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Por Adauto Cardoso e Renato Pequeno
Pesquisadores do INCT Observatório das Metrópoles

No mês de janeiro, o INCT Observatório das Metrópoles iniciou uma série de publicações de artigos de opinião, em diversos veículos de mídia de todo o Brasil. Com o objetivo de incidir na agenda pública no momento eleitoral deste ano, um tema é objeto de reflexão da rede a cada mês, totalizando 240 artigos. Em maio, o tema abordado foi “Moradia e Política Habitacional”.

Embora amplamente reconhecido no Direito Internacional e incluído na Constituição Federal, o direito à moradia ainda enfrenta grandes obstáculos para ser efetivamente colocado como prioridade na agenda pública. Definida pela Constituição Federal de 1988 como competência comum da União, dos Estados e dos Municípios, a política habitacional acabou por virar “terra de ninguém”, com eventuais programas que avançam em conjunturas específicas, mas sem ser realmente incorporada como uma política de Estado permanente, planejada e com alocação perene e previsível de recursos.

Sem dúvida, a iniciativa do governo federal é fundamental, dada a escala do problema habitacional e da sua maior capacidade de alavancar recursos. No entanto, a participação do poder local é determinante para que possam ser desenvolvidas políticas abrangentes, efetivas, inclusivas e com capacidade de reduzir as desigualdades. Cabe lembrar que é competência exclusiva da instância municipal o controle do uso e ocupação do solo. Nesse sentido, a utilização de instrumentos urbanísticos como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), por exemplo, podem permitir a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) em áreas mais bem localizadas, assim como garantir a segurança de posse para moradores de favelas e comunidades urbanas, permitindo ações, também coordenadas localmente, de urbanização de favelas e regularização fundiária. Programas de melhorias habitacionais e de apoio a ações de Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS) exigem menos recursos, e podem ter resultados bastante importantes a partir de iniciativas locais. Várias prefeituras têm adotado programas de produção autogestionária da moradia, apoiando iniciativas dos movimentos de moradia, complementando os recursos federais. Programas de provisão como o Minha Casa, Minha Vida podem ser bastante efetivos com a participação das prefeituras, definindo áreas ou cedendo terrenos para novos empreendimentos em setores bem localizados, com pleno acesso às infraestruturas, aos serviços urbanos e aos equipamentos sociais.

Desde o final dos anos 1980, os governos locais haviam conquistado importante protagonismo nas políticas de habitação de interesse social, com alta capacidade de inovação, criando alguns dos modelos de intervenção que orientam as práticas públicas até os dias de hoje. No entanto, nos últimos anos verificou-se um forte desmonte das políticas públicas e da capacidade institucional, política e técnica dos governos locais. Os impactos da pandemia de Covid-19 e, recentemente, das enchentes no Rio Grande do Sul, mostram que os desafios da contemporaneidade exigem um Estado forte, atuando de forma coordenada entre setores e entre níveis de governo. Neste sentido, é fundamental que nas próximas eleições municipais o tema da habitação seja incluído nas agendas dos candidatos para que se possa reverter o quadro de desmonte que herdamos.

Como eixos estratégicos para este debate, defendemos: a priorização da habitação de interesse social no âmbito das políticas públicas; a (re)construção institucional, política e técnica em nível local de órgãos voltados para o desenvolvimento de políticas habitacionais, garantindo a sua definição enquanto políticas de Estado com institucionalidade, planejamento e recursos assegurados e perenes; abertura de canais de participação democrática em todas as instâncias; diversificação das ações, com a criação de programas voltados para a provisão, urbanização de favelas e comunidades urbanas, melhorias habitacionais, apoio à produção autogestionária, apoio às ações de ATHIS e regularização fundiária; desenvolvimento de ações que viabilizem progressivamente a desmercantilização do acesso à moradia adequada; articulação intersetorial das políticas de habitação com programas voltados para a regulação e o controle do uso do solo para a preservação do meio ambiente, para a prevenção e mitigação de risco e para a saúde.

Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil).

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