“Escolho narrar por aqueles que não traem e não te traíram. Esses sábios, muito mais que eu, hoje não comemoram nada. Se o mundo lhes nega acesso a quase tudo, a democracia lhes dá o mesmo poder, sua opinião vale igual. Mesmo que sob o desprezo de muitos”. É assim que começa o texto do professor Bruno Leonardo Barth Sobral, publicado no site Brasil Debate. Assumindo a perspectiva das classes populares, ele observa o fato já histórico da prisão jurídico-política do ex-presidente Lula, e reflete sobre o que está em jogo nesse momento no Brasil.
O artigo de opinião “Aos que não sabem trair” foi publicado no site Brasil Debate, no dia 9 de abril de 2018. O autor autorizou a publicação do texto no site do INCT Observatório das Metrópoles.
Bruno Leonardo Barth Sobral é economista e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, tendo doutorado pelo Instituto de Economia da Unicamp. Autor do livro: “Metrópole do Rio e Projeto Nacional: uma estratégia de desenvolvimento a partir de complexos e centralidades no território” (Editora Garamond, 2013)
AOS QUE NÃO SABEM TRAIR
POR BRUNO LEONARDO BARTH SOBRAL
Dirão que só não comemoram militantes fanáticos e vestidos de vermelho. Dirão que não comemora só quem não tem moral ou vergonha na cara. Dirão que são um bando de cegos ou gente comprada. Dirão tudo isso e mais para não aceitar que haja outra forma de narrar a história que preserve a sua honra. Escolho narrar por aqueles que não traem e não te traíram.
Nós intelectuais não somos vanguardas de nada, e o melhor que fazemos é admitir como somos pequenos diante da sabedoria do povo. Ao povo que me refiro são os tratados como mulas de nossas necessidades mais básicas. Aqueles que a miséria esmaga seu rosto, deixa seus corpos cheios de marcas… Aqueles jogados no mundo sem instrução ou proteção e a vida não é feita de teses porque lutam pelo direito à vida todo dia.
Darcy Ribeiro nos lembrou que o povo brasileiro não tem sobrenome, um conjunto de zé-ninguém que nem sabe o que é se vestir de verde e amarelo e conhece muito pouco além da sua fome. Para os que se deram bem na vida ou já nasceram bem é difícil lidar com um bando de zé-ninguém que não aprendeu o valor da meritocracia. São uns “caras estranhos”, meio “feios”, “gente esquisita”… Ora merecem pena, ora despertam medo. Dificilmente se reconhece neles sua capacidade de demonstrar sabedoria maior que aquela ensinada nas melhores famílias ou instituições de ensino.
Mas um intelectual que ama o Brasil não idealiza, não quer um Brasil mais isso ou mais aquilo, quer sim um Brasil mais real que ame sua gente, ame sua sabedoria popular. Um intelectual desse tipo ama a democracia não esperando que ela seja um sistema estável e feito de bom senso, ama a democracia pelo direito que o regime dá de um miserável ter o mesmo peso de escolha dos destinos do país que qualquer outro. Se o mundo lhe nega acesso a quase tudo, a democracia lhe dá o mesmo poder, sua opinião vale igual. Obriga que mesmo que sob desprezo de muitos sua sabedoria seja validada.
Sou um professor, de certa forma sou um intelectual por ofício. Mas acho o povo, e sempre acharei, sábio. Ele que aguenta injustiça todo o dia… E, por isso, hoje ele não se espanta como eu e nem fará textão como eu, pois ele está acostumado a aguentar. E quando lhe deixam, também melhor que eu, ele sabe mostrar com arrebatamentos e muita emoção o que acredita, mas só quando o deixam… Quando o deixam ele sabe dizer o que quer, e, mais que tudo, ele sabe ter respeito.
Por isso, escolho narrar por aqueles que não traem e não te traíram. Estes sábios, muito mais que eu, hoje não comemoram nada. Estes, que não precisam discutir com seus pares a falácia do conceito de populismo diante do desejo popular, são e sempre serão vistos como ignorantes e sabem lidar com isso porque precisam. Mas quem são mesmo os ignorantes? Resposta: quem é capaz de poder ignorar as reações daqueles que aguentam tudo, ainda que não aguentem mais ser ignorados em sua sabedoria e suas escolhas.
Crédito da foto da página inicial: Ricardo Stuckert