Neste artigo o cientista político José Luis Fiori mostra que, com exceção da China, EUA e Inglaterra, os resultados econômicos do segundo trimestre de 2014 foram negativos em quase todo o mundo – incluindo países como Japão, França e Alemanha. A análise joga luz ao debate político brasileiro e à crença dos neoliberais de que mudanças na política econômica por reverter a tendência declinante da economia brasileira.
O artigo “A subida da ladeira”, do cientista político José Luiz Fiori, foi publicado no site da Carta Maior. O texto foi cedido ao Observatório das Metrópoles para ampliar o debate sobre a análise geopolítica internacional.
Fiori é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e autor do livro “O Poder Global” (Editora Boitempo). Ele pesquisa e ensina há mais de 20 anos no campo das Relações Internacionais, e em particular, na área de Economia Política Internacional, com ênfase no estudo das relações entre a geopolítica e a economia política do “sistema inter-estatal capitalista”.
Até 2008, publicou 9 livros e organizou 5 coletâneas. Ganhou o Prêmio Jabuti de Economia, Administração, Negócios e Direito, na Bienal do Livro de São Paulo, em 1998, com o livro “Poder e Dinheiro. Uma economia Política da Globalização”, organizado com a professora M.C.Tavares; e recebeu Menção Honrosa, na Bienal do Livro de 2002, com o livro “Polarização Mundial e Crescimento”, organizado com o professor C. Medeiros. Desde 1990, publicou cerca de 230 artigos em jornais como Valor Econômico, Correio Braziliense, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Jornal do Comercio, e em revistas como Carta Capital, Exame, Praga, Margem Esquerda, Carta Maior, SinPermisso e La Onda.
A SUBIDA DA LADEIRA
JOSÉ LUÍS FIORI
Com exceção da China, EUA e Inglaterra, os resultados econômicos do segundo trimestre de 2014, foram negativos ou desastrosos, em quase todo o mundo, confirmando, em geral, uma tendência de mais longo prazo. Foi o que aconteceu nas pequenas economias “mono-exportadoras”, e de sucesso, da América do Sul, com a queda acentuada da produção e da confiança empresarial, no Peru, no Chile, e na Colômbia, como no Uruguai. E mais grave do que isto, foi o que aconteceu também com algumas das dez maiores potencias econômicas do mundo.
No segundo trimestre de 2014, o PIB do Japão caiu 1,7%, o investimento privado 9,7% e o consumo familiar 19,2%, no mesmo momento em que a produção industrial teve sua maior queda, desde 2011. A Rússia e o Brasil ainda não publicaram seus dados oficiais, relativos ao segundo trimestre de 2014, mas as expectativas são pessimistas, nos dois casos. A projeção do crescimento russo para 2014, está em 0,2%, e no Brasil as projeções já foram revistas várias vezes, e agora o governo prevê 1,6%, enquanto os economistas do mercado financeiro projetam algo em torno de 0, 8%. A Índia manteve sua taxa de crescimento, mas vem enfrentando uma crise energética cada vez mais grave; a China cresceu 7,5% no segundo trimestre, mas ao mesmo tempo registrou um declínio preocupante do crédito, do investimento e dos preços do mercado imobiliário; a Grã Bretanha, cresceu 0,8%, mas a produção industrial cresceu metade do que havia sido previsto, e os preços tiveram uma queda anualizada de 1,9% no mês de junho; e, finalmente, os EUA cresceram 2,4 %, mas vem recéem saindo de um trimestre negativo, e, segundo Janet Yellen, presidente do FED, não há no momento nenhuma certeza sobre o futuro da economia norte-americana.
O pior, entretanto, aconteceu na Europa. No segundo trimestre de 2014, o PIB da Alemanha e da Itália caiu 0,2% e o da França cresceu 0 %, dois trimestres seguidos, anunciando um quadro de recessão, no coração econômico da Zona do Euro, que cresceu 0 %, neste mesmo período. A produção industrial da Alemanha, França e Itália caiu 1,4%, a confiança empresarial veio abaixo de forma acelerada nos três países, o desemprego da Eurozona se mantem na casa dos 11,5%, e a taxa de inflação já está abaixo de 1%, caracterizando uma conjuntura de depressão ou “estagdeflação”, e a perspectiva cada vez mais provável de uma “década pedida”, para a União Europeia, que segue sendo menor do que foi antes do colapso do Lehmon Brothers. Este panorama econômico da EU, somado à desaceleração russa, e ao aumento da tensão entre estes dois grandes colossos geoeconômicos e geopolíticos, fortalece a tendência da Europa, e de quase todo o mundo, de uma economia capitalista com alta competição, baixo crescimento, e ameaça deflacionária.
Estes números e comparações, entretanto, não devem induzir ao fatalismo e à redução das expectativas, nem à defesa de que o capitalismo tem tendências e etapas necessárias e inevitáveis, como se houvesse alguma lei de ferro que aprisionasse a história. Pelo contrário, o sistema interestatal capitalista não tem nenhum caminho predeterminado, nem destino obrigatório, e neste início do século XXI, em particular, está atravessando uma transformação tectônica – geopolítica e geoeconômica – que o torna ainda mais indeterminado e imprevisível.
Mas atenção, porque estas transformações não são um produto do acaso, nem caíram do céu, foram provocadas ou induzidas por decisões políticas ou geopolíticas – certas ou erradas, dá no mesmo – tomadas pelas grandes potencias, em função de sua disputa de poder, neste momento, na Ucrânia, no Oriente Médio, na Ásia Central, no Sul do Pacífico, e ao redor de todo o resto do mundo. Decisões geopolíticas e geoeconômicas que também foram responsáveis, em última instância, pela própria inclusão da Ásia dentro do sistema interestatal capitalista, que foi inventado pelos europeus, mas que está fugindo cada vez mais rapidamente, do seu controle. Ou seja, neste sistema político e econômico internacional, nada acontece por acaso, nem está predeterminado, e a própria economia capitalista não está fora do seu grande jogo de poder.
Pelo contrário, as economias nacionais e o capitalismo sempre serviram a estas grandes decisões estratégicas e cumpriram um papel decisivo para o seu maior ou menor sucesso. E inversamente, a execução destas decisões políticas e geopolíticas sempre teve papel decisivo na aceleração ou desaceleração do “desenvolvimento econômico” das nações, dependendo de cada caso e e de suas circunstancia históricas particulares.
Agora bem, frente à atual conjuntura internacional, os países que estão resistindo e vencendo a força gravitacional da ladeira econômica, têm demonstrado uma grande capacidade de inovação e uma enorme agilidade estratégica, com baixo grau de voluntarismo e fragmentação interna.
Por isto a redução do debate politico nacional, no caso do Brasil, à uma discussão em torno da autonomia do Banco Central e da taxa de inflação, ou sobre a dosagem adequada do cambio e da política industrial, envolve uma crença comum dos neoliberais e dos neodesenvolvimentistas, de que as mudanças de política econômica podem por si por si só, reverter a tendência declinante e reanimar a economia brasileira. Quando pelo contrário, a subida da ladeira exige muito mais do que isto: exige poder, capacidade de inovação, e grande mobilidade e iniciativa politica, a serviço de uma estratégia de movimento e de enfrentamento global das transformações que estão em curso no mundo, e cujo futuro está inteiramente aberto e indeterminado.
Leia também:
Leia também:
Publicado em Artigos Semanais | Última modificação em 27-08-2014 13:16:51