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José Dias Firmo dos Santos¹

Para falar sobre o limite entre Aracaju e São Cristóvão recorro, primeiro, à Lei 554, de 1º de janeiro de 1954. É esta lei que fixa a divisão administrativa e judiciária do estado de Sergipe. Explico que o texto da lei previa (Art. 1º.) que a sua vigência sereia somente até 31 de dezembro de 1958. Mas, é esta que vigora até os dias atuais, com poucas mudanças feitas ao longo desses 70 anos. É o que se chama de ultratividade, quando uma norma não mais vigente continua a vincular seus efeitos a fatos posteriores.

Feito este esclarecimento, durante a Assembleia Estadual Constituinte (promulgação em 05/10/1989), os deputados promoveram algumas alterações nos limites, descritos nos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Criaram 15 novos municípios (art. 21 a 35). Mantiveram a criação do Município de Santana do São Francisco, com sede no Povoado Carrapicho, desmembrado do Município de Neópolis (Art. 36) e alteraram o limite entre Aracaju e São Cristóvão (Art. 37).

Das alterações acima mencionadas somente vingou o município de Santana de São Francisco, já que se tratou de uma alteração de 1964, apenas ratificada pela Assembleia Estadual Constituinte. A criação dos 15 novos municípios e a alteração do limite entre Aracaju e São Cristóvão não frutificou, pois carecia da realização do plebiscito.

Fonte: Fernanda Lopes Cruz.

No caso específico do limite entre Aracaju e São Cristóvão, a primeira ação judicial, ajuizada por uma construtora, na segunda metade da década de 1990, resultou num incidente de inconstitucionalidade, ou seja, a Justiça reconheceu a ilegitimidade de Aracaju para cobrar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), mas, a decisão só se aplicava para aquele caso, em particular.

Mas, o êxito daquela ação judicial, desencadeou uma série de eventos que nos trouxeram até o cenário atual.

No campo político e no seio da população corriam os boatos de que toda a então Zona de Expansão passaria para São Cristóvão. Com isso, a Assembleia Legislativa tratou de aprovar a Emenda Constitucional nº. 16/1999, na tentativa de remediar o problema. Não remediou e, de certo modo, colocou mais lenha na fogueira do debate.

No campo do Direito Tributário foi dada a largada para uma enxurrada de ações, visando o pagamento de tributos em São Cristóvão, não em Aracaju.

Portanto, está claro que no início e até em determinado período a Prefeitura Municipal de São Cristóvão não figurava nas ações como parte. Apenas se beneficiava indiretamente porque os magistrados passaram a mandar que os contribuintes pagassem os seus impostos naquele município.

A partir do ingresso da Prefeitura de São Cristóvão e desde lá, Aracaju tem sofrido reiteradas derrotas nos julgamentos, nas diversas esferas e dos diversos tribunais.

Quis o legislador de 1954 que o limite entre Aracaju e São Cristóvão fosse uma linha reta, saindo da foz do Rio Vaza-Barris até o local Mondé da Onça, onde hoje é a parte alta do Bairro Jabotiana e dali outra linha reta, até o local Riacho Palame, no que seria a “tríplice fronteira” Aracaju/São Cristóvão/Nossa Senhora do Socorro.

Reparem que o legislador em 1954 não se baseou em qualquer curso dos rios.

Já o legislador de 1989 abandonou a linha imaginária, mas somente na parte inicial do limite. Somente da foz do Rio Vaza-Barris, adentrando pelo Rio Santa Maria e parando na Igreja Bom Jesus dos Navegantes, no Bairro Areia Branca. Deste ponto até o Bairro Jabotiana a norma volta a adotar a linha imaginária.

Daí depreendemos que, de uma forma ou de outra, o limite entre Aracaju e São Cristóvão, na área mais extensa, é uma linha imaginária que chega até a região alta do Bairro Jabotiana. Os pontos de origem da de cada linha é que são diferentes. A linha prevista na Lei 554/1954 parte da foz do Rio Vaza-Barris e a linha prevista na Constituição Estadual parte da Igreja de Bom Jesus dos Navegantes, na Areia Branca.

Com isso, do ponto de vista de área geográfica, de quantidade de domicílios, de famílias e de pessoas, pelo limite previsto na Constituição Estadual, os bairros mais ao sul da cidade de Aracaju (Mosqueiro, Matapõa e Areia Branca) estavam todos completamente dentro da capital. Já nos bairros localizados mais na zona oeste, o Bairro Santa Maria, na região do fim de linha e parte alta (região da penitenciária), teria partes mais expressivas passando de Aracaju para São Cristóvão.

Foto: Prefeitura de São Cristovão – Heitor Xavier.

Se podemos dizer quais bairros mais perdem nos quesitos área e população, seriam Mosqueiro, Matapõa, Areia Branca e Santa Maria. Nos Bairros São José dos Náufragos e Jabotiana a mudança seria quase que imperceptível e os demais bairros nas redondezas (Gameleira, Robalo, Aruana, 17 de Março e Marivan) não teriam interferência.

O plebiscito, que faltou na alteração do limite em 1989, ao contrário do que falam algumas autoridades, não poderá ser feito enquanto o Congresso Nacional não regulamentar o § 4º. do artigo 18 da Constituição Federal, que prevê que “a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei”

A decisão mais recente, em um cumprimento de sentença, manda que o IBGE proceda a correção dos mapas e estatísticas atinentes aos Municípios de São Cristóvão e Aracaju e também que o Secretário Estadual da Casa Civil apresente as informações solicitadas pelo IBGE necessárias ao cumprimento de sua obrigação.

Lembro que em 2022 o Supremo Tribunal Federal já havia julgado, em sede de repercussão geral, por unanimidade, que Aracaju não tem legitimidade para cobrar tributos da área de litígio.

Como esta matéria não parece ser de interesse das bancadas no Congresso, se as populações de ambos os municípios querem ver este assunto resolvido, sem que seja por meio de decisões judiciais e se ainda resta esperança de que uma saída negociada possa existir, que as autoridades constituídas possam desarmar os espíritos e que possam vislumbrar um acordo o menos traumático possível.

Exemplos de acordos que surtiram efeitos pelo Brasil existem. O que resta às mulheres públicas e aos homens públicos é o esforço possível e necessário para destravar esse pesadelo que rodeia as duas prefeituras e, principalmente o povo que mora nessas áreas.


¹ Presidente da Associação dos Moradores do Robalo; Coordenador do Fórum em Defesa da Grande Aracaju e Especialista em Gestão Urbana e Planejamento Municipal.