O Núcleo Paraíba, que integra a Rede Observatório das Metrópoles, apresenta uma análise sobre as disputas pelo direito de acesso à água na cidade de Campina Grande. A região onde está localizada a cidade sempre teve problemas de escassez hídrica, característica da região semiárida brasileira, mas também devido às deficiências no sistema de gestão dos recursos hídricos. Após a finalização das obras de transposição do Rio São Francisco, o problema parecia ter sido solucionado. Porém, o que se vê agora é uma disputa entre a manutenção do racionamento de água em Campina Grande ou a privatização dos serviços de saneamento.
A equipe do Núcleo Paraíba, coordenado pela profª Lívia Miranda, produziu uma série de entrevistas para mostrar a situação da cidade de Campina Grande que vive um período de quase três anos de racionamento de água. Essa ação de racionamento se deve à escassez hídrica, característica da região semiárida brasileira, mas também associada a deficiências do sistema de gestão dos recursos hídricos no estado da Paraíba. O racionamento prolongado afetou, em diferentes níveis, a população de 18 municípios que dependem de uma única fonte hídrica: o açude Epitácio Pessoa (mais conhecido como açude de Boqueirão). Somente em Campina Grande, são quase 400 mil habitantes afetados, que tiveram o acesso à água comprometido, especialmente se consideradas, as localizações mais periféricas e a precarização das condições de armazenamento de água dos moradores mais pobres.
Com a finalização das obras da transposição do Rio São Francisco, e consequente encontro de suas águas com as do Açude Epitácio Pessoa, foi possível garantir a segurança hídrica para a população, uma vez que, o açude passou a ter garantia de oferta de água. Por questões técnicas, o racionamento não poderia ser suspenso imediatamente após a chegada das águas importadas, uma vez que a captação estava sendo realizada por meio de bombas de captação flutuante. Somente após a saída do manancial do chamado volume morto (ocorrido em julho de 2017), e consequente possibilidade de captação através da tomada de fundo do açude, houve a possibilidade de cessar o racionamento e distribuir suas águas à população.
No entanto, mesmo diante da segurança hídrica apresentada pelo manancial, e as condições técnicas favoráveis, atestada pela Agência Nacional de Águas (ANA), pela Companhia de Água e Esgoto da Paraíba (CAGEPA), o Ministério Público do Estado da Paraíba abriu ação judicial solicitando a manutenção do racionamento, contrariando o direito da universalização do acesso à água. Uma das ações movidas pelo Ministério Público foi iniciada através da manifestação de representantes da população, que solicitava que o racionamento não fosse suspenso.
Paralelamente a todo este cenário, o debate a respeito da retomada dos serviços de saneamento por parte do Governo Municipal foi ganhando força. Atualmente, estes serviços são prestados por uma concessionária estadual (Companhia de Água e Esgotos da Paraíba – CAGEPA). No entanto, é possível perceber que a discussão a respeito desta retomada está pautada em intenções de privatização dos serviços.
A equipe do Núcleo Paraíba realizou entrevistas com três atores que estão envolvidos, direta ou indiretamente, com o debate da água na região. A ideia era mostrar uma variedade de pontos de vista para construir uma visão sobre a problemática da seca e do racionamento na região de Campina Grande.
Os entrevistados são: Professor Janiro Costa Rêgo, Doutor em Recursos Hídricos, Hidrologia e Hidráulica, professor da Unidade Acadêmica de Engenharia Civil da Universidade Federal de Campina Grande; André Agra Gomes de Lira, Secretário de Planejamento da Prefeitura Municipal de Campina Grande; e Ronaldo Amâncio Meneses, Gerente Regional da Borborema – CAGEPA.
A seguir, um breve apontamento sobre os principais tópicos tratados em cada entrevista:
ENTREVISTA – PROF. JANIRO RÊGO (Universidade Federal de Campina Grande)
Sobre a transposição do Rio São Francisco: a obra está trazendo segurança hídrica, garantindo oferta de água.
Sobre o racionamento com interrupção do fornecimento:
— É principalmente um problema de gestão pois, se houvesse gestão correta de oferta e demanda, além do estabelecimento de hábitos de consumo racionais, não seria necessário nem o racionamento nem a importação de água (como aconteceu com a transposição do Rio São Francisco);
— Os cálculos mostram que os recursos hídricos são suficientes para o abastecimento, mas a falta de gestão levou ao racionamento.
— É contradição da defensoria pública pedir para tirar a água da população, ao invés de pedir água em seu favor.
— Erroneamente a população também pede pela continuação do racionamento, sem compreender que é necessário o uso racional, a minimização do consumo, não o racionamento;
— Não havia garantia de qualidade da água, pois o volume útil do açude já tinha sido consumido (mas atualmente não é um problema);
— Os técnicos do Ministério da Integração entraram em conflito direto com os técnicos da ANA, onde nota-se a falta uma comunicação entre os dois órgãos;
— O fato do Ministério Público se manter favorável à manutenção do racionamento pode ter relação com a colocação do Ministério da Integração, sobre a necessidade da interrupção do fornecimento das águas da transposição em prol de realizar obras de reparo nos açudes de Poções e Camalaú;
— É preciso gerenciar as águas naturais da bacia e as águas importadas do São Francisco.
Sobre a municipalização e privatização do saneamento de Campina Grande: [1] cabe ao Estado manter sua integração e garantia sem que haja privatização; [2] os objetivos de uma empresa privada – em suma o lucro e retorno financeiro – não compactuam com os de uma empresa de abastecimento de água – proporcionar melhores condições de conforto e qualidade para a população; [3] sendo o custo dos sistemas de abastecimento de pequenas cidades do estado muitas vezes pago pelo sistema de cidades maiores, como Campina Grande e João Pessoa, possivelmente, haveria uma dificuldade na manutenção da operação dos sistemas das demais cidades, o que poderia acarretar problemas sociais, quebrando o princípio da universalização do uso da água.
ENTREVISTA – ANDRÉ AGRA (Prefeitura de Campina Grande)
Argumentos a favor da municipalização: [1] várias empresas grandes interessadas; [2] nem o Estado, a CAGEPA e a prefeitura têm capacidade financeira para tratar 100% do esgoto; [3] há uma tendência nacional de contingenciamento do orçamento público e de abertura para o investimento privado; [4] O modelo da CAGEPA está esgotado: impor o superávit de arrecadação da CAGEPA de Campina Grande como condição da CAGEPA investir, é sacrificar o ente menor (municípios); [5] um grupo político é quem comanda a CAGEPA, inclusive como forma de você ter coalizão; assim, os benefícios de ter uma CAGEPA, em tese, estatizada não atende a maioria da população; [6] os Governo do Estado e Governo Federal são duas ficções jurídicas que impõe suas decisões ao município, sem sensibilidade e conhecimento da real situação.
Opções para municipalização: [1] buscar uma parceria público privada mais uma concessão privada, preferencialmente com a CAGEPA (desde que não houvesse dificuldade política), mas jamais para prefeitura tomar conta; [2] a PMCG municipalizar e operar (mas a opção é descartada sob todas as hipóteses pela SEPLAN).
Crítica à condução do racionamento pela CAGEPA: a prefeitura, via SEPLAN, é a favor da suspensão do racionamento, mas são contrários à forma que o processo foi conduzido, segundo eles, com autoritarismo e “aproveitamento para campanha eleitoral por parte do governo do estado.
A transposição salvou o abastecimento de água em Campina Grande.
ENTREVISTA – RONALDO MENESES (CAGEPA)
Sobre o racionamento em Campina Grande:
— Começou em dezembro de 2014, passando por várias etapas, sendo que cada vez que o nível baixava, ANA reduzia a retirada (sendo o açude Boqueirão de domínio federal, todas as autorizações para consumo de água têm que partir da Agência Nacional das Águas, da ANA).
— A menor vazão autorizada pela ANA para retirada do reservatório, antes do aporte do Rio São Francisco, foi de 650 l/s, ou seja, uma população que era abastecida por 1300 l/s, no período do racionamento, passou a ser abastecida com 650 l/s.;
— Mudança principal: a partir de 18 de julho de 2016 chegou-se oficialmente ao chamado volume intangível ou morto;
Justificativa para a suspensão do racionamento pela CAGEPA: Três situações que tornam o racionamento desfavorável: [1] o sistema funciona sob estresse técnico, no seu limite técnico; [2] o racionamento é injusto – diversas localidades recebiam água num intervalo de tempo menor do que as outras localidades da zona devido a sua topografia; [3] a qualidade da água: o acondicionamento provoca perda de qualidade facilmente, e essa água pode ser contaminada muito rápido.
Três situações técnicas para a CAGEPA encerrar o racionamento: [1] o nível do açude teria que sair do chamado volume morto; [2] deveria ser atingido um balanço hídrico positivo, com as entradas de água sendo maiores que as saídas; [3] o nível deveria ser superior à 8,2%, senão voltaria o racionamento.
Argumentos contra a municipalização/privatização dos serviços de saneamento:
— A CAGEPA (Companhia de água e esgotos da Paraíba) pensa em todo o Estado, trazendo uma série de facilidades como [1] a situação de Campina Grande pode ser levada em conta para uma tomada de decisão em João Pessoa, por exemplo; [2] e o dinheiro arrecadado em uma localidade é utilizado na CAGEPA inteira, permitindo custear aqueles municípios que economicamente são chamados inviáveis; [3] uma série de outros municípios são envolvidos no processo de distribuição da água no município de Campina Grande (captação, tratamento…), dificultando a sistemática. A água é captada em um município, Boqueirão, e é tratada em outro município, Queimadas. Após o tratamento é encaminhada para outros municípios, inclusive Campina Grande, que também a conduz para outros municípios de sua rede (Pocinhos, Lagoa Seca, Alagoa Nova, São Sebastião de Lagoa de Roça e Matinhas).
GOVERNO DA PARAÍBA SUSPENDE RACIONAMENTO EM CAMPINA GRANDE
O governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, anunciou no mês de outubro o fim do racionamento de água em Campina Grande e mais 18 municípios paraibanos. Além de criticar a postura de adversários, que se opuseram ao fim do racionamento, Ricardo também questionou o posicionamento de alguns que defendem o que ele chamou de ‘privatização da água’.
O governador do Estado declarou que a oposição fez uso de ‘boatos’ para, desta forma, negar o direito da população de ter água nas torneiras. “Nós vencemos o debate com todos aqueles que achavam que bastava a boataria, o terrorismo, para negar o direito básico às pessoas”, afirmou.
O governador questionou, sem citar nomes, o posicionamentos dos que defendem a privatização da Eletrobrás, passando para a rede privada o controle sobre as águas do Rio São Francisco. “O que me chama a atenção é que quem queria negar a, poucos dias atrás, o fim do racionamento, hoje quer privatizar a água, deixando bem claro o que é que estava por trás de tudo isso. O desejo de entregar para a iniciativa privada uma área tão estratégica”, afirmou.
» Com informações do Portal PB Agora.