Adotada em outubro durante a Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat), a Nova Agenda Urbana mundial – compromisso assumido por 167 países que participaram do evento, entre os dias 17 e 20 de outubro, no Equador – traz no seu centro o desafio de pensar o tema de moradia adequada e dos assentamentos humanos informais.
A população em situação de rua é um dos principais grupos afetados pela falta de moradia adequada, como aponta a Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Leilane Farha, em seu relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU no início do ano. No documento, explica que a moradia adequada é um faz parte do “direito a um nível de vida adequado”. (acesse aqui a versão em português do relatório)
O relatório indica que o aumento da população em situação de rua – constatado no mundo todo – está diretamente relacionado à crise global de direitos humanos e ao aumento da desigualdade. A falta de moradia adequada seria um dos componentes que resulta dessa situação, assim como o acesso à ela é uma alternativa que contribui na superação dessa circunstância.
A necessidade de pensar moradia adequada para a população em situação de rua também foi levada por Farha para a Habitat III, durante um encontro chamado “A Mudança” (El Cambio/The Shift). O objetivo da atividade organizada pela relatora ao lado de parceiros locais e internacionais e do Escritório do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas foi “testar o apetite pela mudança do discurso popular da moradia como um investimento ou motor econômico para a moradia como um direito humano”.
Leilane Farha, relatora especial da ONU (esquerda)
Durante o encontro, Farha apontou que “a comunidade internacional falhou ao colocar o direito à moradia adequada no centro dos debates”, apesar do número crescente de pessoas em situação de rua, de despejos forçados, insegurança na posse, especulação da terra e da propriedade, mercantilização da moradia e gentrificação das cidades, em um contexto de rápida urbanização.
Compromissos com a mudança
Na atividade, a relatora especial da ONU destacou que milhões de pessoas em situação de rua ou forçadas a viver em moradias inadequadas são tratadas como “o problema”, mas sugere uma mudança de paradigma. “Aqueles que se encontram sem moradia ou vivendo em moradias precárias devem ser tratados como legítimos detentores de direitos e os atores chave devem implementar o direito à moradia adequada na Nova Agenda Urbana”.
Segundo Farha, a Habitat III foi um momento simbólico, onde diversos stakeholders se reuniram e se comprometeram em torno de uma mudança centrada nos direitos humanos. No entanto, ela alerta que há um caminho íngreme pela frente: “Estamos desafiando aqueles com enorme riqueza e poder; estamos desafiando o entendimento dominante de quem importa e quem não importa; estamos desafiando a percepção dominante sobre para quem as cidades são feitas”.
A relatora da ONU sobre moradia adequada também destacou a importância de se resgatar a moradia enquanto direito humano, durante a Habitat III. Mas destacou alguns limites do evento. “Não são conferências que promovem mudanças, são as pessoas”.
A coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), Maria Lucia Pereira da Silva, participou do encontro promovido por Farha, e destacou alguns desafios a serem enfrentados. “Eu sei que essa sala está cheia de pessoas bem intencionadas, mas quem deve se comprometer com as mudanças são os governantes. E eles, onde estão?”. A coordenadora do MNPR também ressaltou a preocupação de que nos próximos 20 anos o debate continue em torno de albergue pra população em situação de rua.
Recomendações
Durante a atividade, foram entregues as recomendações formuladas em um encontro preparatório para a Habitat III, realizado em Barcelona, em abril de 2016. A declaração traz importantes contribuições ao direito à moradia adequada e aos direitos da população em situação de rua. Uma delas aponta que “Deve ser revogada qualquer lei ou medida que criminalize os comportamentos associados ao fato de ser pessoa em situação de rua, como permanecer, dormir ou comer em espaços públicos, utilizar espaços públicos para ter acesso à água e a banheiros”
O documento original foi elaborado pela Relatoria de Moradia Adequada em parceria com o Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas (ACNUDH), a Federação Européia de Organizações Nacionais trabalhando com pessoas em situação de rua (FEANTSA), a Coalizão Internacional do Habitat (HIC), o UCLG Committee on Social Inclusion, Participatory Democracy and Human Rights, a Plataforma Global pelo Direito à Cidade e a Xarxa d’Atenció a Personas sense Llar de Barcelona (XAPSLL). (Acesse as recomendações link, ou confira aqui o documento em português)
Nova Agenda Urbana
No documento final, a Nova Agenda Urbana para os próximos vinte anos criada na Habitat III menciona o termo homeless sete vezes.
No parágrafo 33, os Estados se comprometem com o estímulo pela oferta de uma variedade de produtos habitacionais seguros, baratos e acessíveis. O compromisso voluntário adotado pelos países diz: “Nós iremos adotar medidas positivas para melhorar as condições da vida das pessoas em situação de rua tendo em vista facilitar sua ampla participação na sociedade, bem como prevenir e eliminar a situação de rua, assim como combater e eliminar sua criminalização.”
O documento final não vincula os países signatários – trata-se de um compromisso voluntário assumido pelas partes. A sociedade civil, por sua vez, é um dos principais atores responsáveis pela tarefa de monitorar a execução dessas diretrizes.
A participação limitada de grupos e de temáticas na Conferência oficial fez com que fossem criados eventos paralelos, como o Fórum Resistência Habitat III. Para discutir alguns desafios dos grupos atingidos pela falta de moradia adequada, o Fórum promoveu a Oficina Mobilização e Capacitação: situação de rua, violação de direitos e direito à cidade. A coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), Maria Lucia Pereira da Silva, apresentou a experiência de resistência do Brasil.
Com informações da ONG Terra de Direitos.