Como o tema metropolitano pode contribuir para pensar o futuro do Brasil? Refletindo sobre essa e outras questões, ocorreu entre os dias 02 e 04 de setembro, o Encontro Nacional “Metrópoles: um outro futuro é possível”, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O evento reuniu 235 participantes em três dias de atividades e foi promovido pelo Núcleo Natal INCT Observatório das Metrópoles, com a ampla participação de integrantes dos 18 Núcleos Regionais que compõem a rede de pesquisa. “Nosso compromisso é pensar na perspectiva de um futuro para as metrópoles. Isso significa um empenho em mobilizar conhecimento e informações, somando com outros grupos e atores, para colocar à serviço da sociedade brasileira”, ressaltou o coordenador nacional do Observatório, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. O objetivo do evento foi discutir temas de pesquisas, perspectivas ao desenvolvimento nacional e metropolitano, além de apontamentos de propostas para uma agenda futura. O encontro também celebrou os 20 anos de atuação do Núcleo Natal.
Na ocasião, foram realizadas mesas redondas, palestra, painel e Simpósios Temáticos (STs) para apresentação de trabalhos, voltados a divulgar e difundir a produção científica da rede. No total, foram apresentados 100 trabalhos nas sessões dos dez STs do evento.
Diversas instituições apoiaram o encontro, como a Coordenação Nacional do INCT Observatório das Metrópoles, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR) do Instituto de Políticas Públicas (IPP) da UFRN, a Secretaria de Estado do Planejamento, do Orçamento e Gestão (Seplan) do Governo do Estado do RN, a Fundação de Amparo e Promoção da Ciência, Tecnologia e Inovação do RN (FAPERN), o Sebrae e o Banco do Nordeste.
Mesa de abertura reuniu representantes da academia e poder público
A mesa de abertura contou com a presença do coordenador nacional do Observatório, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro; da coordenadora do PPEUR, Zoraide Pessoa; diretora do IPP, Lindijane Almeida; pró-reitor de pós-graduação da UFRN, Rubens Maribondo do Nascimento, do secretário adjunto da Seplan/RN, José Dionísio Gomes da Silva e da coordenadora do Núcleo Natal, Maria do Livramento Clementino. “Este é um espaço de diálogo e reflexões sobre o tema do urbano e metropolitano no Brasil, na perspectiva do Direito à Cidade. Esta tem sido a agenda do Observatório desde 2017, quando foi realizado em Natal um encontro nacional, inaugurando o novo ciclo de pesquisas da rede”, mencionou a coordenadora.
No período mais recente, a rede tem se dedicado ao projeto que dá tema ao evento: “Observatório das Metrópoles nas Eleições: um outro futuro é possível”. Um dos resultados da iniciativa é o lançamento de uma coletânea com 18 Cadernos de Propostas, que reúne mais de 300 artigos de opinião elaborados por 375 pesquisadores da rede, publicados em 26 veículos de comunicação de todo o Brasil.
Conforme o coordenador nacional do Observatório, a missão da rede é gerar informações que possam servir à sociedade, ao governo e ao trabalho científico, incluindo a formação em pesquisa e extensão. “Este evento mobiliza nosso grupo que atua nacionalmente, e é importante porque estamos encerrando um longo período de trabalho, incluindo as atividades de incidência política, nos preparando para um novo ciclo. Desde que iniciamos o atual programa de pesquisa, em 2017, enfrentamos diversos cenários conturbados no país, que impactaram a política nacional de ciência e tecnologia, mas chegamos a este momento falando sobre futuro, que está baseado para nós na ideia de pensar num projeto de futuro para o Brasil”, ressaltou Ribeiro.
A coordenadora do PPEUR, Zoraide Pessoa, destacou a continuidade da rede nacional do INCT Observatório das Metrópoles, que tem mais de 25 anos, abrangendo vários núcleos e regiões do país. “Estou presente desde o início do Núcleo Natal, quando iniciei como pesquisadora. É fundamental o papel de liderança da professora Maria do Livramento nesse período, sempre agregando os novos pesquisadores”, observou. A diretora do IPP, Lindijane Almeida, também está presente desde o início do núcleo e, a respeito do tema do encontro, afirmou que a agenda metropolitana deve estar presente no debate eleitoral deste ano.
Em seguida, o secretário adjunto da Seplan/RN destacou o tema do evento, que traz um debate fundamental para a região, dada a sua recente expansão, com 1,5 milhões de habitantes vivendo na RM Natal. “Isso provoca a preocupação com o futuro, colocando desafios conforme a população cresce. É necessário analisar e antecipar o que pode acontecer, criando essa cultura de planejamento. ‘Não existe país atrasado, existe país mal administrado’, segundo um ditado japonês. Pensar as cidades para os próximos anos é fomentar essa cultura do planejamento”, refletiu.
Na oportunidade, o pró-reitor de pós-graduação da UFRN disse que a universidade precisa estar pensando à frente, interagindo diretamente com a sociedade, de maneira integrada e natural para que seja possível propor soluções inteligentes, inclusivas e sustentáveis. “Precisamos estar preparados. Somos a mais importante instituição do Rio Grande do Norte, que atua formando recursos humanos qualificados para transformar a sociedade. Estamos aqui, pois a sociedade paga a conta, o que traz uma responsabilidade para que a universidade atue mudando o rumo, impactando positivamente, e o Observatório das Metrópoles faz isso de maneira multidisciplinar, trazendo contribuições para os próximos anos”, pontuou Nascimento.
Palestra refletiu sobre a questão urbana na periferia do capitalismo
Logo após a mesa de abertura, ocorreu a apresentação do coordenador nacional do Observatório, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, que ministrou palestra sobre “A Questão Urbana na Periferia do Capitalismo no Século XXI: por uma agenda de pesquisa a partir do Brasil”, no Auditório Otto de Brito Guerra (UFRN). “Essa apresentação vai na direção da proposta que está sendo pensada para o novo ciclo do INCT, a partir da expectativa de um novo edital, o que implica na construção de um novo marco teórico”, iniciou. Segundo ele, esse marco é pensado a partir da desindustrialização da sociedade brasileira, um processo que, em conjunto com a reprimarização, impacta a estrutura produtiva do país, tanto em termos econômicos, quanto políticos. “Isso significa um retorno à fragilização diante do capitalismo global, ameaça do neocolonialismo e fragilidade de inserção no sistema-mundo global”, explicou. Para Ribeiro, o momento atual da rede diz respeito à construção de um quadro de referência novo para o programa de pesquisa.
Na introdução da apresentação, Ribeiro destacou as contribuições anteriores da rede, ou seja, publicações que contemplam os temas da ordem urbano-regional brasileira, reforma urbana e direito à cidade. Sobre o capitalismo no século XXI, ele apresentou uma nuvem de palavras que caracterizam o capitalismo vigente, como o de plataforma, o rentista e o capital improdutivo. Segundo ele, esses conceitos expressam a transformação sobre o padrão de acumulação. “O capitalismo no século XXI se organiza numa lógica rentista e as finanças têm uma grande importância, a chamada financeirização. Completam ainda as características do capitalismo atual o neoextrativismo, a plataformização e as Cadeias Globais de Valor (CGV)”, pontuou.
Nas considerações finais, Ribeiro buscou identificar o que fazer e resgatou a obra de pensadores clássicos da formação econômica do Brasil, como Celso Furtado e Florestan Fernandes, para a construção da ideia de desenvolvimento nacional. “Mais do nunca, é necessária uma revolução (urbana) democrática. A democratização da renda, do prestígio social e do poder parece ser uma necessidade nacional, conforme afirmava Florestan Fernandes”, concluiu o coordenador nacional do Observatório.
Evento contou com a apresentação de mais de 100 trabalhos
Nos dias 03 e 04 de setembro, o encontro contou com a apresentação de trabalhos nos dez Simpósios Temáticos (STs). No total, 109 artigos receberam aprovação. Importantes temas para as metrópoles brasileiras foram abordados nos STs, como Moradia e Habitação, Participação Social, Ilegalismos Urbanos, Segregação e Desigualdades, Transporte e Mobilidade Urbana, Saneamento Ambiental, Mudanças Climáticas e Cidades, Governança e Fortalecimento Institucional, Federalismo Fiscal e Financiamento das Cidades e Economia Metropolitana e Desenvolvimento Regional. “Foi fundamental trazer os pesquisadores para apresentar o que eles estão pesquisando. Tivemos, aqui, representantes de todos os núcleos do Observatório das Metrópoles. Quando a gente chama para o trabalho, o pessoal responde, vem, participa, e a gente consegue visualizar uma produção muito diferenciada, com alta qualidade, feita a partir de financiamento, de esforços dos núcleos individuais”, comentou a coordenadora dos STs, Sara Medeiros.
Primeira mesa redonda discutiu os desafios das mudanças climáticas
No dia 03, ocorreu a primeira mesa redonda, discutindo os “Desafios das Mudanças Climáticas e da Justiça Social nas Cidades”, com coordenação de Melissa Pimenta (UFRN). A fala inicial foi da vice-coordenadora do Núcleo Porto Alegre, Heleniza Campos, que abordou as mudanças climáticas no contexto das enchentes do Rio Grande do Sul. Segundo ela, o estado nem sempre foi conservador no que se refere às iniciativas para as políticas ambientais. Isso porque, em 1990, o RS teve uma experiência pioneira e um protagonismo nas políticas ambientais e participativas. Além disso, também foram instituídos os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs) em 1994, que articulavam os conselhos municipais. “Por fim, podemos citar os próprios orçamentos participativos, experiência criada na década de 1980 e referência nacional e mundial como prática de gestão pública urbana”, ressaltou.
Conforme Heleniza, estas são experiências significativas que precedem a “virada conservadora” (como denomina a pesquisadora). “Dentre os motivos, estão o crescimento do agronegócio e os avanços políticos conservadores em diferentes instâncias do estado”, observou. Sobre o evento climático extremo de maio de 2024, a pesquisadora mostrou os mapas produzidos pelo Núcleo Porto Alegre que evidenciaram os principais atingidos pela tragédia: os pobres e pretos.
O segundo convidado a participar da mesa redonda foi o coordenador do Núcleo Belém, Juliano Ximenes. Ele comentou que os riscos ambientais são históricos e construídos, ou seja, não são probabilísticos ou objetivamente mensuráveis. “As chuvas evidenciam as desigualdades, mostra as relações de poder envolvidas na construção discursiva e nas operações políticas de análises e construções imagéticas da realidade”, salientou. Segundo ele, existe um enfoque nos discursos que mobilizam argumentos burocráticos, e até mesmo da culpabilização: os atingidos como culpados pelo ocorrido. “A iminência de ‘desaparecer’ vira uma justificativa para o não debate e para a violência”, afirmou o pesquisador.
A pesquisadora do Núcleo Natal, Zoraide Pessoa, foi a última expositora da mesa redonda. Ela iniciou sua apresentação questionando como as cidades brasileiras estão preparadas para os eventos climáticos extremos. Em seguida, Zoraide exibiu gráficos sobre a emissão de carbono, a temperatura do planeta, nível dos mares e cobertura de gelo. Ela encerrou a apresentação com a pergunta: o que é justiça socioambiental e climática? “É necessário entender o que é devido a quem e por quê. A justiça socioambiental e climática deve ser distributiva e restaurativa”, concluiu.
Segunda mesa redonda tratou das periferias no Brasil
A segunda mesa redonda iniciou no final da tarde do dia 03, sob o tema “Periferias no Brasil de hoje: velhos dilemas e novas perspectivas”. A coordenação foi de Maria Dulce Bentes (UFRN). o primeiro expositor foi o pesquisador do Núcleo Rio de Janeiro, Orlando Junior. Ele apresentou uma revisão dos conceitos mobilizados para a definição da ideia de direito à cidade, além de indicar a atuação em algumas frentes, dentre elas a mobilização, a articulação e a disputa de sentido nas práticas das instituições presentes nos territórios. “É necessário contestar as formas de opressão e fortalecer as práticas emancipatórias nos territórios”, reforçou.
Em seguida, a pesquisadora Rosana Denaldi, informou que está sendo estruturado na Universidade Federal do ABC (UFABC), o Centro de Estudos das Favelas. Ela destacou os pontos que caracterizam as precariedades habitacionais e a necessidade de entender essas questões. Para Rosana, é importante uma articulação metropolitana e cooperação entre os municípios para atuarem em ações coordenadas de urbanização de favelas. “O acesso à favela passou a ser pela via do mercado imobiliário informal, por meio do aluguel ou compra de uma moradia. Não é algo novo, mas a agressividade com que isso vem ocorrendo cria um grande desafio”, afirmou. Sobre as limitações, a pesquisadora listou a participação social, o financiamento de processos de urbanização, o equacionamento da produção de novas moradias, o financiamento e tratamento articulado da mobilidade, infraestrutura e drenagem da urbanização de favelas, além de tratar a precariedade habitacional (“porta para dentro”), a qualidade e manutenção dos espaços públicos.
O último expositor da mesa redonda foi o pesquisador do Núcleo Fortaleza, Renato Pequeno, que abordou as periferias de Fortaleza como território de conflitos e alvo de práticas espaciais de pesquisa e extensão. Renato fez um resgate do ingresso no Observatório e as práticas junto ao Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos (Cearah Periferia). A iniciativa realizou encontros e oficinas com comunidades e movimentos locais para discutir propostas e rumos para a cidade de Fortaleza. “Uma das atividades desenvolvidas foi a análise do Programa Minha Casa, Minha Vida, que inclui os arranjos institucionais, a inserção urbana e o impacto dos beneficiários. O trabalho também compreendeu cartografia social, assessoria técnica em planejamento territorial nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e a atuação no Conselho Gestor”, explicou. O pesquisador concluiu sua apresentação dizendo que a cidade de Fortaleza está em disputa.
Terceira mesa redonda abordou política habitacional e o direito à cidade
Na tarde de quarta-feira, dia 04, ocorreu a terceira mesa redonda, com o título “Política habitacional e o direito à cidade”. O debate foi coordenado por Alexsandro Cardoso da Silva, com exposições de Adauto Cardoso, Camila D’Ottaviano e Sara Medeiros. Desde a origem do INCT Observatório das Metrópoles, o tema mobiliza diversos pesquisadores(as) da rede e, a partir de 2009, transforma-se no grupo Habitação e Cidade. O site do grupo reúne as publicações específicas das pesquisas desenvolvidas.
A primeira convidada a falar foi a pesquisadora Camila D’Ottaviano, apresentando as pesquisas do grupo Habitação e Cidade. Camila listou as produções principais, como os livros sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o balanço dos 22 anos de política habitacional no Brasil, além do livro sobre habitação e autogestão. O grupo também tem organizado eventos sobre a temática, com alcance internacional, o que tem contribuído para aumentar a interlocução com parceiros da América Latina. A pesquisadora ainda anunciou o lançamento do selo Habitação e Cidade. “Trata-se de uma série editorial para a divulgação sistemática de produções acadêmicas e não acadêmicas relacionadas com as discussões do grupo”, explicou.
Em seguida, o pesquisador Adauto Cardoso fez uma apresentação intitulada “Mercado imobiliário e política habitacional: novas e velhas questões”. Dentre os temas abordados na apresentação, o pesquisador comentou sobre a questão do capital imobiliário como capital mercantil, a emergência do mercado econômico, a desregulamentação e expansão do financiamento habitacional, entre outros. “Há uma clara subordinação do imobiliário para uma demanda do mercado financeiro, o que chamo de financeirização do mercado imobiliário”, discorreu.
A última expositora da mesa foi a pesquisadora Sara Medeiros, que falou sobre a gestão hostil na política habitacional brasileira. “Há uma discussão interdisciplinar da questão, que inclui planejamento urbano e regional, além de gestão de políticas públicas. A gestão hostil está focada na população vulnerável”, afirmou. Sara ainda comentou sobre a urbanização precária, os condomínios fechados, a falta de manutenção e a baixa qualidade construtiva nas iniciativas do Estado. “A gente não resolve a habitação só dando a casa”, salientou a pesquisadora, alertando para a necessidade de se pensar o entorno e outras questões que afetam a vida dos moradores. Ao final da mesa redonda, houve a participação da plateia na discussão sobre o tema.