Como pensar o futuro da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ)? Quais projetos podem apontar outros cenários possíveis aos mais de 12 milhões de habitantes que vivem em um dos principais aglomerados urbanos do país? Para refletir sobre essas e outras questões, o INCT Observatório das Metrópoles e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ) promoveram o Seminário “RMRJ 50 anos: passado, presente e futuro”. O evento foi realizado no auditório do IAB-RJ, dia 1° de julho, marcando a data em que a RMRJ foi institucionalizada há 50 anos, exatamente dia 1° de julho de 1974. Com financiamento do CNPq e Faperj, três painéis reuniram convidados de diferentes instituições, debatendo importantes temas ao traçarem um panorama desses 50 anos de formalização da região. Cerca de 100 pessoas envolvidas no debate urbano metropolitano participaram do evento. “É fundamental pensarmos as várias questões que envolvem a realidade que vivenciamos no cotidiano da RMRJ, trazendo à memória o que foi o passado, mas tratando dos desafios que se apresentam para o futuro”, afirmou o coordenador do Núcleo Rio de Janeiro do INCT Observatório das Metrópoles, Marcelo Ribeiro.
De acordo com ele, são muitos os problemas de caráter metropolitano existentes na região, na medida em que não são resolvidos por nenhum município em particular. Alguns exemplos são a questão do lixo, água e saneamento, mobilidade e transporte. “São vários os problemas que temos acumulados, permitindo retomar a discussão da importância de ter uma institucionalidade metropolitana que possa dar conta de enfrentá-los, e propor que as condições de vida possam ser melhores do que aquelas que se apresentam nos dias de hoje”, ressaltou. A presidente do IAB-RJ, Marcela Abla, disse ser um imenso prazer para a instituição fazer parte de um momento importante para tirar conclusões dos próximos passos em direção à retomada de um planejamento metropolitano. “A RMRJ foi institucionalizada com a finalidade de estabelecer um território integrado, porém, observamos a ausência do estado no ordenamento da metrópole, a incapacidade de as cidades lidarem com eventos climáticos extremos, reduzir os efeitos do calor, bem como planejar e desenvolver estruturas verdes como forma de mitigar os efeitos das mudanças climáticas”, salientou.
Segundo o coordenador nacional do INCT Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, a rede de pesquisa se dedica a pensar no enigma brasileiro que são as regiões metropolitanas. “Esperamos conseguir influenciar o debate que tende a ser empobrecido, pela polarização política e ideológica que marca nosso cenário político, com muito pouco espaço para discutir temas que tem a ver, de fato, com as necessidades da população”, ressaltou. De acordo com ele, o Observatório quer usar a produção de conhecimento para fazer um certo protagonismo na agenda pública, trazendo as visões e as diversas facetas desse enigma metropolitano. “Que possamos, dentro desse cenário sombrio, abrir uma perspectiva de pensar alternativas. Esse evento tem um título bastante audacioso: passado, presente e futuro. Não se trata de fazer uma futurologia, mas pensar estratégias de saída para esse enorme impasse que temos, em uma região metropolitana com mais de 12 milhões de habitantes, com uma complexidade enorme e acúmulo estrondoso de problemas que são expressões da questão social existente no país e, ao mesmo tempo, um território sem a investidura de qualquer política que possa mobilizar a sociedade e o setor público nas várias esferas, em torno de um projeto de desenvolvimento para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, pontuou Ribeiro.
Painel 1: “Formação histórica, social, econômica e urbana da RMRJ”
Logo após a abertura do Seminário, teve início o primeiro painel, intitulado “Formação histórica, social, econômica e urbana da RMRJ”. Coordenado por Luciana Lago (INCT Observatório das Metrópoles), o painel teve a participação de Marco Aurélio Costa (IPEA), Érica Tavares (INCT Observatório das Metrópoles) e Carlos Fernando Andrade (IAB-RJ). O objetivo foi apresentar um panorama histórico da RMRJ, discutindo as bases de sua formação, a questão urbana, a relação com territórios vizinhos e a importância de debater o tema no presente. “Este encontro foi importante para pensar as várias dimensões da região metropolitana e quais os caminhos possíveis de construção coletiva para a superação dos problemas. Esse painel é sobre o passado, mas precisamos refletir na perspectiva histórica com olhares distintos, que podem se cruzar e se integrar para que possamos pensar essa perspectiva de futuro”, mencionou Luciana Lago.
Em sua apresentação, Marco Aurélio Costa, do IPEA, tratou do livro “50 anos de Regiões Metropolitanas no Brasil e a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: no cenário de adaptação das cidades às mudanças climáticas e à transição digital” (2024). Ele apontou um olhar a partir da escala nacional sobre a trajetória metropolitana brasileira e os desafios dos tempos de transição. “É uma pesquisa específica porque envolve pessoas voltadas ao planejamento e gestão metropolitana”, observou. A publicação atual fala dos 50 anos das Regiões Metropolitanas (RM’s). Segundo ele, o principal desafio é entender qual projeto seria melhor para o território metropolitano e para as cidades. “As experiências têm mostrado uma dimensão institucional importante, mas pensar uma nova institucionalidade é um desafio ainda maior. Pensar que não dá para voltar a um passado ideal marcado por uma estrutura robusta, mas é preciso construir institucionalidades, sobretudo com projetos”, refletiu.
Érica Tavares, do INCT Observatório das Metrópoles, abordou as relações da RMRJ com regiões vizinhas, a partir do recém-lançado “Desenvolvimento urbano e governança: para uma agenda do Norte Fluminense” (2024). Ela fez uma apresentação sobre o modelo de desenvolvimento que o estado do Rio de Janeiro se inseriu, trazendo aspectos de como esse modelo influenciou a reorganização territorial no estado. A partir da contextualização sobre a economia extrativista e o empreendedorismo urbano no contexto fluminense, Érica comentou que a pauta da reprimarização pela exploração de petróleo é mais intensa no Rio de Janeiro do que no resto do país. Sobre a publicação do livro voltado para o norte fluminense, Érica afirmou que a região é um dos territórios subnacionais chave no âmbito dessa economia extrativista. Mas, qual é o norte fluminense para além do petróleo? “Qualquer ação ou mudança precisa considerar outras escalas, a desmercantilização das políticas urbanas tem que ter foco no bem-estar e na participação da população nos processos decisórios. Além de ressignificar o recebimento e a aplicação dos royalties e enfrentar a dimensão ambiental visando o equilíbrio do ecossistema e a redução de riscos”, relatou.
Representando o IAB-RJ, Carlos Fernando Andrade refletiu sobre alguns marcos a partir da sua experiência como arquiteto e urbanista, além do seu trabalho na Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Fundrem). “Há 50 anos, tudo era uma novidade. O que vem de novo vem com a presença institucional do governo federal”, afirmou. Ele comentou que em 1974, o Brasil era militar e extremamente crédulo que era soberano. “Sob um olhar tecnocrático, achavam que ia dar certo a questão da RMRJ, mas uma série de serviços de interesse metropolitano foram muito pouco explorados, como a questão do lixo, que foi todo capitaneado pela Comlurb”, mencionou. Sobre a Fundrem, Andrade disse que a instituição cumpriu o papel que tinha à época, mas não conseguiu fazer coisas essenciais, como entender o momento da economia do Rio de Janeiro, que já não era dinâmica. “Quando descobriram o petróleo, falavam que o Rio de Janeiro ia virar a Arábia Saudita. É importante perceber essas mudanças fundamentais na governabilidade do estado”, discorreu.
Painel 2: “Questões da RMRJ na atualidade: ilegalismos e serviços urbanos”
O segundo painel abordou temas atuais e urgentes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Sob a coordenação de Juciano Rodrigues (INCT Observatório das Metrópoles), os palestrantes do painel “Questões da RMRJ na atualidade: ilegalismos e serviços urbanos” foram Michel Misse (IFCS/UFRJ), Ana Lúcia Britto (INCT Observatório das Metrópoles) e Rafaela Albergaria (Observatório dos Trens). Os convidados comentaram sobre a atuação das milícias e dos grupos armados que controlam territórios populares, e que vem sofrendo diversas reconfigurações nos últimos anos. Reconhecidas como um fenômeno originado no Rio de Janeiro, as milícias têm investido na diversificação dos seus negócios e na expansão de seu alcance territorial, assim como o tráfico de drogas. Nesse contexto, a produção e a exploração do mercado imobiliário e dos serviços urbanos são questões-chave para a reflexão sobre a atuação desses grupos, que impactam diretamente em questões como saneamento ambiental e mobilidade urbana. O painel tomou como ponto de partida o debate sobre os ilegalismos e a precariedade na produção da cidade e na oferta de serviços públicos.
De acordo com Juciano Rodrigues, pela primeira vez, a RMRJ perdeu população, inclusive em termos absolutos. “Houve uma reversão da trajetória do crescimento populacional. Somos a segunda região metropolitana mais populosa do país. Porém, tem um cenário bastante negativo da realidade metropolitana, marcado pelo domínio de grupos armados, violência policial e péssima condições de serviços públicos, como mobilidade e saneamento básico”, apontou. Para Michel Misse, do IFCS, o primeiro de todos os ilegalismos é o próprio sistema de ressocialização dos ilegais. Segundo ele, a própria polícia do Rio de Janeiro é considerada uma polícia com muitos agentes vinculados aos mercados ilegais, uma das mais corruptas do país. “Certas estratégias ilegais contaminam tanto as camadas populares quanto as elites. No processo de acumulação social da violência que se desenhou na década de 1950, o Rio já era considerado uma cidade perigosa”, comentou. Conforme Misse, existe uma emergência no fenômeno apelidado de milícia, cujo perigo está sendo sentido, também, em outros estados brasileiros. “Surgem grupos que tentam ganhar as características desses que surgiram no Rio de Janeiro. É uma rede de grupos armados de extorsão e exploração de recursos”, disse. Para ele, o Estado tem que lidar com mercadorias que ele criminaliza e não pode ou quer controlar, e isso faz com que o jogo do bicho, por exemplo, seja o primeiro e principal meio de corrupção policial no Rio de Janeiro. “A pior coisa que pode acontecer com o Estado é criminalizar uma mercadoria a qual ele não tem condições de controlar”, assegurou.
Em seguida, Ana Lucia Britto, do INCT Observatório das Metrópoles, abordou o tema serviços urbanos de saneamento básico, falando sobre esgotamento sanitário e abastecimento de água. “Quando olhamos para o esgotamento sanitário, a situação é péssima. Não há o atendimento do interesse comum, os sistemas apresentam problemas e precisavam ser repensados dentro de uma lógica metropolitana”, concluiu. Segundo ela, a distribuição de água pelos sistemas também é incompleta, e as favelas não são atendidas pelas empresas privadas, que têm problemas de produção, distribuição e operação. “Estamos diante de um quadro de prestação privada no Rio, por isso, é importante pensar que esse contrato é uma regulação que será de 35 anos. Mas, como será o futuro se temos ainda 35 anos de concessão privada? Seria necessário controlar esse contrato socialmente, ao mesmo tempo que sabemos que se fosse para devolver os bilhões todos para as empresas privadas não seria possível (referindo-se ao contexto de deixar novamente como serviço público). Nosso futuro no saneamento não é otimista”, apontou Ana Lucia Britto. A última convidada do painel foi Rafaela Albergaria, do Observatório dos Trens. Ela comentou sobre a violência sistemática no transporte ferroviário, bem como em todos os modais, principalmente o rodoviário. “Como falar sobre políticas concretas que impactam a vida das pessoas que estão em situação de vulnerabilidade? O campo progressista precisa aprofundar as causas dos problemas da população que é diretamente atingida, olhando o transporte e a mobilidade para desestruturar políticas privatistas”, concluiu.
Painel 3: “Desafios para o futuro da RMRJ”
Antes da formação do último painel, a equipe do IAB-RJ apresentou o Observatório Colaborativo da Agenda Urbana Fluminense (OCA). A iniciativa produziu um mapa com o percentual de coleta de informações onde fica marcada a região metropolitana. Ocorreram edições do OCA em municípios como Petrópolis, Nova Iguaçu e São Gonçalo, abordando justiça socioambiental e climática. A presidente do IAB-RJ, Marcela Abla, disse que foi interessante trocar e conversar a partir do levantamento com uma análise comparativa. Após a breve apresentação, teve início o último painel do evento, intitulado “Desafios para o futuro da RMRJ”. Sob a coordenação de Suyá Quintslr (INCT Observatório das Metrópoles), os convidados foram Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (INCT Observatório das Metrópoles); Larissa Amorim (Casa Fluminense); Luiz Eduardo Soares (CBAE-UFRJ) e Bruno Sasson (Instituto Rio Metrópole). Este painel encerrou o evento apontando desafios e caminhos possíveis, ou desejáveis, para a construção de uma RMRJ mais democrática.
Conforme Luiz Cesar Ribeiro, pensar o futuro é um desafio. “Essa ideia de colocar o futuro como tema tem a ver com as nossas intenções no sentido de provocar reflexões. Esse ethos intelectual está muito fragilizado entre nós, e aumenta a força do presenteísmo das urgências”, observou. Para ele, é necessário pensar a RMRJ na ordem coletiva, do interesse e dos valores. “Há uma dificuldade grande de coordenação de interesses que possam se congregar. Existe uma incapacidade atual de juntar interesses que possam interagir em nome do interesse geral”, salientou. Pelo lado dos valores, segundo Ribeiro, atualmente se vive a fragmentação dinâmica de interesse comum. “A reprodução da vida nas regiões metropolitanas brasileiras está impedida. Precisamos nos perguntar como construir essa institucionalidade com legitimidade funcional, social e política. Desenhar e praticar políticas públicas que se colocam na função de desenvolver os interesses comuns”, relatou. Conforme Ribeiro, outro problema é o fato de as metrópoles como um todo concentrarem um modelo de desenvolvimento que tornou o capitalismo brasileiro antissocial, antidemocrático e antinacional. “A conclusão é que não há como enfrentar os problemas da região metropolitana se não tivermos um projeto de desenvolvimento. E não há como pensar um modelo novo capaz de resolver questões da RMRJ se não conseguirmos articular uma política urbana de desenvolvimento. Precisamos da construção de uma autoridade pública com capacidade técnica institucional capaz de gerar políticas condizentes com o interesse público”, concluiu.
Em seguida, o engenheiro e diretor de saneamento do Instituto Rio Metrópole, Bruno Sasson fez sua apresentação, seguido pela jornalista e coordenadora executiva da Casa Fluminense, Larissa Amorim. Segundo ela, a organização atua se articulando com movimentos coletivos para debater propostas de políticas públicas e produção de dados, equilibrando uma visão calcada na formação de dados de qualidade. “Estamos há uma década pensando a metrópole com as agendas elaboradas pela Casa Fluminense. Falamos sobre a articulação na metrópole, disputas de urgência e projeção de futuro”, ressaltou. Para ela, é preciso levar e produzir o ciclo das políticas públicas que considera as informações e participação social, abordando a prioridade e necessidade de ter institutos de planejamento e pesquisa. “Que o futuro aconteça com transparência, participação social e espaço de escuta seguro, garantindo o direito à vida”, finalizou.
O último convidado a apresentar seus apontamentos foi Luiz Eduardo Soares, professor do Colégio Brasileiro de Altos Estudos/UFRJ. Ele comentou sobre os desafios para o futuro da RMRJ. “É necessário reconhecer que o que nos é dado é viver as circunstâncias nos limites das nossas possibilidades”, mencionou. Soares comentou sobre o capitalismo e salientou que a situação é dramática pois é marcada pelo racismo estrutural, patriarcalismo e exploração de classe. “O projeto neoliberal é uma ameaça a todo momento, inclusive a essa institucionalidade. O governo federal eleito não tem capacidade de converter em política aquilo que o elegeu, que é reduzir as desigualdades, por exemplo”, corroborou. Segundo ele, não há democracia quando o racismo se impõe, e que sendo uma situação dramática, não há possibilidade de pensar em avanços. “Essa é a crueldade do capitalismo e continuamos convivendo com isso. Temos que ter rumo e estratégia”, refletiu. Para ele, a política antidemocrática e tirânica é criminosa e inviabiliza o que se chama de democracia. Ele comentou sobre o fenômeno das milícias, da perda de autoridade do estado, da separação de política, poder e autoridade que se deu no Brasil. Soares chamou de “regime selvagem” que proíbe qualquer ideia de desenvolvimento, quanto mais de envolvimento.
“Se a gente não discutir essas questões com toda a clareza, nitidez e transparência necessária, não vamos dimensionar adequadamente o que precisamos fazer, pois é um trabalho árduo e de formiguinha, necessário e indispensável e ainda tem de conviver com essa maré montante e tenebrosa que é essa que está no fundo do quadro. É uma cisão em que a nossa consciência tem que se depositar simultaneamente dos dois lados, com a rebeldia radical do que significa essas dinâmicas, mas, também, temos que nos colocar com o compromisso de seguir adiante no cotidiano”, concluiu Soares. Conforme Adauto Cardoso, do INCT Observatório das Metrópoles, ainda se vive em um contexto de resistência. “Talvez tenhamos criado um projeto que seguiria numa direção, mas a luta se renova e continua porque aparecem novos desafios”, vislumbrou.
A seguir, alguns registros do evento feitos por Luciana Ximenes: