Como tem sido o debate sobre Direito à Cidade em Fortaleza, uma das principais metrópoles do nordeste do país? Esse é o ponto de partida do projeto desenvolvido pelo Observatório das Metrópoles na capital do Ceará: a partir do processo de remoção de 22 comunidades por conta das obras do VLT Parangaba-Mucuripe, a equipe do instituto está investigando casos de remoção e reassentamento para áreas periféricas, resistência dos movimentos sociais, e a luta pelo direito à moradia.
O estudo de caso sobre o tema do Direito à Cidade em Fortaleza integra o projeto “Estratégias e instrumentos de planejamento e regulação urbanística voltados a implementação do direito à moradia e à cidade no Brasil – avanços e bloqueios”, que conta com financiamento da Fundação Ford e tem como objetivo conduzir uma pesquisa advocacy para monitorar e influenciar a implementação de políticas, projetos e programas estabelecidos pelas municipalidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza, desenhados para fazer cumprir os instrumentos do Estatuto da Cidade abordando o cumprimento da função social da propriedade, a inclusão socioterritorial da população de baixa renda, ampliação do acesso e permanência à moradia, ao solo e aos serviços urbanos.
Na região metropolitana de Fortaleza, o projeto é coordenado pelo professor Renato Pequeno (UFC) e tem como foco a violação do direito à cidade e direito à moradia, a partir de três eixos de investigação: 1) Os processos de remoção de comunidades em razão das obras do VLT Parangaba-Mucuripe; 2) A resistência e a luta dos movimentos sociais pela moradia; e 3) Processos de reassentamentos dessas comunidades – características, localização territorial e respeito aos direitos. “A nossa hipótese é de que na metrópole de Fortaleza há uma dissociação da política urbana e da política habitacional; sendo que nesse processo há o predomínio dos projetos sobre o processo de planejamento urbano. Isso significa que tanto as obras viárias e urbanas, por exemplo, programadas para a Copa do Mundo, como obras de moradia via Programa Minha Casa Minha Vida são prioridades para o poder público, mais do que um planejamento urbano de longo prazo para a construção de uma cidade mais democrática”, explica Renato.
Em relação aos Processos de Remoção, o projeto se subdivide em duas frentes. A primeira delas se refere à remoção de 22 comunidades por conta das obras do VLT Parangaba-Mucuripe. Segundo Renato Pequeno, algumas dessas comunidades resistiram e outras deverão ser removidas e reassentadas no empreendimento Cidade Jardim, no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida do governo federal. “Nesse caso vamos avaliar o processo de remoção e o deslocamento dessas comunidades para áreas mais periféricas, reafirmando o processo de ‘ampliação da periferia’ da metrópole, sendo que as populações mais pobres é que estão sendo transferidas para essas regiões”.
O segundo caso refere-se à intervenção na favela do Serviluz onde vivem mais de 5.000 famílias, localizada na região portuária de Fortaleza e também no ponto final do VLT Parangaba-Mucuripe. “Por conta dessa obra de mobilidade para a Copa do Mundo, parte dessas famílias também estão sendo removidas. Porém, serão reassentadas no empreendimento chamado Aldeia da Praia – situado sobre as dunas da Praia do Futuro nas proximidades desta ocupação. Ou seja, representam outro tipo de processo de reassentamento, respeitando a determinação de que as populações removidas devem ser encaminhadas para áreas próximas”, afirma Renato Pequeno e completa:
“O que esses casos têm em comum é que em nenhum deles houve diálogo entre poder público local e comunidades removidas. A Prefeitura e o Governo do Estado chegaram e informaram que as famílias seriam reassentadas em tais lugares, ou seja, não houve chance para discutir o processo”.
Movimentos sociais e a luta pelo direito à moradia
E como tem sido a resistência das comunidades envolvidas em processos de remoção em Fortaleza? E como os movimentos sociais têm se organizado para a luta pelo direito à moradia na metrópole do Ceará? O segundo eixo de investigação do projeto do Observatório das Metrópoles em Fortaleza diz respeito ao mapeamento dos movimentos sociais locais, buscando espacializar os territórios dos grupos organizados a fim de entender como os movimentos se distribuem espacialmente; quais locais estão sendo ocupados etc.
Além disso, a equipe também faz um levantamento da história dos movimentos sociais pela moradia em Fortaleza a fim de entender a sua evolução e as alterações nas suas reivindicações, a emergência de novos movimentos e a interação entre os mesmos. “O projeto do Direito à Moradia prevê o fortalecimento dos movimentos sociais e é isso que estamos tentando fazer. A pesquisadora Valéria Pinheiro está realizando, por exemplo, entrevistas com antigas lideranças e pesquisadores das universidades que se debruçaram sobre esse tema. Queremos levantar as pautas históricas e como se deu a luta pelo direito à moradia na nossa metrópole”, argumenta Renato Pequeno.
Leia também: “A luta coletiva pelo direito à cidade no contexto dos Megaeventos em Fortaleza-CE”, da pesquisadora Valéria Pinheiro.
Plano Diretor “Fortaleza 2040”
Outra frente do projeto pretende ser o acompanhamento do processo do novo Plano Diretor de Fortaleza, intitulado “Fortaleza 2040”, relacionado aos grandes projetos estratégicos urbanos. Segundo Renato Pequeno, Fortaleza passou quase oito anos fazendo a revisão do seu Plano Diretor Participativo. Aprovado em 2009, o PDPFor até hoje não foi implementado, o que coloca a cidade nos rol dos territórios sem planejamento – já que não tem instrumento de ordenamento de uso e ocupação de solo, entre outros instrumentos legais. “Vemos que toda essa lógica favorece os projetos de infraestrutura coordenados pelo Estado em detrimento de um planejamento macro para a cidade. Agora o poder público local pretende formular o Plano Diretor Fortaleza 2040,o nosso papel é verificar em que medida esse processo de planejamento vai defender e respeitar o direito à cidade e à moradia”, defende o professor Renato.
Mobilização pelo Direito à Cidade em Fortaleza
O projeto sobre Direito à Cidade em Fortaleza contará com a parceria do Coletivo de Comunicação Social NIGÉRIA, que produzirá uma plataforma de informação que irá contar a história da cidade a partir das remoções e reassentamentos que já ocorreram. “No lugar de contar a história da perspectiva dos seus sítios históricos e de seus planos nunca implementados, por exemplo, queremos contar a partir da perspectiva da resistência de quem foi removido, é a proposta de outro debate”, aponta Renato Pequeno.
Também está sendo desenvolvida uma parceria com o CAJU – Centro de Assessoria Jurídica da Universidade (UFC). A equipe do CAJU irá realizar algumas ações de assessoria na Favela do Serviluz com o objetivo de fazer um mapeamento da comunidade, levando informações sobre direito à cidade, Estatuto da Cidade, direito à moradia digna, entre outros temas.
Renato Pequeno conta que no caso das 22 comunidades que estão sendo removidas por conta do VLT, o projeto consolidou uma parceria com duas estudantes da UECE (Universidade Estadual do Ceará) e moradoras de uma dessas comunidades. As irmãs Ercilia Maia, estudante de Serviço Social, e Manuela Maia, de Geografia, são moradoras da comunidade Aldacir Barbosa e estão fazendo um estudo de caso sobre a resistência a remoção com os moradores. “Estamos fazendo esse procedimento com a ideia de replicar nas outras comunidades. Desse modo, o levantamento e diagnóstico passa a ser feito pelos próprios moradores; eles começam a participar mais ativamente do debate e mobilizar outras pessoas do local”, explica Renato.
Equipe do Laboratório de Estudos da Habitação vinculado ao Núcleo do Observatório das Metrópoles de Fortaleza diretamente envolvida com este projeto:
Renato Pequeno
Sara Vieira Rosa
Valéria Pinheiro
Victor Iacovini
Natália Moura
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Publicado em Notícias | Última modificação em 19-09-2014 19:16:29