O Observatório das Metrópoles, em colaboração com a Boitempo Editorial, divulga o Dossiê Especial “Não à PEC 241”. Na análise “10 perguntas e respostas sobre a PEC 241”, a professora do Departamento de Economia da USP, Laura Carvalho, mostra que, se aprovada, a emenda constitucional pode levar a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos, já que o governo não terá espaço para gastar mais que o mínio em saúde e educação, por exemplo. Além disso, outras despesas importantes para o desenvolvimento do país, como cultura, C&T, assistência social podem ter cortes ainda maiores. Carvalho propõe como saída à PEC 241 a elevação de impostos sobre os ricos (que têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação) e o fim das desonerações fiscais.
O Blog da Boitempo Editorial tem produzido o Dossiê Especial de intervenção “Não à PEC 241”, reunindo artigos, entrevistas, análises e vídeos que destrincham de perspectivas diversas o contexto, o processo, a agenda e os efeitos da PEC 241.
O dossiê conta com reflexões de Laura Carvalho, Ruy Braga, Flávia Biroli, Guilherme Boulos, Luis Felipe Miguel, Vladimir Safatle, Silvio Luiz de Almeida, João Sicsú, Adalberto Moreira Cardoso, Rosane Borges, Mauro Iasi, Giovanni Alves, Jorge Luiz Souto Maior, Maurílio Lima Botelho, Antonio Martins, Renato Janine Ribeiro, Jessé Souza, entre outros, além de uma agenda das manifestações de rua contra a Proposta de Emenda à Constituição 241.
A seguir a análise de Laura Carvalho, professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Laura é também articulista do jornal Folha de S.Paulo às quintas-feiras.
10 perguntas e respostas sobre a PEC 241
Por Laura Carvalho
Do Dossiê Especial “Não à PEC 241”, do Blog da Boitempo
1. A PEC serve para estabilizar a dívida pública?
A falta de receitas é explicada pela própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele as despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas, e serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação. A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.
2. A PEC é necessária no combate à inflação?
Também não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da inflação do ano passado foi causada pelo reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia elétrica…). Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.
3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?
O que estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não contribui em nada para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?
Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.
4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?
5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?
Não, estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.
O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.
Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer…
7. Essa regra aumenta a transparência?
Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.
O país já tem instrumentos de fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.
8. A regra protege os mais pobres?
Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real — mesmo se a economia estiver crescendo.
O sistema político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.
9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?
Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?
10. É a única alternativa?
Não. Há muitas outras, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.