No último de 25 de outubro, o coordenador nacional do Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar Ribeiro, e o pesquisador do Núcleo Rio de Janeiro, Juciano Rodrigues, participaram do seminário on-line “O Brasil depois da pandemia: saúde e cidades”, promovido pelo projeto Brasil Saúde Amanhã, conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O evento, organizado por José Carvalho de Noronha, coordenador executivo do projeto, e mediado por Ricardo Dantas, pesquisador do Icict/Fiocruz, contou também com a participação de Tadeu Oliveira, pesquisador do IBGE; Waleska Teixeira Caiaffa, professora titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Observatório de Saúde Urbana; e Leo Heller, pesquisador da Fiocruz Minas e ex-relator das Nações Unidas para os direitos humanos à água e ao saneamento.
No seminário, os pesquisadores do Observatório apresentaram os principais pontos tratados no artigo “A pandemia de Covid-19 no Brasil: um olhar sobre nossa condição metropolitana”, publicado na seção Textos para Discussão, no site do Brasil Saúde Amanhã. No artigo, os autores chamam a atenção para o fato de que a pandemia adiciona novos desafios ao entendimento da dinâmica socioespacial, à gestão e ao planejamento das cidades, acrescentando que a forma como a pandemia se espalhou pelo território e a tragédia sanitária instalada desde março de 2020 não podem ser compreendidas sem considerar dois aspectos fundamentais da organização espacial do país: a complexidade do nosso sistema urbano e o seu nível de metropolização.
Além de apresentar um panorama da metropolização brasileira e discutir a relevância da dimensão metropolitana no desenho das ações públicas de caráter nacional, o texto busca demonstrar como as metrópoles brasileiras foram atingidas pela pandemia, seja em comparação com outros pontos da rede urbana, seja destacando as diferenças entre elas. Ademais, detalha como a pandemia atingiu seus espaços internos, considerando, especialmente, a histórica relação centro-periferia. Por fim, com base na observação dos fluxos de hospitalizações por Covid-19, Rodrigues e Ribeiro exploraram como traços da estrutura e da dinâmica espacial podem determinar o comportamento da pandemia e seus desfechos no contexto tipicamente metropolitano.
Entre os resultados mais gerais, os autores destacam que os primeiros óbitos ocorreram quase que exclusivamente nas metrópoles e, à medida que a pandemia se espalha pelo país, elas cederam participação para os outros territórios, especialmente para o conjunto de municípios entre 100 mil e 500 mil habitantes, que em termos de participação no total nacional de óbitos também se descolam dos demais já no primeiro semestre de 2020. Esse dado reforça que, embora os óbitos tenham se interiorizado ao longo do primeiro ano da pandemia, as metrópoles continuaram concentrando a maior parte deles, isso em comparação com outros pontos da rede urbana.
A interiorização, aliás, é um aspecto importante e aparece como uma das características destacadas em estudos recentes sobre a propagação do SARS-CoV-2 no território brasileiro, com destaque para o poder de espalhamento das aglomerações urbanas, principalmente naquelas onde os aeroportos internacionais serviram como porta de entrada para o vírus. Além disso, esses estudos alertam para o fato da falta de respostas coordenadas pelas instâncias administrativas federais terem provavelmente alimentado a propagação espacial generalizada, sem a devida interrupção dos fluxos de transportes, serviços e negócios baseados na densa e conectada rede urbana durante os picos de casos e mortes.
Um dos indicadores utilizados no artigo é o percentual de óbitos em hospitais, referenciado na literatura como mortalidade hospitalar e utilizado para entender as diferenças entre as metrópoles e como as variações podem estar relacionadas à características próprias de cada uma, a exemplo do nível de acesso aos serviços de saúde e da disponibilidade de UTIs. O artigo revela que, considerando os dados acumulados até 27 de setembro de 2021, a taxa de mortalidade hospitalar registrada no Brasil era de 31,2%. Comparando os recortes da rede urbana, os autores encontraram poucas diferenças, sendo um pouco mais elevado nas metrópoles e nos municípios entre 100 mil e 500 mil habitantes: 31,3% e 32,5%, respectivamente. Porém, quando observaram as taxas específicas para cada metrópole, os autores encontram diferenças relevantes. Em Belém, por exemplo, 48,8% dos indivíduos hospitalizados e diagnosticados com Covid-19 vieram a óbito. Esse percentual chega a 47,4% em Vitória, 43,4% em Porto Alegre e 41,1% em Recife.
O pesquisador Juciano Rodrigues destaca que, apesar da interiorização atestada pela literatura recente, tais números sugerem condições desiguais relacionadas à natureza dos espaços metropolitanos, revelando não só as situações específicas de algumas metrópoles, mas também como determinados fenômenos podem se complexificar ainda mais quando encontram a complexidade espacial, econômica, demográfica e social das metrópoles.
Segundo Rodrigues, o embaralhamento de situações e detalhes que envolvem a pandemia nas metrópoles serão, por muitos anos, objetos de pesquisa do campo do planejamento urbano e da saúde. Para ele, a observação desse e de outros indicadores sugere diferenças importantes no que aconteceu em cada um dos espaços metropolitanos e que merecem, em outra oportunidade, serem detalhadamente exploradas. O que vale destacar é que as diferenças entre as metrópoles podem estar relacionadas à configuração espacial e à morfologia social de cada espaço.
Por isso, no texto os autores buscam também observar os recortes internos das metrópoles, se atentando para as diferenças entre núcleo e municípios do entorno e considerando como a carga de óbitos varia ao longo do tempo. Um exemplo interessante ocorreu na metrópole do Rio de Janeiro, onde, na fase bem inicial da pandemia, a participação do núcleo no total de óbitos cai, enquanto sobe no entorno. Assim, durante um determinado período ainda no primeiro semestre epidêmico, a queda na participação do núcleo não se reflete em uma queda nos mesmos níveis no entorno, sugerindo que uma possível contenção na área central não teve efeitos sobre a metrópole. Rodrigues e Ribeiro destacam que, embora seja necessário se aprofundar na investigação, é possível que comportamentos como esse estejam refletindo, por um lado, a força da integração metropolitana na propagação da doença, com alta mobilidade urbana entre os municípios e uma alta troca populacional cotidiana entre núcleo e entorno, por outro, as desigualdades existentes, inclusive em termos de infraestrutura de saúde.
Outra parte importante do texto de Rodrigues e Ribeiro trata da análise do fluxo territorial dos pacientes hospitalizados por Covid-19 no Brasil. Com base na análise dos dados registrados até dia 27 de setembro de 2021, os autores identificaram o registro de 304.825 pacientes que residem em municípios diferentes daqueles no qual foram hospitalizados, valor que corresponde a 27,2% do total de internados até a data considerada. Segundo eles, a imagem desses fluxos, da mesma forma que espelham importância de alguns pontos do território para onde parece confluir um conjunto grande de pacientes hospitalizados, refletem a própria imagem da rede urbana brasileira.
O que vale destacar, segundo os autores, é que parte considerável desse fluxo é intrametropolitano, ou seja, corresponde a uma quantidade considerável de pacientes que tiveram que ser transportados de um município para outro dentro da metrópole, provavelmente em busca de atendimento especializado ou de leitos de UTI em decorrência da sobrecarga sobre os hospitais menores ou menos equipados, ou mesmo em razão da presença de municípios nos entornos que não contam com nenhum tipo de suporte de média ou alta complexidade.
Ao todo, 88.917 pacientes foram transferidos entre municípios metropolitanos, o que corresponde a 29,2% do fluxo intermunicipal total. Além disso, 35.883 pacientes, ou 11,8% do total, foram transportados dos demais municípios do país para algum município metropolitano. O fluxo contrário, ou seja, das metrópoles em direção aos demais municípios, ressalta-se, foi de pouco mais de 5 mil pacientes, o que representa apenas 1,7% de todos os pacientes que buscaram atendimento em municípios não residentes. Portanto, o texto mostra que 42,7% do fluxo para hospitalização envolve de alguma forma os espaços metropolitanos.
Para avançar de alguma forma no melhor entendimento do comportamento desses fluxos que confluem para os principais pontos da rede urbana, explorando também seus desfechos, os autores calcularam a mortalidade hospitalar entre os pacientes que precisaram ser transportados de um município para outro. No geral, há pouca diferença quando foram considerados os fluxos entre os recortes mais gerais da rede urbana (metrópoles e demais municípios). No entanto, os autores encontraram que o percentual de óbitos é um pouco maior entre os hospitalizados que foram transferidos de algum município do interior para algum município das metrópoles.
Quando foram observados o percentual de óbitos no fluxo intrametropolitano, o maior valor é registrado no fluxo agregado entorno-entorno (31,6%), ou seja, em termos gerais os autores identificaram uma tendência maior de óbitos entre pacientes transferidos entre municípios dos entornos. Já entre os transferidos do entorno para o núcleo, o percentual de óbito é de 29% e entre aqueles transferidos no sentido inverso é de 27,8%.
Por sua vez, a análise do total fluxo intrametropolitano em cada metrópole revelou algumas diferenças importantes. Vitória, Recife e Belém apresentam percentuais bem acima de todas as outras metrópoles. Nas duas primeiras, em torno de 47% dos pacientes transferidos entre os municípios metropolitanos evoluíram para óbito. Em Belém, o percentual é um pouco menor, 44%, no entanto, bem acima dos 36% registrados para o fluxo ocorrido entre os espaços não metropolitanos.
A tabela a seguir foi retirada do artigo e mostra os percentuais de óbitos em cada tipo de fluxo em todas as metrópoles. Quando se observa os fluxos específicos, é possível notar que, por trás do fluxo intrametropolitano total apresentado anteriormente, em termos da mortalidade hospitalar aparecem diferenças significativas entre as metrópoles e entre os tipos de fluxos.
Ainda em relação à análise desse indicador os autores destacam que não foi possível identificar um padrão que indique um tipo de fluxo que prevaleça sobre os demais em termos de risco. Há casos de metrópoles em que a maior taxa é registrada no fluxo entorno-núcleo, enquanto em outras é registrada no fluxo entorno-entorno. Em uma minoria delas, a maior taxa está, por sua vez, no fluxo núcleo-entorno. Segundo os autores, essa diversidade de situações torna ainda mais necessário se aprofundar a investigação dos efeitos da organização territorial nos desfechos da pandemia. Por fim, destacam que situações como essa não só espelham a complexidade e a diversidade do quadro metropolitano brasileiro, mas também evidenciam uma condição metropolitana intrínseca à organização social e política do país, adicionando desafios para a gestão pública dos grandes problemas nacionais.
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O registro do seminário está disponível no Canal VídeoSaúde da Fiocruz: