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O INCT Observatório das Metrópoles divulga o e-book “Segregação e gentrificação: os conjuntos habitacionais em Natal”, da professora Sara Raquel F. Q. de Medeiros. A obra analisa a produção pública de espaço residencial na cidade de Natal via política habitacional, e seu posterior aparelhamento promovido por investimentos públicos e privados. Parte-se do pressuposto de que a produção dos conjuntos gerou uma acentuada segregação entre as regiões, os bairros e os conjuntos, sendo que algumas áreas passaram a ter uma maior concentração de investimentos e infraestruturas, tornando-as enobrecidas e valorizadas, constituindo-se, desta forma, um processo de gentrificação.

O estudo prevê também uma caracterização histórica das políticas públicas urbanas em Natal, de forma a entender a cidade do presente e refletir sobre as práticas já vivenciadas.

Fruto da pesquisa de Tese desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (UFRN), com estágio de doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o livro “Segregação e gentrificação: os conjuntos habitacionais em Natal” é mais um resultado da Rede Nacional INCT Observatório das Metrópoles.

O trabalho da professora Sara Raquel F. Q. de Medeiros, que é integrante do Núcleo Regional Natal, contou com a orientação do profº Márcio Valença; e em seu doutorado sanduíche em Lisboa com a orientação do professor João Ferrão (parceiro do Observatório).

INTRODUÇÃO

Segundo Márcio Valença, que assina o Prefácio do livro, a ideia geral do projeto era avaliar como, em Natal, diferente das outras capitais do país, quase todos os conjuntos habitacionais construídos pelo BNH, nas décadas de 1960, 1970 e 1980, foram enobrecidos e gentrificados, em vez de terem se tornado “refavelas”.

“As explicações, como podem ser verificadas ao longo do livro, são várias, mas a principal delas é a de que muitos conjuntos foram construídos ao longo ou próximo das principais vias de acesso da cidade, ao mesmo tempo em que o centro econômico das elites da cidade se expandia ou migrava no mesmo sentido e em direção à Zona Sul, preservando a Zona Leste para as elites tradicionais. Os conjuntos também foram, de início, responsáveis pela ocupação da Zona Norte”, aponta o professor.

De acordo com Sara Raquel de Medeiros, a sua pesquisa defende o fato de que existem produção e reprodução do espaço residencial ditadas por processos sociais e econômicos vinculados à dinâmica capitalista. Nessa (re) produção, os agentes públicos e privados respondem com estratégias diferenciadas, a depender do cenário em que se encontra o espaço residencial. Nesse sentido, impera, sobretudo, uma disputa por melhores localizações na cidade – de acordo com a disponibilidade das áreas e da capacidade econômica dos ocupantes.

“A apropriação do processo de produção e reprodução do espaço residencial melhor equipado e acessível varia em função do poder aquisitivo dos ocupantes e, consequentemente, da valorização e da composição social. se do pressuposto de que a produção dos conjuntos gerou uma acentuada segregação entre as regiões, os bairros e os conjuntos. Por outro lado, ao longo do tempo, essas áreas passaram a ter uma maior concentração de investimentos e infraestruturas, o que as tornou enobrecidas e valorizadas, constituindo, desta forma, um processo de gentrificação”, explica.

METODOLOGIA E CAMPO

A investigação tem como ponto de partida 1964, ano de fundação do BNH, tendo em vista que os produtos da intervenção do BNH são os objetos de análise desta pesquisa. O recorte prevê uma caracterização histórica das políticas públicas urbanas em Natal, de forma a entender a cidade do presente e refletir sobre as práticas já vivenciadas.

De acordo com Sara Raquel de Medeiros, o estudo empírico abrange quatro grandes conjuntos habitacionais de Natal produzidos pelo BNH: Cidade da Esperança (1967), Soledade (1978), Ponta Negra (1978) e Cidade Satélite (1982). O universo dos conjuntos pesquisados foi definido a partir de um filtro estatístico orientado pela base de dados de Valença (1997/1998), uma amostragem com 4.116 entrevistas realizadas por meio de questionários, nos conjuntos habitacionais com mais de 100 unidades produzidos em Natal até ao ano de 1990. Essa base representa uma importante fonte de dados primários, principalmente em decorrência de não haver outros dados, nem mesmo dos setores censitários, por meio dos quais os conjuntos possam ser analisados isoladamente.

Foi realizada ainda, para os quatro conjuntos do estudo empírico, uma contextualização histórica da proposta original de inserção urbana e dos primeiros anos de ocupação, através do resgate dos partidos urbanísticos, das escrituras públicas e do pronunciamento dos órgãos promotores. A apresentação da configuração contemporânea desses conjuntos é pautada pelo trabalho de campo realizado em 2013/2014, que constou de 1.019 entrevistas – realizadas através de questionários – , mapeamento do uso do solo e registro fotográfico

PARTES DO LIVRO

O primeiro capítulo do livro contempla um enquadramento teórico sobre a relação entre a habitação-mercadoria e as dinâmicas urbanas de valorização e desvalorização da terra, para alcançar o entendimento sobre os processos de segregação e gentrificação. Este percurso é realizado à luz da teoria da renda da terra. As primeiras páginas da discussão teórica contemplam um resgate dos autores clássicos, com os questionamentos sobre o que e por que se paga pela terra.

A pesquisadora busca, dessa forma, compreender a discussão sobre a renda da terra, desde suas origens, assim como seus limites e desafios quando transposta para o urbano. A localização e a composição do ambiente construído entram na discussão sobre a externalidade e a vinculação que se estabelece com a habitação.

Os capítulos 2 e 3 fazem parte de um debate mais amplo sobre a produção pública da cidade. O debate em termo de Brasil, no capítulo 2, focaliza a atuação do BNH. Mais do que um resgate para compreender a história e a atuação desse órgão, o texto foi estruturado a partir dos eixos teóricos levantados no capítulo 1, ou seja, buscando a compreensão da atuação do BNH na habitação e no ambiente construído, bem como o seu impacto na valorização da terra e na produção desigual do espaço residencial. Para encerrar, Sara Raquel trata de fazer um breve apanhado acerca da situação da problemática da habitação pós-BNH.

O capítulo 3 transporta essa discussão para a realidade da cidade de Natal. Inicia-se o capítulo com a situação urbana de Natal antes da atuação do BNH, contextualizando a discussão a partir da 2a Guerra Mundial, período no qual a população da cidade praticamente dobrou. Repete-se, nesse capítulo, a mesma estrutura do capítulo 2, onde o tratamento dado à atuação do BNH dividiu-se entre habitação e espaço construído.

A questão da terra é abordada desde a estruturação urbana até a formação dos loteamentos periféricos como investimento. No que diz respeito à divisão estratégica entre COHAB e INOCOOP, versa-se sobre a divisão geográfica – que passou a ser, também, social e econômica – da cidade em Norte verus Sul, que compôs um desenvolvimento geográfico desigual e combinado.

A pesquisadora realiza, ainda no capítulo, a análise espacial da política habitacional, ainda de forma genérica, dando-se a conhecer os conjuntos e a estrutura disponibilizada no período da implantação e apresentando-se o que estava disponível nos relatórios e demais documentos institucionais consultados.

O estudo de caso é detalhado nos capítulos 4 e 5, sendo que cada um deles dedica-se a um dos processos estudados: o quarto capítulo aborda a segregação e o quinto detém-se nos processos da gentrificação.

A discussão sobre a renda da terra está presente em toda a construção da pesquisa de campo e da análise dos dados. Segundo Sara Raquel de Medeiros, a ideia foi seguir a linha, proposta pelo geógrafo David Harvey, de “integrar as teorias da produção do espaço na teoria geral de Marx sobre a acumulação do capital”, a partir da qual também discute-se os processos de segregação e gentrificação dos conjuntos habitacionais, refletindo principalmente sobre as localizações dos conjuntos, o mercado imobiliário e a apropriação formal e informal da terra por loteamentos e ocupações irregulares, para além das disputas de uso e ocupação do solo que ocorrem nos lotes dos conjuntos.

O capítulo 4 é dividido em quatro itens. No primeiro, apresenta-se a metodologia para a definição do estudo de caso. No segundo, o texto é direcionado para os quatro conjuntos contemplados na pesquisa empírica, com a utilização de um zoom para explorar as especificidades com que eles foram concebidos e as áreas a eles adjacentes. No terceiro item, busca-se compreender a forma como foi concebida a diferenciação entre os empreendimentos da COHAB e do INOCOOP, bem como suas consequências na produção desigual da cidade e nos processos de segregação. Por último, no quarto item, trata-se da especulação imobiliária que prosperou no cenário de segregação e abandono dos conjuntos nos primeiros anos de ocupação.

O quinto, e último, capítulo detém-se numa análise de um momento mais atual. No início do capítulo são tratadas as externalidades, os investimentos (públicos e privados) e a legislação urbana, para, em seguida, agrupar os efeitos dessas externalidades com a dinâmica interna nos efeitos de valorização imobiliária, uso, ocupação do solo e composição social de cada conjunto.

“De forma geral, depois de uma fase de abandono, os conjuntos passaram a concentrar serviços e infraestruturas urbanas. Os traçados desses desenvolvimento e planejamento desencadearam valorizações diferenciadas para cada eixo da cidade. Os conjuntos saíram de um estágio de segregação e periferização, em que havia carência de infraestruturas e serviços, e passaram a receber uma nova população, iniciando-se um processo de gentrificação. Não se trata de anunciar o fim do processo de segregação, mas, sim, de apresentar novas formas de excluir, separar e diferenciar”, aponta a professora.

Faça o download do e-book “Segregação e gentrificação: os conjuntos habitacionais em Natal”.

https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/24812