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Moradia e política habitacional foi o tema do terceiro encontro do ciclo “RMRJ em Debate”, promovido pelo Núcleo Rio de Janeiro do INCT Observatório das Metrópoles. O evento ocorreu na última segunda-feira, 27, no auditório do IPPUR, na UFRJ. Com mediação do pesquisador Orlando Santos Junior, participaram da mesa de debate a pesquisadora do Grupo Habitação e Cidade do Observatório, Luciana Ximenes; a vereadora Tainá de Paula (PT-RJ); a militante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM-RJ) e liderança da Ocupação Manoel Congo, Lurdinha Lopes e o coordenador técnico do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) e coordenador da comissão de política urbana e habitação do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Henrique Barandier. O próximo encontro será no dia 17 de junho, com o tema mobilidade urbana e política de transportes.

De acordo com Orlando Santos Junior, as falas foram bastante provocativas para o debate. “O tema da habitação é fundamental para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), especialmente para pensar como essa política tem sido tratada ou não pelos poderes públicos, os conflitos em torno dela, as resistências e as perspectivas”, pontuou. Ele explicou aos presentes que o INCT Observatório das Metrópoles tem realizado durante esse ano os ciclos de debates em torno de temas estratégicos. “Consideramos que estes temas devem ser colocados na agenda pública, sobretudo, visando a incidência nesse ano de eleições municipais”, ressaltou. O pesquisador Adauto Cardoso disse que o debate foi importante para trazer questões e informações que ajudam a pensar o atual momento da política habitacional. “As emergências climáticas deixam muito evidente o desmonte das políticas de habitação por parte dos governos municipais. Será que trazer a discussão da agenda climática não pode ser uma oportunidade de recolocar a questão da reconstrução do estado e da crítica da cidade e do mercado?”, questionou.

Debate sobre moradia e política habitacional no Auditório do IPPUR/UFRJ.

Panorama geral da habitação na RMRJ

A pesquisadora do Grupo Habitação e Cidade, Luciana Ximenes, foi a primeira convidada a falar no debate e apresentou um panorama geral da situação da habitação na RMRJ. Segundo ela, a trajetória no município do Rio é passível de críticas, mas bem estruturada em relação à urbanização de favelas e provisão habitacional. “Agora, temos o anúncio de retorno do Minha Casa Minha Vida e do PAC, na iminência das eleições municipais e da crise do governo do estado”, lembrou. Nesse contexto, ela relata que tem se percebido a importância de a política municipal pautar a habitacional e colocá-la com centralidade na agenda política. Para ela, apesar de toda a trajetória de urbanização de favelas, o que se vê ao longo de toda a atual gestão municipal do Rio de Janeiro é qualquer política de urbanização. “Isso tem chamado a atenção pela urgência do tema, numa cidade onde um quinto da população mora em favelas, não tem fluxo contínuo de orçamento para isso, e ainda estamos passando por um contexto de emergência climática que eleva a um outro grau de gravidade”, observou.

Além deste tema, Ximenes pontuou a continuidade das ameaças de remoção, seja por situações de risco, seja por realização de obras do poder público. Ela explica que há uma permanência do auxílio habitacional temporário, chamado de aluguel social, porém, uma política que deveria ser temporária se torna permanente e precariza ainda mais as famílias com um valor defasado de R$ 400,00. “Nesse contexto, resgatamos questões como a desmercantilização da moradia. Temos vários instrumentos que caminham nesse sentido, mas que foram muito esvaziados em um período recente e que devem ser resgatados”, analisou. Segundo a pesquisadora, a política habitacional acaba tratando a moradia como mercadoria e não como direito, ou seja, pensar no acesso à moradia sem ser mercadoria é uma pauta importante, e isso leva a uma defesa da autogestão da moradia.

Sobre os instrumentos, ela apontou que um deles são as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), e a cidade do Rio tem experiência de aplicação via AEIS, que são as Áreas Especiais de Interesse Social. “Esses instrumentos da política urbana são predominantemente mobilizados pela gestão municipal, e a gente vê uma dificuldade de implementá-los. É necessário pensar na participação popular e no controle social para discutir de forma mais ampla”, afirmou. A pesquisadora encerrou a exposição apontando frentes mais recentes nas pesquisas e que são desafios para a política habitacional: refletir em como o controle territorial armado da milícia e do tráfico na RMRJ implica nas condições de moradia, pensar como é o acesso à terra e à moradia nesse contexto, e pensar a desmercantilização da moradia também como enfrentamento desse controle na precarização da vida que esses grupos acabam promovendo.

Vereadora fala sobre avanços significativos  

A vereadora Tainá de Paula abriu sua participação ressaltando a importância da universidade para traçar estratégias, e fazer um balanço crítico de como se pode avançar e analisar os rumos da própria esquerda pós-eleições de 2022. “Existe uma necessidade no nosso campo de organizar urgentemente as pautas reivindicatórias que vão mobilizar de forma pertinente as nossas demandas e reivindicações”, ponderou. Para ela, é prioridade acumular o que está no senso comum. “Se as pessoas já saíram da chave do negacionismo climático, e estão compreendendo que as mudanças climáticas podem acontecer perto da casa delas, a pauta da adaptação das cidades é algo que sai da universidade e pode ser emplacada com força nas bases populares. As pessoas vão ficar cada vez mais preocupadas e isso virou o tema das eleições”, refletiu. De acordo com a vereadora, dos mais de cinco mil municípios brasileiros, só 17 tem plano de ação climática.

Sobre o capítulo de favelas que está no Plano Diretor do Rio de Janeiro, segundo ela, foi um dos acertos do ponto de vista de retórica, de narrativa, mas também do ponto de vista de cobrança pública. Além disso, ocorreu a indicação do programa criado nacionalmente, e que a Secretaria Nacional de Favelas e Periferias já inseriu nos seus próximos editais sobre o índice de vulnerabilidade socioambiental, o “Cada Favela, uma Floresta”. A vereadora ainda comentou sobre a existência de um decreto para proibir unidades do Minha Casa Minha Vida na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Segundo ela, é como se o mercado estivesse dizendo que não há dinheiro para produzir moradia para a faixa 1 entidades no Centro, ou seja, se o mercado não vai produzir, e se na Zona Oeste não pode, tem uma janela de oportunidade para dizer ao prefeito que tem que ter subsídio para morar no Centro. “Tenho orgulho de ter feito o instrumento que prioriza a moradia nesse Centro expandido, que vai para a Leopoldina, Benfica, nos arredores do estádio do Vasco. A importância de se ter uma parcela desses novos lotes e terras para a moradia habitacional de baixa renda é uma bandeira inegociável. Temos muita coisa para construir e vamos em frente”, sinalizou.

“Não se universaliza moradia sem desmercantilizar a terra”

A militante do MNLM-RJ e liderança da Ocupação Manoel Congo, Lurdinha Lopes, iniciou sua participação comentando que há 50 anos já se dizia que não se universaliza moradia sem desmercantilizar a terra, e que construir em local sem infraestrutura urbana era um prejuízo para a cidadania, mas, também, para os órgãos do governo. “Isso não é de hoje e as nossas críticas foram cada vez menos ouvidas”, avaliou. De acordo com ela, é possível construir propostas que livrem o povo do risco, e que livre a terra e o território do próprio risco. “Ao invés de pensar primeiro em retirar as pessoas, dá para buscar a descapitalização da produção das cidades. Se fizermos esse pacto, automaticamente estamos construindo um plano que enfrente a emergência climática. Porque o povo que mais morre é o povo abandonado pelo governo que a gente tem desde que a república foi engendrada”, ponderou.

Ela mencionou que em algum momento é preciso radicalizar pela vida e pensar que para se ter uma política habitacional de verdade é necessário exigir uma outra cidade, que tem obrigatoriamente a participação, interação e ingerência daqueles que moram nela. “É preciso tomar as rédeas do planejamento urbano, porque toda a cidade tem planejamento urbano. O nosso interesse precisa ser organizado sem imposto”, refletiu. Em seguida, o coordenador técnico do IBAM e da comissão de política urbana e habitação do IAB-RJ, Henrique Barandier, falou sobre as reflexões em torno do processo de revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro. Ele mencionou aspectos da lei, mas que podem ser contribuições relevantes em torno dos instrumentos de planejamento.

O coordenador citou aspectos na discussão da habitação no Plano Diretor e selecionou alguns pontos para entender até onde foi a discussão da moradia. Segundo ele, é interessante ver como alguns assuntos vão mudando pela intervenção do próprio executivo ao longo do processo e dos vereadores por meio das emendas. Barandier mencionou o princípio do combate à exploração irregular do solo urbano, especialmente em áreas de preservação ambiental, que se transformou apenas em combate à exploração irregular do solo urbano, e que deixou de ser um princípio da política urbana. Outro aspecto importante diz respeito à não remoção de favelas como diretriz da política urbana, que está no texto original e é mantido e aprovado. “Mas tem uma vírgula, que é a não remoção de favelas, desde não estejam situadas em áreas impróprias à ocupação. Apesar de tudo, acho esse plano que foi aprovado agora melhor que o de 2011”, salientou.

De acordo com ele, em 2024 foi retomada a questão da não remoção de favelas, mas com essa condicionante que precisa ser discutida e caracterizada, porque isso envolve, de fato, a questão climática, e coloca desafios de tratar com menos pudor como lidar com situações em que a população não pode permanecer em determinadas áreas. O grande salto do plano foi o capítulo de direito à cidade, discutindo potencialidades e desafios das favelas, entendendo a favela não como um simples componente da política habitacional, mas objeto da integração das políticas setoriais do território, que é a chave muito interessante do capítulo. “É uma referência para tentar fazer com que os próximos gestores deem concretude a esse capítulo. Formas de ação para a promoção da habitação estão colocadas no plano diretor como possibilidades, a exemplo do Termo Territorial Coletivo, locação social, moradia assistida e programa de autogestão, para que se possa pelo menos cobrar”, concluiu Barandier.

Da esquerda para direita: Adauto Cardoso, Orlando Santos Junior, Lurdinha Lopes, Luciana Ximenes e Henrique Barandier. (A vereadora Tainá de Paula precisou se ausentar antes do final da mesa).

O registro do debate está disponível no canal do INCT Observatório das Metrópoles no Youtube, confira: