Baixada Santista: a questão urbana e os desafios para o desenvolvimento
Elaborar uma radiografia crítica das questões metropolitanas na Baixada Santista. Este é um dos objetivos do livro “A questão urbana da Baixada Santista: práticas, vulnerabilidades e desafios para o desenvolvimento”, lançamento da Editora Leopoldianum, com apoio da Universidade Católica de Santos e do Sesc. Contando com a colaboração de pesquisadores do INCT Observatório das Metrópoles, o livro aponta caminhos e desafios que passam, necessariamente, pela reorientação da política urbana e pela redução das desigualdades sociais expressas no território.
Organizado por Daniel A. Vasquez (Unifesp), pesquisador do Observatório das Metrópoles/núcleo Baixada Santista, o livro “A questão urbana na Baixada Santista: práticas, vulnerabilidades e desafios para o desenvolvimento” parte do tema do desenvolvimento sustentável para ser foco dos múltiplos olhares de professores e pesquisadores de diferentes instituições e formações. Eles discutem questões como as mudanças no plano diretor, fator imobiliário associado ao petróleo, movimento pendular e desigualdades associadas a esses contextos.
Um dos destaques da publicação é o artigo “Desigualdades socioespaciais na Baixada Santista: uma tipologia associada à estrutura ocupacional”, dos pesquisadores do Observatório das Metrópoles Marinez V. M. Brandão (Unifesp), Maria Graciela G. Morell (Unifesp), José Fontebasso Neto (Unisantos) e Maria Cidália Ferreira (Unisantos). O trabalho é resultado da construção da tipologia socioespacial para a Região Metropolitana da Baixada Santista, no ano de 2000, que teve como eixo norteador a metodologia desenvolvida para a construção social da segregação socioespacial urbana (Preteceille, 2004; Ribeiro, 2004), escolhendo-se como unidade da análise as pessoas, como variável descritora, de classificação das unidades e de explicação da divisão social do espaço metropolitano, a ocupação, tal como definida pelo IBGE, e como unidades espaciais as Áreas de Expansão Domiciliar – AEDS, também definidas pelo IBGE para o Censo 2000.
Leia a seguir a primeira parte do artigo “Desigualdades socioespeciais da Baixada Santista”.
Para mais informações, acesse o site da Editora Universitária Leopoldianum.
Desigualdades socioespaciais na Baixada Santista: tipologia associada à estrutura ocupacional
Marinez Villela Macedo Brandão
Maria Graciela Gonzalez de Morell
José Fontebasso Neto
Maria Cidália Ferreira
A Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) possui situação geográfica privilegiada considerando a proximidade com a cidade de São Paulo, capital do Estado e acolhe o principal porto da América Latina, o Porto de Santos, sendo também constituída pelo importante centro industrial no Município de Cubatão. A localização estratégica associada a sua infraestrutura torna a Região atrativa para diferentes investimentos no espaço intraregional, havendo a economia e seus nexos determinado historicamente o destino do seu espaço.
O processo de desenvolvimento da Baixada Santista desencadeou-se no final do século XIX, a partir da expansão da economia cafeeira no Estado de São Paulo. Nesse período o porto tornou-se o maior exportador de café superando o porto da Cidade do Rio de Janeiro. A mercantilização cafeeira ampliou as atividades terciárias como o comércio, a construção civil, casas bancárias e transportes.
O desenvolvimento regional econômico definiu o desenho urbano de algumas cidades que formam a RMBS, no passado e na contemporaneidade. A organização e reorganização urbana se sucederam a rearranjos do interesse mercantil agrário até meados do século XX e industrial, a partir dos anos 50. Nesta perspectiva reafirma-se que os aspectos econômicos estão diretamente relacionados à morfologia – centro/ periferia – do território da RMBS.
No final do século XIX, o município de Santos recebeu contingente expressivo de imigrantes europeus, espanhóis, italianos e ingleses como força de trabalho especializada para a construção do Porto e, mais tarde, para construção da malha ferroviária, principal escoadouro da produção agrícola cafeeira. A imigração continuou no início do século XX estimulada pelo governo em busca de mão de obra para reforçar o Brasil rural, no interior do Estado. Essa mescla propiciou ao município de Santos, em meados da segunda década do século XX, um cenário político de esquerda que se mantém até a implantação do regime ditatorial, em 1964. O porto vermelho como era denominado neste período, mantinha um potencial de 37.000 postos de trabalho diretos e indiretos na década de 70.
O estigma vinculado ao denominado trabalho bruto portuário contribuiu para a clivagem nas relações entre cidade e porto e designou espaços definidos de trabalho e de moradia, distinguindo moradores de bairros do centro (junto ao cais) dos moradores dos bairros das praias.
A partir dos anos 50, as atividades portuárias na cidade de Santos foram fator determinante na formação do parque industrial no município de Cubatão. Inicia-se, assim, a era fordista que agrega metalurgia, química, petroquímica e seus derivados. Esse movimento desenvolvimentista atraiu para o município de Cubatão, e outros do entorno, migrantes do norte e nordeste do País pela demanda de mão de obra especializada e não especializada, principalmente voltadas à construção civil. Nesse período, a taxa de crescimento anual da população foi elevada, de 4,67% ao ano, enquanto o Estado de São Paulo apresentou um crescimento anual de 3,45% (IBGE, 2006).
A era pós-fordista ficou marcada pela expansão dos serviços derivados das atividades portuárias, comércio e incipiente turismo praiano. Esse conjunto de atividades econômicas propiciou desenhos urbanos nos quais floresceram novas relações sociais a partir dos processos industriais e de mercado, o que definiu os espaços sociais da cidade pólo – Santos. Esse movimento desdobrou-se para as demais cidades que compõem a RMBS.
Assim, a urbanização dos municípios de Santos e Cubatão, foi marcada por interesses das classes dominantes dos meios de produção a favor do deslocamento dos fluxos mercantis, desconsiderando a composição dos espaços destinados à moradia e circulação de pessoas. Ou seja, o perfil urbano industrial e mercantil definiu não apenas territórios de trabalho, mas, também, áreas de residência e de lazer circunstanciadas pela ausência de planejamento urbano paralelo ao processo econômico.
Essa configuração territorial expressa nas relações sociais colocou a cidade “de costas para o porto” no passado recente, porém, na contemporaneidade metamorfoseia-se submetida a uma variável econômica emergente – o mercado imobiliário de alto padrão – que se volta para ocupar áreas, até então, desvalorizadas pelas proximidades portuárias.
Ainda na década de 50, início do processo de industrialização do município de Cubatão que ampliou as possibilidades de instalação da indústria fordista, o planejamento urbano não considerou a expansão urbana e as necessidades sócio-habitacionais. Seguiu-se, então, a ampliação de construção de moradias em morros, na via que corta parte da Mata Atlântica, a qual desencadeou a ocupação de encostas (áreas de risco) e de mangues que cercam a Ilha de São Vicente, por populações associadas aos processos migratórios desencadeados pela possibilidade de trabalho.
A construção da Rodovia Anchieta, em 1947 está vinculada, de fato, às necessidades da indústria fordista/taylorista decorrente da expansão das atividades relacionadas ao Porto e, concomitantemente estimulou o setor do turismo e o conseqüente aumento da população urbana, de veraneio. Houve grande expansão imobiliária e verticalização da orla marítima em Santos associadas à atividade do turismo, mas com nova configuração, ou seja, como segunda residência da classe média “paulistana” cujo processo se estendeu para os demais municípios a partir dos anos 70.
A intensificação das atividades portuárias e também das atividades turísticas, tornou a Região uma referência importante de lazer no Estado. Nesse sentido, com população permanente de cerca de um milhão e seiscentos mil habitantes torna-se também um espaço de destino de significativa população flutuante, em torno dos quatro milhões, reforçando as atividades econômicas do setor de serviços direcionadas para o turismo praiano regional.
Entre a população residente estima-se que 19,8% dos moradores se encontram em situação de risco distribuídos em favelas, cortiços e população de rua. A reduzida oferta de terrenos nos bairros residenciais, na área insular equacionou negativamente, em parte, a densidade urbana direcionando a população sobrante à ocupação de áreas periféricas da Região. O processo de urbanização desordenado esgarçou os limites dos bairros periféricos e, atualmente se estende pela área continental de forma predatória, com ocupações irregulares sobre importantes manguezais ampliando os danos ambientais que se sucedem desde a década de 50.
A Baixada Santista apresenta problemas relacionados à contaminação do solo em vários dos seus municípios. O comprometimento de mananciais e mangues por organoclorados, dioxinas e metais, freqüentemente associados a diversos agravos à saúde humana, é um sério problema de saúde pública na região. Segundo relatório da Cetesb, os pesticidas organoclorados presentes nos ecossistemas aquáticos da Baixada Santista indica diminuição nos compartimentos de água, sedimentos e organismos aquáticos. Essas atividades representam risco permanente tanto para o solo quanto para a água e o ar, afetando todo o ambiente e a qualidade de vida dessa região (CETESB, 2003).
O processo de favelização regional iniciou-se, aproximadamente, a partir dos anos 60, quando aumentaram as ocupações em loteamentos irregulares e a pobreza visível, marcando profundamente a estrutura urbana com diversos usos possíveis do espaço de forma clandestina e precária. O Projeto Grão de Trigo verificou a cristalização da pobreza caracterizada pela falta de condições de superação das dificuldades de acesso a serviços básicos como educação e saúde, estes agravados pela necessidade de alimentação e pelas condições de moradias precárias, muitas vezes em áreas de risco, palafitas, em áreas de manguezais. Neste sentido, a implantação do parque industrial na Região manteve estreitas relações com os processos de formação dos espaços de moradias em favelas, nascidas pelos deslocamentos populacionais, principalmente do Nordeste do País (Brandão, 2005).
Em 1991, a estimativa do total da população favelada era de 159.659 pessoas alcançando em 2000 a estimativa de 183.893, sem contar os conjuntos de até 50 domicílios que o IBGE não considerou como aglomerados subnormais. No mapeamento das áreas de favela do projeto referido, foi concluído que o percentual de moradores da Região, em situação de exclusão social vivendo em áreas precárias era de cerca de 20%, aproximadamente 292.000 habitantes. Estes moradores em situação de risco encontravam-se distribuídos em favelas, cortiços e população de rua.
Este trabalho tem por objetivo apresentar indicadores e interpretações sobre as desigualdades socioespaciais expressas nas extensões das periferias, das palafitas, dos cortiços e na precarização do trabalho, produzidas pelos processos econômicos, que moldaram o perfil urbano e social, dos municípios que formam a Região Metropolitana da Baixada Santista. O trabalho também pretende instigar a produção de conhecimento sobre os diversos aspectos do processo de reprodução social urbano, que amplie as possibilidades analíticas dos processos articulados às políticas econômicas e seus desdobramentos sociais.