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O atual Prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, aliado ao Presidente da Câmara Municipal e ao setor imobiliário, via Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), enviou projeto de lei que destrói o atual Plano Diretor (PD). O PD vigente traz avanços importantes como o Coeficiente de Aproveitamento Básico único e igual a 1,0 e a instituição da Outorga Onerosa do Direito de Construir. Movimentos sociais e entidades diversas estão na luta contra essas alterações.

Pesquisadores de diversas universidades e também do Observatório das Metrópoles Núcleo Belo Horizonte, entre outros grupos, divulgaram nota técnica em que analisam os impactos do projeto de lei e recomendam sua paralisação na Câmara, até que sejam apresentados e discutidos os estudos que o embasaram (se é que eles existem).

Belo Horizonte. Foto: Marcello Casal Jr (Agência Brasil).

NOTA TÉCNICA PLANO DIRETOR DE BH

Estudo realizado por pesquisadores da temática urbana sobre o projeto de Lei 508/2023, que realiza alterações na Outorga Onerosa do Direito de Construir e afeta o Plano Diretor de Belo Horizonte.

RESUMO

Esta nota técnica visa analisar o contexto e os impactos do projeto de Lei 508/2023, que altera a legislação que regula a Outorga Onerosa em Belo Horizonte. Nas duas primeiras sessões, os autores analisam o contexto e o histórico dos instrumentos urbanísticos em questão, a fim de apresentar sua relevância no planejamento urbano. Ao se debruçar sobre o PL 508/2023 e os argumentos que o embasam, a nota traz uma série de apontamentos sobre os impactos no desenvolvimento urbano e na arrecadação do município, sendo os principais deles:

1) A partir da análise da legislação vigente, a nota aponta uma irregularidade na tramitação de um PL que altera substantivamente o Plano Diretor de Belo Horizonte e que deveria, portanto, obedecer os prazos e ritos previstos na Lei 11.181/2019 e no Estatuto da Cidade, sendo proposta que deveria ser tratada na Conferência Municipal de Política Urbana de 2026.

2) A análise do PL 508/2023 aponta que seus efeitos serão contrários aos princípios, diretrizes e objetivos do Plano Diretor, o que também configura uma ilegalidade. A Lei de Instrumentos regulamenta a aplicação dos instrumentos de política urbana contidos no Plano Diretor e deve, obrigatoriamente, fazê-lo de modo a dar as condições para a concretização das determinações que o Plano Diretor estabelece.

3) O principal elemento do PL 508/2023 é a alteração na fórmula de cálculo da Outorga Onerosa na área interna à Av. do Contorno, com desconto de 50% no valor cobrado (devido à substituição do fator de 0,5 pela variável de localização de 0,25), oferecendo ainda um desconto de 30% para pagamento à vista. Argumentos colocados na imprensa pela Prefeitura e por agentes de mercado de que o valor atual da Outorga Onerosa é inviável em Belo Horizonte carecem de comprovação. Há muitos elementos que apontam para o contrário:

  • a) Durante o período de transição do novo Plano Diretor (de 2020 a fevereiro de 2023), havia um grande estoque de Transferência de Direito de Construir (TDC) no mercado. Esse instrumento compete com a Outorga Onerosa, mas tem estoque limitado. No início desse período, a unidade de TDC era comercializada por cerca de 120,00 reais – um valor cerca de quatro vezes menor do que o valor médio da Outorga para o mesmo potencial construtivo. Por isso, segundo o Portal de Dados Abertos, consumiu-se 85 mil m2 de TDC nesses três anos, ou 62% do total disponível. O estoque atual de TDC é de 53,5 mil m2. Essa redução de estoque fez com que o valor do TDC chegasse a cerca de 380,00 reais, que vem sendo praticado atualmente. A conclusão óbvia é que quanto menos TDC houver no mercado, maior será seu preço, e rapidamente ele alcançará o valor atual da Outorga. É falacioso o argumento de que é necessário reduzir o valor da Outorga para aumentar a sua competitividade frente à TDC.
  • b) A partir de uma estimativa dos projetos protocolados no último período na Prefeitura de BH, aponta-se que a arrecadação com a Outorga Onerosa tende a ser bastante expressiva, em contraposição aos baixos números divulgados pela Prefeitura. Somente os 251 projetos aprovados no último trimestre de 2022 geraram uma demanda de compra de Outorga Onerosa no valor de 14 milhões de reais. Utilizando como referência o volume de projetos protocolados na transição anterior (entre 2019 e 2020), é possível estimar que a compra de OODC em projetos protocolados na PBH na transição de 2022 para 2023 seja da ordem de R$120 milhões (essa estimativa poderá ser checada quando o município responder às demandas de informação via Lei de Acesso à Informação, enviada pelos pesquisadores). Esse valor é mais que o dobro do que aquele que a PBH pretende arrecadar anualmente com a nova alíquota.
  • c) A conclusão dos pesquisadores é de que a fórmula de cálculo atualmente fixada no Plano Diretor para a Outorga (com o fator de 0,5 sobre o valor total) é plenamente adequada para o mercado de BH, e a Outorga já vem sendo demandada em novos projetos protocolados. Concluem também que uma redução desse valor não aumentará a arrecadação, visto que o preço da TDC, cujo estoque está em queda, tenderá a se estabilizar pelo valor da Outorga. Ao contrário, a redução do valor da Outorga na área interna à Av. do Contorno constitui uma renúncia fiscal pelo município, que, pelas estimativas, pode ser da ordem de 50 a 60 milhões de reais por ano. Essa renúncia fiscal
    está concentrada em uma região da cidade, favorecendo potencialmente grupos econômicos específicos – proprietários de terrenos nessa área – o que pode ferir o princípio da impessoalidade da administração pública.
  • d) Chama a atenção ainda o último artigo do PL 508/2023, que permite aos projetos já protocolados usufruírem do desconto na taxa da Outorga. Evidencia-se aí o caráter de renúncia fiscal da medida: projetos dentro da Avenida do Contorno já protocolados, que já realizaram uma demanda de compra de Outorga com a fator de 0,5, receberão um desconto do município de mais de 60% no valor da taxa. Trata-se de um inédito desconto pós-venda, com prejuízos significativos aos cofres públicos.

4) Como a Outorga Onerosa é um mecanismo cujos recursos arrecadados devem ser reinvestidos na cidade, especialmente em habitação social, essa renúncia arrecadatória significa um impacto na vida dos mais vulneráveis. Algumas estimativas apontam que Belo Horizonte tem um déficit habitacional de 70 mil moradias. Com a arrecadação pela OODC no cenário atual (estimada em 120 milhões por ano, a partir dos dados até agora disponíveis), e o custo médio de subsídio de 40 mil reais por moradia, seria possível produzir 3.000 unidades habitacionais por ano. A redução da arrecadação gerada pelo desconto dado no PL 508/2023, para cerca de 55 milhões de reais, resultaria numa produção habitacional máxima de 1.300 unidades anuais. Com a lei atual, o déficit de novas moradias poderia ser, em tese, sanado em 23 anos. Com o desconto dado pelo PL 508/2023, este prazo passaria para 53 anos.

5) Os pesquisadores apontam ainda que a redução da Outorga Onerosa na área interna à Av. do Contorno terá o efeito de desestimular a construção fora dessa área, indo na contramão da descentralização determinada pelo Plano Diretor. Evidencia-se, mais uma vez, como a alteração dessa lei afeta diretamente o Plano Diretor, o que só poderia ocorrer com a Conferência de Política Urbana e no prazo previsto.

6) O estudo conclui que o PL 508/2023 tende a reduzir significativamente o Fundo de Centralidades, estabelecido no Plano Diretor. A razão é que, ao reduzir o valor da Outorga somente dentro da Avenida do Contorno, o PL tenderá a fazer com que toda a venda de TDC se concentre fora dessa área – afinal, para o proprietário de TDC, é mais vantajoso vender o potencial construtivo em regiões onde a Outorga estiver mais alta, de modo a ter um ganho maior. Consequentemente, haverá uma tendência forte de redução da venda da Outorga fora da Avenida do Contorno. Como o Fundo de Centralidades depende da Outorga vendida fora dessa área, o resultado será a redução arrecadatória do fundo, impedindo que o município possa fazer os investimentos nas novas centralidades conforme previsto no Plano Diretor.

7) Por fim, chama a atenção dos pesquisadores a falta de embasamento técnico do PL 508/2023. A Prefeitura não apresentou estudos que justificassem a alteração da taxa de Outorga e que avaliassem seus impactos. Em nota pública divulgada em janeiro deste ano, os profissionais atuantes na Suplan se colocaram contra a alteração do Plano Diretor e seus instrumentos. Cabe a pergunta: se não parece ter sido o corpo técnico da Suplan que elaborou o PL 508/2023, quem o elaborou e com qual embasamento?

8) Devido a todos esses pontos, a nota técnica traz duas recomendações:

  • a) A primeira é sobre o fato, amplamente demonstrado, de que o PL 508/2022 produz alterações substantivas no Plano Diretor, e que sua tramitação desta maneira constitui uma ilegalidade. Sua tramitação deveria seguir os ritos estabelecidos no Estatuto das Cidades. Justamente por se contrapor aos princípios fundantes do atual Plano Diretor, o PL altera profundamente essa lei: o vício é, portanto, de forma e de conteúdo.
  • b) Além disso, evidencia-se que, frente aos riscos iminentes de prejuízos aos cofres públicos e à população, é necessário que as questões colocadas aqui sejam esclarecidas. Assim, recomenda-se que a tramitação do PL 508/2023 seja paralisada até que sejam esclarecidas informações essenciais que já foram solicitadas, via Lei de Acesso à Informação, à Prefeitura – pedidos feitos pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, pela Defensoria Pública e por pesquisadores. Dentre as questões está a apresentação dos estudos técnicos da Prefeitura que fundamentam o PL, e a arrecadação potencial com Outorga Onerosa pelos projetos protocolados em janeiro e fevereiro de 2023.

Além deste resumo, a Nota Técnica ainda apresenta os seguintes tópicos:

  • Contexto
  • Outorga Onerosa
  • O Projeto de Lei 508/2023 e o Estatuto das Cidades
  • Os impactos do PL 508/2023
  • A Outorga Onerosa e o preço dos imóveis
  • Recomendações
  • Referências

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