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Os problemas gerados pelo sistema de transporte, não apenas de pessoas, mas também de mercadorias, atingem até mesmo cidades menos centrais do ponto de vista das cadeias metropolitanas, como é o caso de Belém do Pará, na Amazônia brasileira. Neste artigo de Wouter Jacobs et al, edição nº 30 da Cadernos Metrópole, mostra que o movimento de mercadorias gera custos sociais negativos em relação ao congestionamento e à poluição. Ao mesmo tempo, a elevação do valor da terra no núcleo urbano tende a deslocar os meios de distribuição de menor valor para as periferias urbanas.

O artigo “Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano na Amazônia: o caso de Belém e Manaus”, de Wouter Jacobs, Lee Pegler, Manoel Reis e Henrique Pereira, é um dos destaques do Dossiê: “Mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras”, da Revista Cadernos Metrópole nº 30.

Abstract

This paper addresses the fraught relationships among commodity trade, urban economic development and the environment in the world’s largest rainforest reserve, in a historical narrative fashion. The conceptual framework in which we position this narrative is provided by Hesse (2010), in the “site” and “situation” dimensions of the interaction between places or locales on the one hand, and material flows or global value chains on the other. It is argued that the assemblage of both site and situation is what shapes the wealth of cities. The case study of Manaus and Belém shows how the rapid urbanization of the Amazon rainforest is accompanied by the growth of shipping as “new” commodities are being extracted from the jungle interior.

 

Introdução

Este artigo trata do impacto dos movimentos de mercadorias no desenvolvimento econômico urbano na Bacia Amazônica. O poderoso Rio Amazonas tem, por longa data, servido como a principal via expressa tanto para povos indígenas como para o comércio colonial. Cidades como Belém e Manaus prosperaram, no final do século XIX, com base no comércio de mercadorias, sobretudo de borracha. Quando o comércio global de borracha transferiu-se do Brasil para o Sudeste Asiático, na primeira metade do século XX, essas cidades entraram em declínio econômico urbano. Desde o início da década de 1980, a Amazônia passou por um processo de rápida urbanização. Mais recentemente, o transporte de mercadorias da Amazônia está novamente em ascensão, pois “novas” mercadorias estão sendo extraídas do interior da selva. Esses desenvolvimentos são acomodados por novos investimentos públicos e privados em infraestrutura portuária, assim como o crescimento econômico geral do Brasil. Mas, enquanto Manaus está passando por um boom econômico – em grande parte devido à sua Zona de Livre Comércio (ZLC) e à sua localização central – a cidade costeira de Belém está correndo o risco de ser ignorada por esses novos fluxos de mercadorias o que, consequentemente, afeta a capacidade de a cidade atualizar seu perfil econômico urbano.

Como tal, este artigo descreve as riquezas econômicas de duas cidades amazônicas de uma forma narrativa histórica. A estrutura conceitual na qual posicionamos a narrativa é fornecida por Hesse (2010) nas dimensões de “local” e “situação” da interação entre locais ou localidades, por um lado, e fluxo de materiais ou cadeias de valor, por outro. Como argumenta Hesse (2010), as cidades são resultados de aglomerados e prosperam devido a uma assemblage do local e da situação. Em outras palavras, é a interface relacional entre ativos de localização (incluindo não só os fatores clássicos de produção, mas também instituições territorializadas ou rotinas e habilidades locais), o verdadeiro fluxo de materiais ou movimento de bens e a gestão e governança desses fluxos que moldam as riquezas das cidades.

A dinâmica e a geografia da assemblage mudou consideravelmente, desde os anos de 1980, em consequência da integração do comércio mundial e da desintegração dos sistemas de produção (Feenstra, 1998), gerando uma nova divisão espacial do trabalho em uma escala global (Fröbel et al. ,1980). O resultado desse processo de globalização acelerada é que o movimento de certas mercadorias e componentes se tornou mais espacialmente disperso e espacialmente estendido, enquanto que, ao mesmo tempo, organizado de acordo com princípios de logística do just-in-time, confiabilidade e flexibilidade. Esse desenvolvimento é conceitualizado por geógrafos econômicos como o surgimento de Redes Globais de Produção (Coe et al., 2004) e o que os economistas de transporte chamam de sistemas de cadeia de abastecimento global (Robinson, 2002).

Ao mesmo tempo, as cidades como portais ou centros ainda precisarão acomodar espacialmente o movimento de mercadorias físicas propriamente dito, com todos os tipos de efeitos externos que ocorrem. Alguns dos movimentos de mercadorias são para abastecer a região metropolitana com os bens de consumo e insumos de produção necessários, permitindo que as empresas locais funcionem, que empregos sejam preenchidos e que impostos sejam gerados. O movimento de mercadorias, no entanto, cria custos sociais negativos em relação ao congestionamento e à poluição, que pode resultar em resistência política local. Além disso, aumentar o valor da terra no núcleo urbano vai sistematicamente deslocar meios de distribuição de valor mais baixo (nas proximidades do núcleo) para periferias urbanas e, como tal, aumentar ainda mais os custos de transporte para atender a esse mesmo núcleo econômico urbano. Em outros casos, no entanto, a maioria do movimento de mercadorias na região é destinada para o interior distante. Nesses casos, muito das externalidades negativas residirão localmente com a captação do valor que ocorre fora da região. Os responsáveis pelas políticas e os políticos confrontam o dilema de acomodar tais fluxos de mercadorias ou optar por funções urbanas mais valorizadas a serem desenvolvidas. Uma mudança de direção não é feita facilmente, pois os poderes do governo são limitados, enquanto os irrecuperáveis custos em infraestrutura, a dependência de recursos naturais e os interesses industriais velados podem moldar a agenda de desenvolvimento em certos caminhos pelas próximas décadas (Martin e Sunley, 2006).

Em termos de formulação de políticas, a assemblage é, então, o objetivo ao qual Coe et al. (2004) se referem como acoplamento estratégico, que pode ser entendido como a capacidade dos atores locais e regionais ativos críticos (entendidos como o “local”) para com as demandas dos atores operando em cadeias ou fluxos globais. Esses ativos não só incluem no fornecimento de infraestrutura (por exemplo,um porto de águas profundas ou uma rede de fibra ótica), mas também a disponibilidade de uma força de trabalho qualificada, de regulamentações governamentais favoráveis e de uma agência de governo igualmente equipada e bem informada (Hall e Jacobs, 2010). Tanto em relação ao acoplamento estratégico ou assemblage depende, no entanto, do valor econômico e dos custos sociais gerados e da agenda dos atores envolvidos. Esses atores têm diferentes graus de poder e operam sob vários contextos e em diferentes escalas espaciais: do local ao global. Tal perspectiva implica estender a noção de “situação” além das meras conexões físicas de um local com o sistema urbano em geral, incluindo uma dimensão relacional. “Situação”, de uma perspectiva relacional, portanto, inclui conectividades existentes por meio de redes sociais, arranjos de governança e laços corporativos.

Nesse contexto, o artigo levanta a tríplice pergunta de como as cidades amazônicas de Belém e Manaus foram historicamente inseridas no fluxo global de material de mercadorias específicas, o que explica seus caminhos de desenvolvimento divergentes no final do século XX, e como elas estão lidando com as novas oportunidades econômicas fornecidas pelo atual boom de mercadorias do Brasil em termos de desenvolvimento sustentável. Nesse artigo, refere-se à Amazônia como vagamente definida e não formalmente estabelecida, uma vasta região que abrange a floresta Amazônica. Inclui vários estados sob a estrutura federal do Brasil, da qual o estado do Amazonas (capital: Manaus) é o maior em termos de reserva florestal e o estado do Pará (capital: Belém), em termos de produção econômica.

Para ler o artigo completo “Transporte, fluxo de mercadoria e desenvolvimento econômico urbano na Amazônia: o caso de Belém e Manaus”, acesse a edição nº 30 da Revista Cadernos Metrópole.

 

Última modificação em 17-04-2014 18:27:06