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César Henriques Matos e Silva¹
Catarina Carvalho Santos Melo³

Em meio aos ecos festivos que estampam outdoors pelas ruas de Aracaju (SE), uma pergunta se insinua nas entrelinhas das celebrações da cidade: comemoramos juntos? Neste aniversário da capital sergipana, somos convidados a refletir não apenas sobre os laços que nos unem, mas também sobre as desigualdades que, discretamente ou não, nos separam.

Nenhuma cidade é uma estrutura única, homogênea, sempre existem várias cidades em uma só. Aracaju é um mosaico de realidades diversas, abriga em seus bairros as contradições de uma população plural. Aqui, cada bairro narra uma história diferente, cada esquina revela um novo desafio, e cada olhar carrega o peso de suas próprias lutas. Mas ainda assim, podemos todos comemorar juntos o aniversário da cidade? Talvez possamos considerar que, quanto maior as desigualdades, especialmente as de ordem socioeconômica, mais difícil pensarmos em algum tipo de interesse comum.

Dentre as contradições que Aracaju carrega, podemos citar a desigualdade de renda, já que 35,8% da população recebe menos de ½ salário-mínimo por mês, sendo que a média de rendimento em Aracaju é de 2,8 salários-mínimos, segundo dados do IBGE (2010, 2021).

Quando olhamos para o cenário educacional de Aracaju, a discrepância entre escolas públicas e privadas se destaca como um reflexo das desigualdades sociais que permeiam nossa cidade. Enquanto as escolas privadas ostentam taxas de aprovação elevadas e infraestrutura de ponta, as escolas públicas lutam com recursos limitados e desafios estruturais. Segundo o portal escolas.com.br, Aracaju concentra 67% das escolas da rede particular e 54% das escolas da rede pública da sua região metropolitana. Além disso, das 175 escolas da rede particular de Aracaju, os bairros de classe média/alta concentram 88 dessas, enquanto 106 das 158 escolas da rede pública estão em bairros periféricos.

Outros indicadores de desigualdade são o acesso à infraestrutura urbana, cultura, lazer, saúde e bem-estar, pois claramente o acesso a serviços urbanos de melhor qualidade depende do bairro onde a pessoa mora. O acesso a parques como a Sementeira e o Parque dos Cajueiros é gratuito e aberto a todos, no entanto, eles estão localizados em bairros de maior poder aquisitivo, o que não é uma simples coincidência. A articulação entre políticas públicas urbanas e o capital imobiliário é antiga e Aracaju não foge à regra. Por isso também não é nenhuma coincidência que o Parque da Cidade, no bairro Industrial, é o que se encontra em piores condições, dentre os parques urbanos da cidade. Como se vê, são cidades completamente diferentes.

A ideia de espaços públicos comuns a todos é contagiante, mas ilusória. Como várias cidades brasileiras, Aracaju tem se constituído muito fortemente por espaços segregados de encontro e sociabilidade, como os centros comerciais privados (shopping centers). Enquanto uma parte pequena da população se mostra indignada com a cobrança de estacionamento nesses estabelecimentos, outra grande parte só tem conhecimento deste fato através da mídia. Algumas pessoas debatem os problemas de refrigeração do aeroporto, mas não sabem se os ônibus que operam no sistema de transporte público têm ar-condicionado ou não.

Mas, então, o que nos une? O centro da cidade não é mais o “centro de todos”. Muitos aracajuanos nunca mais pisaram no centro, embora saibam que está degradado. Entretanto, as lojas e ruas do centro estão sempre cheias de pessoas, com muita vida e animação, mesmo com todos os problemas, principalmente após a pandemia, e com a falta de investimentos, públicos e privados. Não é um bairro esvaziado.

A história contada pelos espaços e edificações do centro da cidade é comum a todos nós? Quem se importa? Para alguns, o mercado municipal é muito bom para levar os turistas. E só. Onde fica mesmo aquele palácio-museu Olímpio Campos?


¹ É Arquiteto e Urbanista, Professor Dr. Associado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe (UFS), e pesquisador do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles.

² É Arquiteta e Urbanista, mestranda do programa de pós-graduação em geografia da UFS, e pesquisadora do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles.