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A adaptação das cidades brasileiras às mudanças climáticas representa um dos maiores desafios do planejamento urbano no país. Diante desse cenário, o INCT Observatório das Metrópoles está conduzindo um projeto em parceria com o Ministério das Cidades (MCID). Intitulado “Avaliação e Implementação de Instrumentos de Política Urbana na Perspectiva da Adaptação Climática”, o projeto busca identificar possibilidades, limites e desafios para integrar políticas urbanas e adaptação climática em 50 municípios brasileiros, levando em consideração suas diversidades socioeconômicas e ambientais. A parceria foi formalizada em dezembro de 2024, por meio da assinatura do Termo de Execução Descentralizada (TED) entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Ministério das Cidades.

Orlando Santos Junior (IPPUR/UFRJ), coordenador do projeto.

A rede de pesquisa que irá avaliar e implementar os instrumentos de política urbana na perspectiva da adaptação climática, atualmente, está constituída por 20 núcleos ligados ao INCT Observatório das Metrópoles. Integram o grupo responsável pela gestão do projeto: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (coordenador nacional do Observatório), Lívia Miranda (Núcleo Paraíba), Renato Pequeno (Núcleo Fortaleza) e Orlando Santos Junior (Núcleo Rio de Janeiro), coordenador geral da iniciativa. Segundo ele, o projeto cumpre três grandes objetivos.

O primeiro é incidir sobre a cultura e a prática de planejamento que ainda não considera as mudanças climáticas no uso dos instrumentos existentes no campo do planejamento urbano e regional. “Incidir sobre mudar essa cultura é um desafio, e esse projeto contribui para mostrar que é possível e necessário planejar de outra maneira”, afirma. O segundo ponto, para o coordenador, está ligado à mudança de cultura na prática do planejamento, que envolve não apenas os gestores municipais, mas as escolas de planejamento, as universidades, o desenvolvimento de um novo saber, a sociedade e os movimentos populares. “Esse projeto contribui para produzir um novo conhecimento de forma colaborativa, reconhecendo os saberes presentes no território, que não é produzido por apenas um agente, mas pela totalidade dos agentes”, pondera.

De acordo com Santos Junior, o terceiro aspecto fundamental é o desafio do Observatório de se constituir numa referência nacional no tema do planejamento urbano e das mudanças climáticas. Ou seja, é uma oportunidade para o Observatório mobilizar o conhecimento e transferi-lo para os atores do poder público e da sociedade civil. “Tendo em vista que somos um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia que reúne, hoje, a maior rede de programas de pós-graduações espalhadas em todo o Brasil, temos a responsabilidade de nos engajarmos e nos constituirmos numa referência que produz conhecimento, forma agentes, contribui para a formação de atores e com a transferência de resultados para o poder público e para a sociedade, na perspectiva da mudança na cultura e nas práticas relativas ao planejamento”, aponta o coordenador.

Primeira fase do projeto

O projeto inclui uma série de etapas que começam com uma avaliação preliminar dos instrumentos urbanos existentes no Brasil. A primeira fase do projeto está em andamento e envolve uma análise crítica dos instrumentos de política urbana, com uma sistematização das normativas internacionais e nacionais sobre a relação entre a cidade e as mudanças climáticas. Também será criado um glossário para unificar os termos técnicos utilizados nas políticas urbanas e climáticas.

Além disso, será construída uma tipologia de municípios, levando em consideração o porte das cidades, suas dinâmicas regionais e sociais, além dos biomas e riscos climáticos enfrentados por essas regiões. “Ainda nesse semestre, devemos ter o relatório sistematizando as normas internacionais e nacionais e o glossário de termos técnicos e políticos relacionados à mudança climática e à política urbana. Até junho deve estar pronto, com a previsão de divulgação em julho”, vislumbra Santos Junior.

Seca no Amazonas. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil.

Repositório de experiências e metodologia de implementação

De acordo com o coordenador, outra etapa fundamental do projeto será a criação de um repositório de experiências municipais que integrem políticas urbanas e ambientais. O repositório, que será lançado até o final de 2025, será integrado ao portal Capacidades, do Ministério das Cidades, e servirá para dar visibilidade às boas práticas adotadas por diversos municípios na articulação entre a política urbana e as questões ambientais. O repositório permitirá que gestores e cidadãos acessem essas experiências de diversas formas, seja por problemas enfrentados, tipos de instrumentos utilizados ou pela localização dos municípios.

Após essa fase preliminar, o projeto avançará para o desenvolvimento de uma metodologia para a implementação dos instrumentos urbanos adaptados às mudanças climáticas. Uma das características mais importantes do projeto é a incorporação dos saberes locais no processo, com ampla participação da sociedade, movimentos sociais e especialistas. “O projeto visa evitar o modelo tecnocrático de planejamento urbano, muitas vezes ineficaz, e garantir que as políticas sejam adaptadas às necessidades e realidades locais, com a participação ativa das comunidades”, pontua Santos Junior.

Testes e formação: capacitação para o futuro

Em seguida, serão selecionados oito instrumentos urbanos que serão testados e implementados nos 50 municípios. Esses instrumentos podem incluir, por exemplo, o zoneamento urbano, IPTU progressivo, parcelamento compulsório e operações urbanas consorciadas, todos alinhados com a questão da mudança climática. Eles ainda serão escolhidos, de acordo com a sua relevância e aderência às necessidades de adaptação climática de cada município.

Além disso, o projeto prevê a realização de um programa nacional de formação, com cursos presenciais e virtuais sobre planejamento urbano e adaptação climática. Até o final de 2025, será lançado um material didático que servirá de base para as capacitações, com o objetivo de disseminar a cultura do planejamento urbano sustentável e integrado com as questões climáticas.

Seleção dos municípios

A seleção dos 50 municípios que participarão da fase de implementação ocorrerá por meio de um edital público, cujos critérios estarão alinhados à tipologia de municípios desenvolvida pelo projeto. A previsão é que o edital seja lançado antes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30). “A seleção dos municípios deve ocorrer antes da COP 30 e, a partir de novembro, começamos a fase de teste e implementação dos instrumentos, que vai ser precedida de uma avaliação específica da articulação dos instrumentos de prática urbana com os instrumentos ambientais nesses 50 municípios. A escolha dos municípios e o anúncio sai já na COP 30”, afirma o coordenador. A fase de avaliação e desenho de implementação dos instrumentos terá o objetivo de promover uma mudança significativa nas práticas de planejamento urbano do país.

Para o coordenador geral do projeto, é um desafio inescapável para os municípios brasileiros desenvolverem um planejamento e gerir o território à luz das mudanças climáticas. “Não é mais possível planejar zoneamento, operações consorciadas, IPTU progressivo, parcelamento e identificação compulsória ou o uso do solo sem levar em consideração as mudanças climáticas. Estamos em um contexto em que os municípios estão desafiados a planejarem a sua cidade e o uso do território à luz dessas mudanças climáticas que estão ocorrendo no mundo inteiro”, ressalta Santos Junior.