Renato Pequeno*
Os dados do Censo do IBGE de 2022 referentes às favelas e comunidades urbanas recentemente publicados trazem à tona o crescimento da precariedade habitacional e urbanística nas cidades brasileiras, indicando sua expansão pelas diferentes regiões do País. De antemão vale ressaltar o esforço em rever definições e nomenclaturas, em melhorar os procedimentos metodológicos, e especialmente, em ampliar o universo das áreas reconhecidas nas últimas décadas como aglomerados subnormais, e que passaram a receber a denominação de favelas e comunidades urbanas.
Diante da insuficiente provisão habitacional de interesse social conduzida pelo Estado, assim como da incapacidade dos mais pobres em acessar ao que o mercado tem ofertado, os chamados assentamentos urbanos precários cada vez mais correspondem à alternativa para amplo segmento da população brasileira. Neste sentido, a chegada de novas informações sobre a favelização brasileira gera a expectativa de que se possa melhor compreender as especificidades das condições de vida da população das favelas em relação à totalidade da população, assim como a diversidade inerente às favelas e comunidades urbanas brasileiras, considerando as diferentes regiões do país, as unidades da federação, as grandes concentrações urbanas, e os municípios.
Os números revelam um considerável incremento da favelização no último período intercensitário. De acordo com o Censo de 2010, havia um total de 6.329 assentamentos subnormais onde viviam mais de 11,4 milhões de habitantes, correspondendo a aproximadamente 6,0% da população brasileira. Entretanto, de acordo com o Censo de 202, uma série de variações podem ser identificadas, como sugere a presença de 12.348 favelas, onde vivem 16,4 milhões de pessoas, equivalentes a 8,1% do total de brasileiros.
Graças ao diálogo com instituições municipais, este novo Censo Demográfico conseguiu se aproximar da realidade, ampliando o número de áreas reconhecidas como favelas em estudos específicos que instrumentalizaram políticas urbanas locais. Além disso, o número de domicílios numa favela que era igual ou superior a 51 unidades, passou para pelo menos 21 unidades domésticas. Realce para o fato de que outras 2.298 favelas foram identificadas, porém com um número de domicílios variando de 21 a 50 unidades, as quais não possuem informações específicas por tomarem parte de setores censitários com outros tipos de domicílios com características distintas ao que IBGE adotou como favela ou comunidade urbana.
O perfil demográfico da população e a distribuição de favelas e comunidades urbanas pelo país
Diante de farto material sobre a realidade das favelas e comunidades urbanas brasileiras e de sua população, cabe aqui destacar algumas constatações apontadas pelo Censo Demográfico de 2022 nos resultados do universo. A partir de uma primeira análise relativa às características demográficas especificas dos moradores de favelas e comunidades urbanas, se comparado ao total da população brasileira, é possível perceber diferenças em termos etários, raciais, étnicos, educacionais, dentre outros. Dentre outros aspectos, verifica-se nas favelas e comunidades urbanas um maior percentual de pessoas com idade entre 0 e 14 anos, um menor percentual com idade acima de 65 anos, um menor índice de envelhecimento com 45 idosos para cada 100 crianças, assim como uma menor idade mediana, na ordem de 30 anos; constata-se ainda o predomínio da população feminina nas faixas etárias acima de 20 anos superior ao que ocorre na totalidade da população.
Quando analisados os totais de favelas e comunidades urbanas, e seus respectivos totais de domicílios e população segundo a distribuição pelas grandes regiões brasileiras, é possível reconhecer algumas características: a maior representatividade da Região Sudeste com cerca de 48,7% das favelas, abrigando 43,3% dos domicílios, onde vivem 43,4% da população nesta condição; a condição de destaque do Nordeste com 26,8% das favelas brasileiras, reunindo 30,9% do total de domicílios e 28,3% da população vivendo neste tipo de assentamento. No caso da Região Norte, são 11,6% das favelas, com 17,8% dos domicílios e aproximadamente 20% da população. Sul e Centro-Oeste correspondem às regiões onde a favelização mostra-se menos intensa.
Por outro lado, quando se considera o percentual da população vivendo em favelas e comunidades urbanas em relação ao total da população estadual, as posições se invertem, com as unidades da federação da Região Norte ganhando maior destaque. No caso do Amazonas, 34,7% de seus habitantes se encontram em favelas, no Pará são 24,4% e no Amapá são mais de 18,8%, respectivamente um terço, um quarto e um quinto do total da população estadual. No Sudeste, os números atingem patamar inferior. No Estado do Espírito Santo são mais de 15,6% de seus habitantes em favelas, enquanto no Rio de Janeiro correspondem a 13,3% e em São Paulo 8,2% de sua população. Alguns estados do Nordeste também ganham destaque: Pernambuco com 12%, a Bahia com 9,7 e o Ceará com 8,5 do total de sua população vivendo em favelas e comunidades urbanas.
Numa outra escala de análise, estes números evidenciam concentrações de favelas no território nacional em algumas regiões. No Sudeste, a favelização avança na faixa litorânea, bem como em áreas mais densamente urbanizadas as quais apresentam frágeis condições geotécnicas e, por conseguinte, tem apresentado recorrentes situações de desastre natural. Na região Norte, por sua vez, as concentrações urbanas mais favelizadas se espalham ao longo dos grandes rios da Amazônia, revelando a presença de deslocamentos demográficos desde a floresta para os principais centros urbanos, fazendo de Manaus e Belém os municípios com maiores percentuais de população vivendo em favelas. Ademais, no caso do Nordeste, observa-se a expansão da favelização ao longo do litoral evidenciando as disparidades socioespaciais associadas às dinâmicas do mercado imobiliário associado ao turismo e à segunda residência, assim como em cidades médias e centros regionais que organizam espaços não metropolitanos.
Com relação às condições de moradia e de acesso às infraestruturas urbanas, os números reforçam a necessidade de implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano específicas para favelas e comunidades urbanas com o intuito de reduzir as desigualdades sociais. Apesar dos avanços no acesso às infraestruturas urbanas, é notório que o saneamento ainda permanece como desafio a ser arduamente enfrentado. Adotar a fossa séptica ou com filtro como solução adequada de esgotamento sanitário em assentamentos populares com alta densidade não parece recomendável. Notadamente se considerarmos o tamanho dos lotes, a intensidade da ocupação do solo, as condições construtivas das moradias, a proximidade de recursos hídricos, as condições geotécnicas em grande parte das favelas brasileiras.
Neste sentido, é importante ressaltar que apesar dos avanços das pesquisas censitárias no âmbito nacional, faz-se necessário que os municípios que pretendam promover políticas públicas de urbanização de favelas devam realizar estudos específicos em maior profundidade, ao invés de se contentar com os dados do censo universal do IBGE.
* Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenador do Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB), pesquisador do Núcleo Fortaleza e membro do Comitê Gestor do INCT Observatório das Metrópoles.