Por Camila D’Ottaviano¹
Esta semana, na terça-feira dia 23, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicou a Nota Metodológica “Sobre a mudança de Aglomerados Subnormais para Favelas e Comunidades Urbanas”. Com isso, a antiga nomenclatura “Aglomerados Subnormais” foi substituída, de forma definitiva, pela nova nomenclatura “Favelas e Comunidades Urbanas”, que já será usada na divulgação dos dados do Censo 2022.
A mudança da nomenclatura utilizada pelo IBGE em seus Censos Demográficos, levantamentos, contagens e demais materiais técnicos é um marco histórico, uma vez que supera o caráter discriminatório e estigmatizante da antiga nomenclatura e avança no reconhecimento dos vários territórios agora caracterizados como Favelas e Comunidades Urbanas. Mudam também a caracterização e a descrição desses territórios.
A nomenclatura “Aglomerados Subnormais” vinha sendo usada pelo IBGE desde o Censo Demográfico 1991. O conceito, bastante genérico, buscava abarcar a diversidade dos assentamentos irregulares existentes no país como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros. Mas já era tempo de substitui-lo por outro, que caracterizasse de fato esses muitos territórios e espaços das cidades brasileiras.
É importante destacar que a escolha da nova nomenclatura adotada pelo IBGE é fruto de um amplo e importante debate somado a um competente trabalho técnico promovido pela equipe do Instituto, que contou com a participação de moradores das favelas, vilas, comunidades urbanas, representantes da sociedade civil, técnicos do poder público e pesquisadores, entre outros. A escolha da nova nomenclatura pretende garantir o reconhecimento dos moradores desses territórios, mas também sua operacionalização técnica.
Parte das discussões que possibilitaram essa mudança histórica aconteceu no seminário realizado em Brasília, em setembro de 2023. Além disso, foi criado um Grupo de Trabalho específico que acompanhou as discussões junto à equipe técnica do IBGE e colaborou na redação final da caracterização da nova terminologia (aqui gostaria de deixar meu agradecimento aos técnicos do IBGE por ter tido a oportunidade de participar desse grupo tão especial!).
Vale lembrar que a alteração de nomenclatura definida pelo IBGE não altera a metodologia do levantamento ou os dados censitários já coletados. Mas influenciará de forma positiva os novos levantamentos e Censos Demográficos.
Por fim, convido a todos a ler a Nota Técnica e a nova caracterização das Favelas e Comunidades Urbanas do IBGE:
Favelas e Comunidades Urbanas são territórios populares originados das diversas estratégias utilizadas pela população para atender, geralmente de forma autônoma e coletiva, às suas necessidades de moradia e usos associados (comércio, serviços, lazer, cultura, entre outros), diante da insuficiência e inadequação das políticas públicas e investimentos privados dirigidos à garantia do direito à cidade. Em muitos casos, devido à sua origem compartilhada, relações de vizinhança, engajamento comunitário e intenso uso de espaços comuns, constituem identidade e representação comunitária.
No Brasil, esses espaços se manifestam em diferentes formas e nomenclaturas, como favelas, ocupações, comunidades, quebradas, grotas, baixadas, alagados, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, loteamentos informais, vilas de malocas, entre outros, expressando diferenças geográficas, históricas e culturais na sua formação.
Favelas e comunidades urbanas expressam a desigualdade socioespacial da urbanização brasileira. Retratam a incompletude – no limite, a precariedade – das políticas governamentais e investimentos privados de dotação de infraestrutura urbana, serviços públicos, equipamentos coletivos e proteção ambiental aos sítios onde se localizam, reproduzindo condições de vulnerabilidade. Estas se tornam agravadas com a insegurança jurídica da posse, que também compromete a garantia do direito à moradia e a proteção legal contra despejos forçados e remoções.
¹ Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles, onde coordena o Grupo de Pesquisa Habitação e Cidade.