Terezinha Cabral de Albuquerque Neta Barros¹
Raquel Maria da Costa Silveira²
Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros³
Richardson Leonardi Moura da Câmara⁴
Lindijane de Souza Bento Almeida⁵
Kassinely Souza de Melo⁶
João Victor Rocha de Queiroz⁷
Gabriel Rodrigues da Silva⁸
A pandemia da COVID-19 alterou o cotidiano das pessoas nos aspectos sanitários, econômicos e sociais, e os reflexos dos atuais desafios também adentram no universo político, mais precisamente no processo eleitoral. Isso porque as eleições 2020 vêm se configurando, cada vez mais, em um cenário de incertezas no qual se inserem o eleitorado e as novas rotinas eleitorais que serão impostas para os candidatos aos cargos do Executivo e Legislativo locais. Por essas e outras razões, considera-se que essa será a eleição mais singular, desde a redemocratização brasileira, para os cerca de 140 milhões de eleitores e os quase 500.000 candidatos aos cargos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, se forem levados em consideração os números do registro das eleições municipais de 2016.
Qualquer previsão sobre as eleições dependerá, diretamente, dos estágios da pandemia no Brasil, assim como do impacto das especificidades de cada localidade (fragilidades socioeconômicas, densidades urbanas e domiciliares, infraestrutura hospitalar disponível, etc.) no combate ao novo coronavírus. O fato é que a pandemia vem mudando a forma como vivemos e também pode abrir espaço para novas dinâmicas de fazer política.
Entrarão em vigor algumas medidas para garantir a segurança sanitária nas eleições: mudanças nas datas, com a aprovação da PEC 18/2020; ausência da biometria; intensificação do marketing eleitoral por meio das mídias sociais (processo esse que era feito preferencialmente através da TV e do rádio); e inviabilidade das aglomerações nas convenções partidárias. Talvez o grande desafio seja não só evitar que o pleito se transforme em um grande vetor de propagação da COVID-19, mas que, também, as regras constitucionais e republicanas não sejam violadas, assegurando a segurança jurídica ao processo e a competitividade entre os candidatos.
Possibilitar a paridade, em que os candidatos tenham de fato oportunidades iguais e justas de concorrerem, é garantir que a jovem democracia tenha as regras do seu jogo respeitadas. Melhor dizendo, a pandemia não pode ser usada como pretexto para fragilizar os elementos democráticos, neste momento em que a confiança institucional é fundamental. Trata-se de um momento decisivo em que as instituições brasileiras têm de demonstrar o compromisso público no enfrentamento do vírus e, também, na garantia de eleições idôneas.
Situações extremas, como uma pandemia, podem tensionar rotinas e ações da própria estrutura institucional e, além de descortinarem aspectos pouco visíveis das estruturas sociais e da qualidade dos serviços públicos, podem tornar-se ainda mais desafiadoras para a reeleição, destacadamente quando se considera a possibilidade de um oportunismo político frente às medidas adotadas para a prevenção e o combate ao agente pandêmico.
Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo verificar como as medidas de enfrentamento à COVID-19 podem ser utilizadas como estratégia eleitoral para as eleições de 2020 na Região Metropolitana de Natal (RMN). Para tanto, foi realizada uma pesquisa documental a partir dos decretos estaduais e municipais no âmbito da Região Metropolitana funcional de Natal, que corresponde à Regional de Saúde Metropolitana, composta por Natal, Parnamirim, Macaíba, Extremoz e São Gonçalo do Amarante. Também foi realizado um levantamento na mídia local, buscando-se subsídios que evidenciassem as medidas tomadas pelos referidos entes no enfrentamento à COVID-19. Os resultados foram cruzados com dados quantitativos referentes às taxas de transmissibilidade e de ocupação de leitos de UTI no Rio Grande do Norte (RN) e na RMN, entre 24 de abril de 2020 e 09 de julho de 2020.
Recentemente, o elemento político vem dando uma nova configuração ao enfrentamento da COVID-19 em algumas localidades no RN e, especificamente, na RMN. Na capital, Natal, por exemplo, a juíza da 3ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Norte determinou que o prefeito Álvaro Dias se abstenha de centralizar em sua imagem as ações implementadas pelo município. No mesmo sentido, a promoção pessoal pareceu ser um elemento também utilizado no município de Extremoz, visto que o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) recomendou que o ente se abstivesse de fazer propaganda irregular e antecipada, do prefeito, pré-candidato à reeleição, e de outros servidores, por meio da distribuição de cestas básicas no período de pandemia (AGORA RN, 2020).
Nesse contexto, a necessidade de operacionalizar uma ação cooperativa dentro de um cenário eleitoral torna o enfrentamento do vírus ainda mais desafiador. É inquestionável que ações articuladas entre os entes federativos são de suma importância no combate à COVID-19, especialmente com a ausência de coordenação advinda da União, em que os prefeitos e governadores ficaram mais expostos e tiveram que assumir o encargo de dar respostas neste cenário de crise dos serviços de saúde, ficando facultada a estes a possibilidade de utilizarem a pandemia como cenário para a pré-campanha eleitoral.
A despeito do caráter transfronteiriço da crise sanitária, até julho de 2020, não foi possível identificar um repertório de iniciativas direcionadas a atitudes de coordenação e cooperação, tão necessárias principalmente na gestão dos leitos de UTI e nas medidas de isolamento e flexibilização socioeconômica.
No caso específico do RN, por exemplo, os números de óbitos e casos, bem como a taxa de transmissibilidade, apontam que não se deve uniformizar as ações de maneira simples, visto que, apesar de estar presente em todos os municípios, a crise não se apresenta da mesma maneira em todas as localidades. Para isso, o governo estadual deve atuar como uma peça-chave na articulação de atores e na integração de medidas, ainda mais quando o interior do estado passou a apresentar maiores taxas de transmissibilidade do vírus que se refletiram criticamente no gerenciamento e na regulação dos leitos de UTI na região metropolitana e no restante do estado do RN. Os Gráficos 01 e 02 indicam a taxa de ocupação de leitos de UTI no RN e na RMN e taxa de transmissibilidade no RN entre abril e julho de 2020, destacando-se as datas dos três principais decretos de flexibilização publicados no período indicado.
Ações desencontradas nas medidas de enfrentamento entre alguns prefeitos da RMN, particularmente na capital Natal, e o governo do Estado parecem também revelar as clivagens político-partidárias, o que acaba gerando impactos diretos na oferta de serviços públicos de saúde no RN. Tal afirmação torna-se ainda mais evidente quando pesquisas de opinião, promovidas pelo Instituto Consult e divulgadas na Tribuna do Norte, jornal de circulação local, sobre o desempenho dos candidatos em relação à pandemia, demonstram a avaliação negativa do Executivo Estadual no combate à COVID-19, o qual enfocou seus esforços na ampliação dos leitos de UTI no RN, e, em contraponto, a avaliação positiva do prefeito da capital potiguar, que realizou estratégias de testagem em algumas regiões da cidade e medidas de flexibilização da economia (Gráfico 03). O fato é que se no início da crise esses gestores apresentavam postura aparentemente cooperativa (SILVEIRA et al, 2020), com a antecipação da pré-campanha eleitoral, os conflitos, posteriormente evidenciados pelos decretos dissonantes adotados por ambos, se refletiram em graus distintos de aprovação e reprovação⁹.
As pesquisas de desempenho dos gestores no combate à pandemia podem ser um bom termômetro sobre quem pode sair fortalecido da gestão da crise, conseguindo minimizar o cenário de incertezas e de desconfiança do eleitorado gerado pelos números de contaminação e óbitos que afetam a sua imagem. Nas duas avaliações em destaque, o prefeito de Natal vinha conseguindo melhores avaliações que a governadora Fátima Bezerra até o início de julho de 2020.
Nesse cenário, não associar a imagem à governadora parecia ser o melhor caminho eleitoral. A pesquisa Consult/Tribuna do Norte (2020) mostrou que 61% dos participantes responderam que, com certeza, não votariam no candidato apoiado pela governadora. Tal resultado se apresenta a despeito das medidas adotadas recentemente pelo governo estadual. O RN tem sido o terceiro estado do país com mais leitos de UTI destinados aos casos de COVID-19 (SESAP/RN, 2020) e abriu (até julho de 2020) quase quatro vezes mais leitos de UTI do que o previsto na proposta inicial de implantação de um hospital de campanha (DUARTE, 2020).
O acirramento político vai além das pesquisas de opinião e se apresenta, também, no discurso dos gestores municipais. Nesse sentido, têm sido recorrentes as declarações do prefeito de Natal no sentido de cobrança por ações mais efetivas por parte do governo do Estado, comparando a sua própria atuação com a do Executivo Estadual. Álvaro Dias chegou a afirmar que:
Acho que o Governo do Estado deveria ter uma atuação mais efetiva. Deveria fazer ou seguir o exemplo da Prefeitura de Natal que em 60 dias montou, instalou e equipou um Hospital de Campanha com 100 leitos de enfermaria para coronavírus e 20 leitos de UTI (TRIBUNA DO NORTE, 2020).
Em Extremoz, município que compõe a Regional de Saúde Metropolitana, o prefeito Joaz Oliveira também culpou o governo do estado pela necessidade de adoção do lockdown, atribuindo tal medida à demora do ente estadual na disponibilização de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para os pacientes dos municípios que necessitam de transferência para leitos críticos (VITAL, 2020).
A taxa de ocupação de leitos de UTI (como podemos observar no Gráfico 01) mostrou-se elevada em diversos momentos da crise, principalmente na RMN, apesar da abertura de novos leitos, a fim de zerar as filas de espera formada por pacientes em situação crítica. As taxas de transmissibilidade de bairros da capital e municípios da RMN continuaram altas e não acompanharam a ampliação da rede hospitalar. Situação grave, como alertava o Secretário da Saúde do RN em junho de 2020: “Estamos à beira do colapso”, em virtude da ocupação próxima de 100% dos leitos públicos de UTI, falta de respiradores e de recursos humanos (ARAÚJO, 2020).
Tendo em vista tal cenário, e como forma de estabelecer diretrizes para o controle da pandemia, os decretos estaduais e municipais foram os instrumentos mais utilizados pelas gestões para o regramento das medidas adotadas. Contudo, os documentos de orientações normativas e suas reais aplicações, fiscalização e efetivação, revelaram-se pouco eficazes no decorrer da crise sanitária.
Para compreender o cenário geral das medidas adotadas, foi realizado um levantamento dos decretos estaduais e municipais (municípios da região metropolitana funcional) entre os dias 24 de abril de 2020 e 09 de julho de 2020, buscando analisar a consonância e dissonância dos normativos municipais em relação ao regramento estadual. Trata-se da continuidade das observações realizadas no período inicial da pandemia (SILVEIRA et al, 2020), o que permite visualizar rupturas ou continuidades dos comportamentos consonantes ou dissonantes adotados pelos entes. A análise partiu do pressuposto de que o governo do estado detém competência de coordenação da política de saúde e, portanto, da gestão da crise sanitária (Figura 01).
O levantamento realizado denota um cenário marcado, por vezes, pela ausência de regramento municipal na resposta à pandemia. De um lado, tal resultado pode evidenciar a compreensão dos gestores em relação à existência do decreto estadual aplicável ao território municipal e, por outro, pode indicar o desejo do gestor municipal de não adentrar no conflito político com sua base de apoio eleitoral em relação às medidas de restrição e flexibilização de isolamento social. Assim, a ausência de regramento poderia significar menor desgaste político.
Além do teor dos decretos, foi considerada a sua data de publicação e a observância das taxas de ocupação dos leitos de UTI e de transmissibilidade. As medidas flexibilizadoras e o período de adoção das mesmas revelaram aspectos casuísticos da atuação dos gestores municipais. O período, além de estar relacionado às pressões de grupos econômicos locais, também descortina a corrida sobre quem tomava a dianteira das iniciativas de flexibilização. A antecipação da retomada e reabertura das atividades econômicas nos municípios da RMN funcional frente ao governo estadual tornou-se um “galardão” na pandemia. A corrida sobre o protagonismo nos decretos aconteceu não só para deslegitimar a gestão estadual, mas, também, como forma de apresentar responsividade ao eleitorado.
A Figura 02 apresenta uma cronologia das principais medidas adotadas pelo governo do RN entre abril e julho de 2020, indicando se houve regramento municipal correspondente e, além disso, se a iniciativa dos entes municipais antecipou-se a do governo estadual.
Como podemos perceber, quando o governo do estado publicou o decreto sobre o fechamento da orla, os municípios litorâneos (Natal, Parnamirim e Extremoz) não cumpriram tal normativo. O Decreto Estadual nº 29.705 de 19 de maio de 2020 recomendava, em seu artigo 12, que os municípios do estado adotassem, no âmbito de suas competências, o fechamento das orlas urbanas nos finais de semana. Na prática, não foi o que se verificou. No dia 19 de julho, por exemplo, uma aglomeração na principal praia urbana da cidade, Ponta Negra, ganhou proporções midiáticas, o que rapidamente demandou respostas do prefeito de Natal em um momento crucial na flexibilização das atividades econômicas da cidade (Figura 03). No entanto, o gestor municipal, em entrevistas concedidas, relatou que iria procurar o governo do estado para ampliar a fiscalização em Natal. “Procurar o governo do estado para que a Guarda Municipal e Polícia Militar possam realizar ‘controle rigoroso e restritivo nas praias’” (PORTAL G1 RN, 2020), revelando, mais uma vez, as dissonâncias entre os dois níveis de governo.
A linha do tempo (Figura 02) também mostra que nos dias 04 e 15 de junho o estado estabeleceu medidas mais restritivas sobre o isolamento social que coincidem com o mês de maior taxa de ocupação sobre os leitos de UTI. Contudo, os municípios da metrópole funcional não adotaram medidas de maior restrição, em consonância com o decreto estadual, mesmo dentro do cenário crítico em que o sistema de saúde se encontrava naquele momento, seja por compreenderem que tais decretos estaduais já geravam efeitos em seus territórios ou para evitar o custo político da medida.
Ainda sobre as medidas publicadas via decreto, destacamos a influência exercida por outros atores na postura adotada pelos entes. Desde março de 2020, o governo do RN vinha adotando postura de regramento e enrijecimento do isolamento social, o que caracterizou sua atuação até 22 de abril de 2020. Em 23 de abril de 2020, por sua vez, após reunião com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e do Turismo (Fecomércio/RN), foi adotada a primeira medida de flexibilização (TRIBUNA DO NORTE, 2020). Tal normativo seguiu-se de novas medidas de endurecimento, até que, em 29 de junho de 2020, o prefeito de Natal anunciou o início da retomada das atividades econômicas na capital potiguar a despeito dos normativos estaduais.
Tal fato repercutiu na postura do ente estadual, que publicou dois decretos que flexibilizavam as medidas e possibilitavam a retomada de atividades (Decretos estaduais nº 29.794 e 29.795 de 30 de junho de 2020). A iniciativa de retomada pelo ente estadual e pela capital potiguar se deu em um cenário em que a taxa de transmissibilidade do vírus alcançava 0,90 no RN e 0,94 na RMN e a ocupação de leitos de UTI se aproximava de 95% no RN e 92% na RMN.
Em 08 de julho de 2020, por meio do Decreto estadual nº 29. 815, o governo do RN novamente enrijeceu as medidas de prevenção ao contágio e adiou a retomada gradual responsável das atividades econômicas para o dia 15 de julho de 2020. O retorno a uma postura menos flexibilizadora por parte do governo estadual se deu após a publicação de uma recomendação por parte do Ministério Público do RN, em conjunto com o Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, no sentido de que o governo do estado e as prefeituras municipais se abstivessem de adotar quaisquer medidas tendentes a flexibilizar o isolamento social frente à pandemia da COVID-19.
A crise gerada pela COVID-19 no RN evidencia a ausência de coordenação e cooperação entre os entes, abrindo espaço para a influência de atores externos ao Executivo. A pandemia ainda demonstra que diversos aspectos e interesses, inclusive eleitorais, estão em jogo. É importante destacar que o cenário eleitoral parece injetar mudanças no perfil da escolha de candidatos. O anti-establishment, a anticiência e a busca dos princípios morais e conservadores propagados nas últimas eleições, parecem tencionar-se frente a essa nova realidade. No entanto, ao que tudo indica, o complexo cenário demanda um ator político que aparente ser um bom gerenciador da crise e que consiga traduzir suas ações para a agenda da saúde. Esse é o pensamento que parece fundamentar a estratégia de atuação de alguns gestores locais da linha de frente, os quais vêm utilizando a resposta à pandemia como uma janela de oportunidade para uma promoção eleitoral. Ter sua imagem vinculada a ações de apelo visual e midiático (como testes rápidos no sistema de drive-thru, instalação de câmaras, cabines e túneis para desinfecção nos espaços públicos e barreiras sanitárias nos acessos aos municípios) parece ser uma estratégia utilizada pelos prefeitos.
Assim, a depender do perfil e interesse predominante entre os gestores municipais e estaduais, podem-se destacar, por um lado, respostas de cunho transitório; com baixa capacidade de resolução da crise; cientificamente questionáveis e populistas e, por outro, iniciativas de resultado continuado, e cientificamente embasadas, como a implantação de novos leitos de UTI nos equipamentos de saúde já existentes, as orientações de distanciamento social, uso de máscaras, uma flexibilização da economia mais lenta e uma resposta mais pragmática à COVID-19.
A título de exemplo, é possível destacar o caso do município de Natal, que optou por introduzir em seu protocolo hospitalar o uso de medicamentos profiláticos para prevenir a COVID-19, mesmo não possuindo estudos científicos comprovados que balizem a iniciativa, seguindo a orientação do governo federal. Como relatou o prefeito e médico Álvaro Dias:
Além de estarmos instituindo medidas terapêuticas, estamos instituindo medidas profiláticas para prevenir o coronavírus. E acho que o governo do estado tem se omitido com relação a essa questão (TRIBUNA DO NORTE, 2020).
As medidas profiláticas referidas consistem na distribuição do medicamento vermífugo Ivermectina (CARVALHO, 2020), o qual não possui eficácia comprovada contra o coronavírus. Porém, o referido gestor chegou, inclusive, a divulgar pelas redes sociais a distribuição de 1 milhão de kits com o medicamento, como forma de prevenção ao vírus. Esse fato resultou em uma punição do gestor municipal por parte da Justiça Eleitoral, a pedido do Ministério Público, por propaganda eleitoral antecipada (ALMEIDA, 2020). O remédio também foi adotado pela Prefeitura de Parnamirim (MEDEIROS, 2020).
O comportamento conflituoso evidenciado entre o governo estadual e a capital apenas exemplifica a complexidade do cenário em um ano eleitoral, o que vem se apresentando, também, em relação a outros entes municipais. Tendo como horizonte as eleições de novembro de 2020 e observando-se o recorte da metrópole funcional, dos cinco municípios, apenas em um o gestor não poderá concorrer à reeleição (Quadro 01).
Contudo, não se trata de um cenário eleitoral fácil para candidatos, nem para eleitores. De um lado, a pandemia evidencia um momento ideal para os votantes questionarem a desigualdade na oferta de serviços de saúde, particularmente dos serviços médicos de média e alta complexidade em municípios polos das regionais do SUS. Por outro, a crise política gerada e a ausência de uma relação de cooperação estabelecida entre os entes reflete-se em um contexto de incerteza, tendo em vista a dificuldade do eleitor em identificar de quem é a responsabilidade no complexo arranjo federativo e no desenho institucional do Sistema Unificado de Saúde brasileiro.
A realização das campanhas parece ser um dilema também para os oponentes dos atuais prefeitos, uma vez que ser lembrado e fazer-se visto são elementos básicos durante a corrida eleitoral. O “corpo a corpo” tão comum na conquista dos votos parece, cada vez mais, ser impossível de se concretizar no atual momento. Ao que parece, até os velhos santinhos podem ser um meio de transmissão do vírus. A despeito disso, a imprensa tem noticiado, com frequência, candidatos ao Executivo e Legislativo municipais fazendo campanha direta com suas bases eleitorais levantando as bandeiras da oposição ao isolamento social, da retomada dos empregos e atividade econômica e da cura por medicamentos sem evidência científica comprovada, em consonância com a postura apresentada pelo Presidente da República em relação à pandemia.
O cenário apresentado evidencia as complexas questões que envolvem a gestão da pandemia na Região Metropolitana funcional de Natal e os elementos que serão balizadores da campanha eleitoral. A pandemia reflete-se no contexto político, o qual, por sua vez, vem dificultando a adoção de uma postura de cooperação entre os entes. Nesse sentido, a existência de uma governança capaz de possibilitar o planejamento de medidas efetivas para o controle do vírus parece prejudicada pelos distintos interesses que pautam as ações dos gestores.
Não sabemos ainda se os desafiantes ou os incumbentes (candidatos à reeleição) à cadeira do Executivo ou Legislativo municipais terão mais chances de vitória a poucos meses do pleito, se sairão às ruas para se comunicar com suas bases ou se a campanha eleitoral será direcionada para as plataformas virtuais ou ainda se será um conjunto disso tudo. Nem sabemos como o eleitor vai avaliar o desempenho dos gestores municipais e estadual em relação à pandemia, porque o cenário político ainda é incerto. Existem outras preocupações mais urgentes que deveriam fazer parte do debate eleitoral. Uma delas se refere aos diversos trade-offs trazidos pela pandemia, que limitam as nossas escolhas sobre a quantidade e qualidade do serviço de saúde básica, de média e alta complexidade no estado do RN, sendo a questão da continuidade do financiamento da saúde somente uma delas.
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¹ Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
² Professora do Departamento de Políticas Públicas (UFRN). Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
³ Professora do Departamento de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (UFRN). Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
⁴ Bolsista PNPD/CAPES do INCT Observatório das Metrópoles. Pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
⁵ Professora do Departamento de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (UFRN). Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
⁶ Advogada. Graduanda em Gestão de Políticas Públicas (UFRN). Bolsista de Iniciação Científica. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
⁷ Graduando em Gestão de Políticas Públicas (UFRN). Pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
⁸ Geógrafo. Mestre em Estudos Urbanos e Regionais (UFRN). Pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
⁹ Recentemente o prefeito de Natal recuou em sua decisão de permitir o retorno do ensino presencial nas escolas particulares da capital, após repercussão negativa de pais e professores (G1, 2020).
REFERÊNCIAS
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AGORA RN. MP recomenda que Extremoz se abstenha de fazer propaganda irregular e antecipada. Agora RN, Natal/RN, 12 de maio de 2020. Disponível em: <https://agorarn.com.br/cidades/mprn-recomenda-que-extremoz-se-abstenha-de-fazer-propaganda-irregular-e-antecipada/>. Acesso em: 04 de ago. de 2020.
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