Câmara de Vereadores e tenha sua discussão ampliada.

Com isso, a espera exaustiva pela revisão do Plano Diretor de Aracaju tem gerado um sentimento de desesperança entre os cidadãos e coloca a cidade em desvantagem em relação a outras capitais que avançam em suas políticas urbanas. Enquanto isso, Aracaju permanece sob regulamentação de um plano desatualizado e inadequado às demandas atuais, afetando na qualidade de vida dos cidadãos, especialmente no que se refere ao acesso à terra urbanizada àquelas famílias mais vulneráveis, a espaços públicos de qualidade, à mobilidade urbana adequada e à infraestrutura ampliada, principalmente esgotamento sanitário e drenagem. É de extrema importância superar os obstáculos que têm impedido a revisão do Plano Diretor e fazer com que as autoridades compreendam que o plano é para o bem-estar da cidade, não apenas para uma gestão isolada. É fundamental garantir um crescimento urbano sustentável, socialmente justo e ambientalmente responsável, levando em consideração a participação ativa da comunidade na definição do seu próprio destino, pois somente assim, a cidade estará preparada para enfrentar os desafios e aproveitar as inúmeras oportunidades que estão sendo perdidas.


¹ Arquiteto e Urbanista, Mestre em Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano. Vereador do município de Aracaju (Gestão 2021-2024). Pesquisador colaborador do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles.