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Érica Tavares*
Joseane de Souza**
Juliana Souza***

O Censo é uma ferramenta indispensável para retratar a realidade social. A partir dele, o Estado tem a possibilidade de gerenciar os seus recursos e promover políticas públicas que atendam as demandas dos diferentes grupos sociais. Por isso é necessário que o Censo seja realizado e publicado a cada dez anos. Após uma série de dificuldades relacionadas à pandemia e à destinação de recursos, o Censo Demográfico do IBGE foi realizado em 2022, e os primeiros resultados foram publicados em 28/06/2023, revelando um total populacional aquém do previsto e uma taxa de crescimento da população brasileira de menos de 1% ao ano entre 2010 e 2022.

Com a divulgação, foi colocado o debate sobre a redução do ritmo de crescimento de vários municípios brasileiros. No Estado do Rio de Janeiro (ERJ) — que sempre esteve na vanguarda da transição demográfica no país, sendo um dos primeiros a apresentar profundas transformações no processo de envelhecimento populacional — não foi diferente. Vamos trazer nosso olhar para o norte do estado. O ERJ é composto atualmente, segundo a divisão urbano-regional mais recente do IBGE, por cinco regiões intermediárias: Campos dos Goytacazes, Macaé-Rio das Ostras-Cabo Rio, Petrópolis, Volta Redonda-Barra Mansa e Rio de Janeiro, que se subdividem em 14 regiões imediatas¹. O que estamos considerando como eixo Norte Fluminense é composto pelas regiões intermediárias de Campos dos Goytacazes e Macaé-Rio das Ostras-Cabo Frio (total de 30 municípios), que abrangem municípios das antigas regiões Norte, Noroeste e Baixadas Litorâneas, onde também observamos um crescimento em ritmo mais reduzido.

Antes do Censo 2022, a referência utilizada para o tamanho populacional dos municípios eram as estimativas populacionais, realizadas pelo próprio IBGE. Ao compararmos as estimativas de 2021 com os primeiros resultados do Censo de 2022 (Figura 1), percebemos variações para os municípios do eixo Norte Fluminense. Essas variações são comuns porque as populações de 2021 foram estimadas a partir de projeções que consideraram as taxas de crescimento médio anual dos censos anteriores. Embora as projeções do próprio IBGE já estivessem apontando um ritmo de crescimento menos intenso, para esses municípios os dados oficiais do Censo revelam um crescimento aquém do esperado. Ou seja, a população cresceu menos em relação ao previsto pelas projeções.

Para a maioria dos municípios não houve redução da população residente, mas as projeções realmente não conseguiram captar as transformações em curso. A defasagem de dados que pudessem subsidiar boas projeções e a demora pelo Censo de 2020, que só ocorreu em 2022, são problemas que afetam toda essa análise.

Figura 1: Estimativa populacional para o ano de 2021 e população do ano de 2022 nos municípios das regiões intermediárias de Campos dos Goytacazes e de Macaé-Rio das Ostras-Cabo Frio.

Em alguns casos, os municípios tiveram a sua população reduzida de fato. Se compararmos os resultados dos Censos 2010 e 2022 (Figura 2), vemos que Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci, Conceição de Macabu, Laje do Muriaé, Porciúncula e Natividade tiveram crescimento negativo ou nulo entre estes 12 anos. Municípios como Italva, Itaocara e Miracema também ficaram bem próximos do crescimento zero. A maior parte destes municípios faz parte das regiões imediatas de Itaperuna e Santo Antônio de Pádua, antiga região Noroeste do ERJ.

Ao analisarmos as taxas de crescimento nas regiões intermediárias utilizando como referência os Censos de 2010 e de 2022 (Figura 2), é possível notar que a região intermediária de Macaé-Rio das Ostras-Cabo Frio cresceu cerca de cinco vezes mais do que a região intermediária de Campos dos Goytacazes. Para as regiões imediatas, notamos que a ordem decrescente de crescimento populacional foi de Macaé-Rio das Ostras com 1,93%, Cabo Frio com 1,49%, Campos dos Goytacazes com 0,39%, Itaperuna, 0,22% e Santo Antônio de Pádua com 0,10%, essa última com o menor crescimento do eixo Norte Fluminense.

Em vários municípios da região intermediária de Campos dos Goytacazes, o que se observa é um baixo crescimento populacional, um comportamento esperado, a considerar as baixas taxas de fecundidade e a evolução do número de óbitos verificadas no Brasil e a baixa atividade migratória já observada para essa região no censo anterior — o que realmente terá reflexo na arrecadação.

O maior município em termos populacionais do interior do estado e que está nessa região analisada, Campos dos Goytacazes, na verdade pode nunca ter chegado a possuir 500 mil habitantes. No Censo Demográfico de 2010, apresentava uma população de 463.731 habitantes. Agora, de acordo com o Censo de 2022, apresenta 483.551 residentes, com uma taxa de crescimento de 0,34% ao ano (a.a.), abaixo da média do Brasil, que apresentou 0,50%. Vale lembrar que o Censo de 2010 já apresentava Campos com baixo crescimento populacional e saldo migratório negativo.

Figura 2: Taxa de crescimento populacional em 2022 dos municípios e das regiões imediatas das Regiões Intermediárias de Campos dos Goytacazes e de Macaé-Rio das Ostras-Cabo Frio.

Embora a tese do maior município do interior do estado em constante crescimento tenha sido enfatizada em certos âmbitos políticos, nos meios de comunicação e às vezes até nas instâncias acadêmicas, Campos dos Goytacazes, já entre 2000 e 2010, não apresentava um crescimento elevado, se comparado aos demais municípios que estão na região intermediária de Macaé-Rio das Ostras-Cabo Frio que, em termos de migração, apresentava considerável atratividade e crescimento populacional.

Já na região intermediária de Macaé-Rio das Ostras-Cabo Frio — exceto os municípios de Carapebus, Conceição de Macabu e Quissamã —, todos os demais municípios apresentaram, entre 2010 e 2022, crescimento acima de 1% a.a. O município de Macaé apresentou taxa de crescimento de 1,47% a.a. Vale notar que, no ERJ, após Maricá (que ficou com a maior taxa de crescimento – 3,71%), os que mais cresceram foram Rio das Ostras (3,33%), Armação dos Búzios (3,15%) e Casimiro de Abreu (2,24%), que estão em nosso eixo de análise. Rio das Ostras em 2010 havia sido um dos municípios com a maior taxa de crescimento populacional do país (11,59% de 2000 a 2010). De todo modo, todos esses municípios apresentaram redução das taxas de crescimento entre 2010-2022, em comparação com as taxas de 2000-2010.

Imagem de satélite do eixo Norte Fluminense e adjacências (Google Earth).

Talvez as transformações urbanas em curso no espaço tenham ofuscado essa redução nos ritmos de crescimento da população. A “tese do crescimento populacional” parece fazer sentido num espaço urbano cada vez mais expandido, com novos empreendimentos, novas formas de habitar, complexos imobiliários, financeiros e logísticos, instalações petrolíferas, portuárias, redes de farmácias e hotéis, abertura de estradas, entre outros elementos, que cada vez mais se tornam presentes nas cidades do eixo Norte Fluminense. Aliado a esses símbolos da constituição de grandes complexos urbanos e financeirização imobiliária, há um aumento do número de domicílios mais significativo que o de população. No ERJ, por exemplo, enquanto a população cresceu somente 0,4% entre os últimos censos, o número de número de domicílios ocupados cresceu 17% de 2010 a 2022 — revelando mudanças na composição domiciliar e nas demandas por moradia. Portanto, a expansão da malha urbana não necessariamente está atrelada ao aumento populacional.

Por fim, é preciso mais cuidado ao utilizar as estimativas de 2021 para questionar dados censitários atualizados. Além disso, incitar discursos alarmistas para defender a clássica tese do crescimento populacional associado à urbanização (que predominou até certo momento na história do Brasil urbano) não é o caminho para a construção das políticas locais e regionais. No caso desse grande eixo Norte Fluminense, o debate tem se dado em relação, sobretudo, à questão orçamentária e fiscal, uma vez que a arrecadação municipal pode diminuir em razão de uma população menor que o previsto. Por exemplo, a distribuição dos recursos relativos ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é feita de acordo com o número de habitantes. A questão orçamentária municipal sempre foi ponto de discussão para se pensar as políticas públicas locais, especialmente pelo fato de esse eixo concentrar os municípios produtores de petróleo do estado, que recebem royalties e participações especiais.

Enquanto o debate público regional se centra em contestar ou não a ideia de “perda populacional”, as questões mais sérias e profundas relativas à relação entre desenvolvimento e envelhecimento populacional e seus efeitos sobre as políticas públicas são preteridas. As alterações na estrutura etária, a redução do nível e as mudanças na estrutura da fecundidade e da mortalidade, a mudança na população em idade ativa, a redução (relativa e/ou absoluta) do número de crianças e de jovens e a ampliação do número de idosos etc., tudo isso implica novos olhares e demandas sobre as políticas de mercado de trabalho, saúde, educação, infraestrutura, habitação, mobilidade etc.

Claro que há uma considerável discussão sobre as dificuldades em realizar o Censo 2022 e os problemas que ocorreram. Análises a respeito disso e seus desdobramentos, especialmente para que tais dificuldades sejam contornadas em pesquisas futuras, não deixam de ser pertinentes. Entretanto, a redução nos ritmos de crescimento da população já era esperada, e a velha tese do crescimento populacional constante não se sustenta mais.

ANEXO:

População e taxa de crescimento geométrico – 2010 e 2022.

Fonte: Resultados preliminares do Censo Demográfico de 2022 (IBGE).


¹ Esse recorte territorial é resultado de um estudo do IBGE sobre as novas formas de urbanização no Brasil que trouxe a definição das regiões intermediárias e imediatas (IBGE, 2017). As regiões geográficas imediatas apresentam como principal elemento de referência a rede urbana; já as regiões geográficas intermediárias se referem a uma escala intermediária entre as Unidades da Federação e as regiões geográficas imediatas.

* Érica Tavares. Professora do Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas da UFF Campos, pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Norte Fluminense.

** Joseane de Souza. Professora do Programa de pós-graduação em Políticas Sociais da UENF, pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Norte Fluminense.

*** Juliana Souza. Mestre em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas UFF Campos, pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Norte Fluminense.

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