Em meio aos inúmeros desafios para a integração de políticas públicas para as regiões metropolitanas brasileiras, qual o espaço da temática ambiental nesse debate? E quais diferenças podem ser verificadas em metrópoles centrais como São Paulo e Rio de Janeiro frente a outras de menor escala? Na tese “A metrópole periférica”, a pesquisadora Zoraide Souza Pessoa aponta a escassez de políticas públicas ambientais na região metropolitana de Natal, a partir da constatação da frágil inserção do tema em âmbito institucional e da quase nula regulamentação de uma gestão metropolitana, sendo que dos 10 municípios da RMN apenas três têm secretarias municipais de meio ambiente.
A tese “A metrópole periférica – identidade e vulnerabilidade socioambiental na região metropolitana de Natal – RN/Brasil”, da pesquisadora Zoraide Souza Pessoa, foi apresentada no dia 03 de setembro de 2012 ao Programa de Doutorado em Ambiente e Sociedade do Instituto de Filosofias e Ciências Humanas e ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/NEPAM/UNICAMP). Orientada pela professora Sônia Regina da C. Seixas, o trabalho é mais um resultado da Rede nacional INCT Observatório das Metrópoles.
Segundo Zoraide de Souza Pessoa, a pesquisa, através de uma abordagem multidisciplinar, apontou que a RMN configura-se numa metrópole cujo processo de metropolitização vem constituindo um território espacialmente complexo e com crescentes conflitos sociais e ambientais, não estando preparada para enfrentar os desafios que tais conflitos e problemáticas que lhes são subjacentes podem resultar. “O despreparo para a questão socioambiental ficou evidente, visto que se constata uma frágil inserção desta questão no âmbito institucional e de regulamentação de uma gestão ambiental metropolitana ou mesmo municipal, como também pela falta de mecanismos de mobilização sociais mais consistentes em virtude dos movimentos ambientais existentes atuarem, essencialmente, através de redes sociais virtuais e terem um caráter eminentemente elitizado”, afirma.
A pesquisadora explica que problemas como depleção da camada de ozônio, perda da biodiversidade biológica, aquecimento global e mudanças climáticas não fazem parte das preocupações nem das classes mais pobres, nem das ricas. Também ainda não se constituiu em uma pauta central nas agendas político-governamentais que, por décadas, se centraram em discutir quem seriam os culpados pela crise ambiental, adiando a ratificação de acordos bilaterais importantes, resultantes das reuniões de cúpulas ocorridas entre 1972 e 2012. “Nesse sentido, ainda deve-se considerar o fato que a urbanização é um fenômeno crescente e reflete também a expansão da população vivendo cada vez mais nas cidades, sobretudo, nas áreas metropolitanas e que, de forma geral, as cidades não estão preparadas para os efeitos dos problemas ambientais, especialmente, no contexto das mudanças climáticas, sendo um desafio construir mecanismos que possam tornar as cidades sustentáveis”.
No contexto brasileiro, por exemplo, onde as infraestruturas urbanas e ambientais são precárias e deficitárias e o viver urbano está ainda fortemente concentrado nas áreas metropolitanas, o desafio ambiental é ainda maior e mais complexo, pois se relaciona com os aspectos históricos de desigualdade sociais, de concentração e diferenciação, tornando mais graves os efeitos ambientais sobre o território e a população, especialmente as mais vulneráveis e pobres. “No Brasil, a urbanização, além de produzir reflexos sobre as questões ambientais e os problemas delas decorrente, também possibilitou a criação de processos distintos de metropolitização como o caso da RMN que se constitui numa metrópole periférica ou de segunda linhagem, conformando processos distintos de metropolitazação que não se configuram pautados na relação capital e indústria, mas se assentam na produção do espaço pelas relações capital e serviços como matriz do seu desenvolvimento”.
Uma das hipóteses levantadas na tese era de que os problemas socioambientais se intensificaram com a metropolização. De acordo com Zoraide Souza Pessoa, a hipótese foi confirmada em virtude dos problemas verificados em distintas escalas na região metropolitana de Natal. “A questão da centralidade de Natal, como metrópole e polo, a qual produz novas dinâmicas socioambientais nos demais municípios e diferenciações espaciais na RMN, é verdadeira, pois se constatou que a integração metropolitana impõe-se sobre os municípios metropolitanos, através de uma relação de integração e distanciamento, configurando uma relação dicotômica e classificatória de municípios de alta e baixa integração metropolitana. Especialmente, nos municípios de alta integração essa diferenciação espacial é maior por acumularem externalidades da periferização do polo em direção aos seus territórios; tornando esses espaços marcados por fortes tensões sociais e crescente vulnerabilidade”.
A inserção da variável ambiental constatou-se ser frágil em toda a RMN, não sendo um elemento norteador de políticas públicas, nem metropolitanas nem municipais. Todos os municípios metropolitanos tratam a temática de forma individualizada, existindo poucos mecanismos de cooperação e cogestão dos problemas ambientais e mesmo de outras naturezas. O polo metropolitano e os municípios de alta integração são os que apresentam uma densidade maior de estrutura administrativa voltada para esta questão, mesmo que não se configurem em modelos de gestão ambiental propriamente articulados e propositivos. Dos 10 municípios, apenas três têm secretarias municipais de meio ambiente e nem sempre tratam exclusivamente da temática, do mesmo modo somente três munícipios têm conselhos de meio ambiente instituídos.
Segundo a pesquisadora, arranjos compartilhados de gestão dos problemas ambientais inexistem, iniciando-se processos de cooperação com a instalação de comitês de bacias hidrográficas. No caso dos resíduos sólidos urbanos, o aterro sanitário, apesar de metropolitano, não se configura como um processo de gestão compartilhada deste problema, pois se tratou de uma solução isolada para atendimento da disposição dos resíduos sólidos de Natal, já que a área onde eram depositados os resíduos, conhecida como “Lixão de Cidade Nova”, não tinha mais capacidade de recebimento, sendo um enclave marcado por tensões sociais por estar localizada numa área periférica de Natal.
“Assim, independentemente dos avanços e da dimensão que a questão ambiental assumiu nas últimas décadas, é inegável que ela atinge todas as formas de vida (humana, animal e vegetal) e os recursos naturais ou artificiais. Porém, ela, ainda, está longe das emergências do cotidiano de vida das pessoas, sobretudo das que vivem nos espaços urbanos, como foi possível constatar no caso da RMN, onde as pessoas até têm uma percepção dos problemas ambientais, especialmente daqueles que lhes são mais próximos, mas a atuação sobre os mesmos acontece de forma circunstancial. Não existe um movimento ambiental organizado de caráter popular no espaço metropolitano. O que existe são articulações isoladas, demandadas por grupos oriundos da classe média, formada, em geral, por acadêmicos e intelectuais em defesa de patrimônios paisagísticos naturais”, explica Zoraida.
Entre os problemas ambientais mais emergentes na RMN está o descarte dos resíduos sólidos, em virtude da falta de políticas municipais de resíduos que atendam eficientemente as populações seja no tocante à coleta tradicional ou na introdução de um sistema de coleta seletiva. É esse o problema de maior preocupação das pessoas que vivem no território metropolitano.
Depois dos resíduos sólidos, outro problema ambiental percebido e sentido pelas pessoas é a questão da contaminação dos reservatórios subterrâneos que abastecem a cidade. A contaminação é causada pela elevação do nitrato, o qual está acima da média considerada adequada pelos órgãos de vigilância sanitária e de saúde. Atrelada a esta questão está a problemática do saneamento básico, fator principal de contaminação desses reservatórios, dado o baixo percentual de cobertura que os municípios metropolitanos têm de domicílios com saneamento básico, ou seja, com um sistema de esgotos e tratamento ligado a uma rede geral de distribuição. É predominante em toda região o escoamento sanitário realizado por fossas sépticas e rudimentares.
“Os problemas ambientais da RMN têm os seus reflexos mais dramáticos nas periferias urbanas da metrópole, nas áreas mais vulneráveis do ponto vista social e ambiental. Os municípios de alta integração metropolitana, no caso, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante, cujas áreas são conurbadas e constituem-se em espaços de expansão das periferias do polo metropolitano, a incidência desses problemas são também expressiva em razão de serem também os principais territórios receptores de populações migrantes da própria RMN e do interior do estado, assim, nesses locais, as condições de vulnerabilidade são ampliadas, onde residem as populações mais marginalizadas, excluídas e suscetíveis de (in)justiça ambiental no território metropolitano”, argumenta Zoraide Souza Pessoa e completa:
“Enfim, muitas são as incertezas quanto ao futuro no contexto da crise ambiental contemporânea, que torna o viver uma condição de risco. Constata-se que viver em risco torna-se ainda mais dramático no meio urbano, onde as relações natureza e sociedade são mais distantes, em virtude da interferência do artificial que integra o viver nesse meio. Acredito que seja necessário que, cada vez mais, se reconsidere a questão ambiental no meio urbano, pois, nesses espaços, a previsibilidade de uma catástrofe ambiental é mais dramática, exigindo que se projete a construção de cidades sustentáveis do ponto de vista social, ambiental e urbano, e, assim, tornando-as menos vulneráveis e capazes de lidar com as situações de risco e perigos, pois, as cidades podem ser também os espaços da esperança para a construção de um mundo mais social e ambientalmente mais justo no presente e no futuro”.
Acesse a versão completa da tese “A metrópole periférica – identidade e vulnerabilidade socioambiental na região metropolitana de Natal – RN/Brasil” aqui.