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Sarah Lúcia Alves França¹

O 8 de março é uma data histórica e simbólica para as mulheres no mundo inteiro que demonstram neste dia, em sua diversidade, suas lutas coletivas para melhoria da qualidade de vida. Entretanto, gostaria de chamar atenção de que a cidade, como palco da vida contemporânea, reflete e molda a dinâmica social, política e econômica, e ao discutir o direito à cidade, é crucial considerar as experiências e desafios específicos enfrentados pelas 83 milhões de mulheres que vivem nas cidades brasileiras (IBGE, 2022).

No Brasil, o direito à cidade está descrito no Estatuto da Cidade (Lei n. 10257/2001), como “direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho, ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Isso perfaz um rol de direitos sociais que devem ser efetivados através de políticas integradas (urbana + assistência social + habitação + saneamento ambiental + mobilidade + emprego e renda etc), embora muitos municípios sequer tenham órgãos de política urbana, com a competência de PLANEJAR o futuro da cidade.

Historicamente, a participação feminina tem sido negligenciada, exigindo uma revisão crítica das políticas e práticas para garantir que as cidades sejam inclusivas para todas as pessoas. Nessa esfera, a voz das mulheres pode resultar na construção de espaços menos desiguais e adequados às suas necessidades, com garantia de segurança para circular a pé, no transporte público, de acesso à moradia digna e aos serviços como educação, saúde e assistência social. Portanto, é imperativo envolver ativamente as mulheres nas diversas fases do planejamento urbano, garantindo que suas experiências moldem a estrutura das cidades.

Suas perspectivas trazem a compreensão e transformação dos desafios complexos enfrentados nas cidades e metrópoles, dentre questões urbanas como moradia, segurança, acessibilidade e qualidade de vida nos espaços públicos. A inclusão da mulher, cidadã, profissional e usuária da cidade, traz a possibilidade de um olhar diferenciado sobre as dinâmicas sociais, econômicas e ambientais, que reflete a diversidade da população e impulsiona soluções mais equitativas, sustentáveis, e mais sensíveis às questões de gênero. O ganho é a transformação das cidades em espaços que atendam as necessidades e demandas variadas de todos seus habitantes.

Foto: Arquivo pessoal.

A liderança feminina nos diversos espaços de trabalho é outra dimensão crucial para promover mudanças significativas nas cidades. Na gestão, o debate precisa ser ampliado, pois em nosso país apenas cerca de 12% dos municípios têm mulheres prefeitas. Em Sergipe, apenas 14 dos 75 municípios têm as prefeituras lideradas por mulheres, nenhum deles na Região Metropolitana de Aracaju que concentra mais de 40% da população sergipana.

Retomando o direito à cidade, dentre os diversos direitos sociais que envolve, o direito à moradia é uma questão central na discussão sobre o papel da mulher na cidade. Em 2023, mais de 50% dos domicílios no Brasil eram chefiados por mulheres, que ganham 21% menos que os homens (Dados do Dieese para 2023), enfrentando barreiras específicas ao acesso à habitação, a oportunidades de renda, e violência doméstica. É preciso, de fato, efetivar o direito à moradia e emprego, para as mulheres chefes de família, especialmente aquelas moradoras de periferias, em áreas suscetíveis a desastres ambientais.

A segurança é um outro aspecto crítico para o direito à cidade pelas mulheres, registrando um número assustador em 2023, de 8 vítimas de crimes por dia, segundo a Rede de Observatórios de Segurança. A violência de gênero nas ruas tem sido uma realidade que impera a sensação de medo e tolhe muitas mulheres do direito de circular livremente, especialmente no transporte público.

Por fim, é crucial abordar a carga de responsabilidades e diversos papéis que a mulher assume, decorrente das diversas transformações nos modos de vida na cidade contemporânea. Dentre inúmeras funções que, sem dúvida, merecem aqui ser enfatizadas, as mulheres são filhas, mães, esposas, chefes de família, profissionais, líderes, empresárias, cientistas, professoras, dividindo-se diariamente para desempenhar suas tarefas diárias, devendo serem respeitadas quanto às suas especificidades. Apesar disso, a ocorrência do preconceito e assédio contra a mulher que assume, principalmente postos de liderança e destaque, não cessam. Embora sejam diversos os desafios, quando assumimos o protagonismo das nossas lutas, isso vai além, pois atuamos como agente de mudança, inovação e coragem, impulsionando iniciativas sociais e inspirando outras mulheres a seguirem seus próprios caminhos.

Portanto, a perspectiva do direito à cidade para as mulheres não é apenas uma questão de igualdade mas, também, de justiça urbana e acolhimento social. A inclusão ativa das mulheres na vida das cidades e na efetivação da garantia do acesso equitativo a todas as oportunidades urbanas, são passos cruciais para criar cidades verdadeiramente inclusivas. A nossa luta é desafiadora e reside em buscar formas mais sensíveis e humanas para transformar esses direitos em ações tangíveis, construindo um futuro onde todas as mulheres possam viver, trabalhar com dignidade e segurança e, especialmente, sorrir e comemorar diariamente.


¹ É mulher, esposa, filha, cidadã, servidora pública, arquiteta e urbanista, pesquisadora… Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Coordenadora do Núcleo Aracaju do INCT Observatório das Metrópoles e do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais (CEPUR).