Skip to main content

Metrópoles na Atualidade Brasileira: Salvador

By 28/08/2014janeiro 20th, 2018Publicações

 Metrópoles na Atualidade Brasileira: Salvador

O INCT Observatório das Metrópoles, em parceria com outras instituições universitárias da Bahia, promove o lançamento do livro “Metrópoles na Atualidade Brasileira: transformações, tensões e desafios na RM de Salvador”. Com análises sobre segregação socioespacial, déficit habitacional, impactos dos megaeventos, gentrificação de centros antigos, expansão das atividades imobiliário-turísticas, entre outros temas, a publicação contribui com reflexões sobre os rumos das grandes cidades brasileiras.

O livro “Metrópoles na Atualidade Brasileira: transformações, tensões e desafios na RM de Salvador”, dos organizadores Inaiá Maria Moreira de Carvalho, Sylvio Bandeira de Mello e Silva, Angela Gordilho Souza e Gilberto Corso Pereira (os dois últimos, professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA – PPG-AU/UFBA), foi lançado no dia 19 de agosto pela Editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba). O evento de lançamento ocorreu , no Auditório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia – UFBA, em Ondina.

“Metrópoles na Atualidade Brasileira” resulta do avanço coletivo de investigações na linha dos estudos urbanos por um grupo de pesquisadores baianos, associado à rede nacional do Observatório das Metrópoles, agregando posteriormente colaboradores de outras instituições universitárias da Bahia. Trata-se de um livro que interessa não apenas a um público especializado, mas a todos os que se preocupam com as condições e os rumos das nossas grandes cidades.

A seguir o Prefácio do livro assinado pelo profº Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador nacional do Observatório das Metrópoles.

 

PREFÁCIO

LUIZ CESAR DE QUEIROZ RIBEIRO

O presente livro resulta de um já longo processo de produção de conhecimentos sobre a realidade metropolitana do país, que vem sendo desenvolvido pela rede de instituições organizada como Observatório das Metrópoles. O Núcleo Salvador se insere nesta experiência em 2003 através de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, organizado desde 2005  como grupo de excelência inserido no Pronex-Fapesb/CNPq.

Desde o seu início, o núcleo vem realizando um amplo conjunto de estudos sobre as condições econômicas, populacionais, sociais e urbanas da metrópole baiana com base nos dados dos censos de 1990 e 2000 e em pesquisas locais. Boa parte desses estudos foi divulgada na primeira e na segunda edição do livro “Como anda Salvador”, publicadas pela Edufba, em 2008 e 2010, e ambas esgotadas. Com a aprovação de um segundo projeto pelo Pronex-Fapesb/CNPq, em 2011, o referido grupo, agora ampliado com a parceria da UCSal, fortaleceu sua capacidade acadêmica para contribuir com o esforço coletivo empreendido pelo conjunto do Observatório das Metrópoles na interpretação das mudanças da ordem urbana das metrópoles brasileiras no longo período de 1980-2010. O presente livro apresenta os primeiros resultados nesta direção.

O título e o subtítulo do livro contêm algumas premissas. A primeira é a de que vivemos um momento de transformações. A segunda é de que, nela, a questão metropolitana se coloca de maneira nova, enquanto a terceira é de que tais transformações geram tensões e desafios. Estas perguntas são plenamente justificáveis em razão dos sinais de mudanças em curso na sociedade brasileira a partir dos anos 1990 e pelo debate acadêmico e intelectual presente na sociedade sobre o significado histórico de tais sinais. Com efeito, após o experimento liberal da segunda metade dos anos 1990, que aprofundou a nossa submissão ao movimento de financeirização do capitalismo internacional, o Brasil vem atravessando um período inédito da sua história social e econômica, marcado pela combinação entre o crescimento econômico, diminuição das desigualdades, incorporação das classes populares ao mercado dos bens modernos e ao sistema de crédito, expansão e universalização da política de proteção social, e retomada do papel do Estado na provisão de moradia para as camadas mais excluídas do mercado imobiliário, entre outras mudanças.

Tais fatos têm suscitado um debate sobre a possível inflexão estrutural do padrão do desenvolvimento capitalista, deixando de fundar-se na dupla dinâmica concentradora e excludente que presidiu o que se convencionou chamar de “modelo de substituição de importações” inaugurado nos anos 1940. Os traços mais destacáveis deste padrão foram, de um lado, o fato dele se fundamentar na lógica da acumulação primitiva, tendo, como seu correlato, várias modalidades de autoritarismo como sustentação de um pacto de dominação exercida por um conservador bloco de poder.

Acumulação primitiva tornada viável pela expropriação e mobilização aceleradas da população rural e a sua concentração nas cidades em pouco espaço de tempo. Entre 1940/1970, cerca de 39 milhões de pessoas deixaram o campo e foram constituir o vasto exército industrial de reserva que sustentou a industrialização fundada na sobrexploração da força de trabalho. O capitalismo industrial brasileiro metro-urbanizou de maneira acelerada a sociedade, fazendo com que ela saltasse abruptamente do mundo rural ao mundo metropolitano.

Uma boa parte se dirigiu para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que conheceram uma rápida expansão. Na década de 1970, com a implantação de polos industriais em Contagem e Betim, os históricos anéis de Belo Horizonte são rompidos pela expansão acelerada da mancha urbana. As antigas cidades se transformam em gigantescos acampamentos de migrantes transformados em moradores que buscavam nas precoces metrópoles a casa e o trabalho.

A metrópole conformada neste momento é marcada pela precariedade do urbano que sustentou a acumulação primitiva, fundamento naquilo que Lúcio Kowarick chamou de “espoliação urbana”, para dar conta do mecanismo que articulou a fabricação da cidade necessária à fabricação da ordem industrial da acumulação primitiva e da exploração extensiva da força de trabalho. A precariedade do nosso urbano resultou desta conexão e da não inclusão dos custos urbanos de reprodução da força de trabalho na composição dos salários ao longo da industrialização e da metro-urbanização da sociedade. Mas, há um outro importante lado desta moeda de ligação entre ordem urbana e ordem industrial. Trata-se do seu papel no amortecimento das tensões e conflitos inerentes ao nosso modelo concentrador e excludente de expansão capitalista. Também na constituição do urbano ocorreu, com efeito, o manejo do território como instrumento de controle do conflito social, traduzido por uma política de tolerância com todas as formas de privatização do solo urbano.

São testemunhos e expressões desta política as áreas de favelas, loteamentos ilegais e clandestinos, invasões e ocupações presentes nas metrópoles brasileiras. Esta política de fronteira permitiu que o expropriado do campo fosse transformado simultaneamente no espoliado urbano e em proprietário de terras na cidade, ainda que sob um regime não reconhecido pelas instituições formais da sociedade, mas com plena validade dos circuitos econômicos vigentes nos territórios da pobreza urbana.

O urbano e a sua precariedade tiveram, portanto, papel importante na acomodação do conflito capital x trabalho e, desta forma, sustentou a expansão das relações capitalistas sob bases das sobre exploração do trabalho. Sob este prisma, o urbano foi um dos pilares de sustentação  do capitalismo industrial que se expande, mas mantém a heterogeneidade social da população pela via da acomodação do conflito.

Mas este papel de fronteira contém outra dimensão. Trata-se da inclusão dos interesses presentes nos circuitos da acumulação urbana no bloco conservador de poder que sustentou a nossa industrialização, conformando o que Carlos Lessa e Sulamis Dain chamaram de “Sagrada Aliança”. (LESSA; DAIN, 1984). Para estes autores, o Estado teria sido o fiel da aliança, garantindo duas cláusulas: a primeira, protegendo da concorrência com o capital internacional certos circuitos não industriais de acumulação do interesse crucial do capital local, e a segunda, estabelecendo uma regulação quanto à partição horizontal da massa de lucros do capitalismo associado entre os dois segmentos de acumulação, de maneira que a rentabilidade das órbitas sob o controle do capital nacional não será inferior à da órbita industrial.

A economia política da urbanização brasileira expressa a vigência da sagrada aliança. Os circuitos da acumulação urbana conformados pelos capitais empreiteiro, imobiliário, concessionários dos serviços coletivos e pela propriedade da terra integraram as órbitas destinadas ao capital local. É compreendendo tal papel que podemos encontrar explicações razoáveis das conexões entre o poder público (federal, estadual e local) e a acumulação urbana em nossas cidades, na forma de políticas de provisão de moradia, de projetos de obras públicas, de legislação urbana e mesmo na forma de permissividade com a qual o poder público tratou várias práticas manifestamente especulativas.

Em todas nossas grandes cidades encontramos exemplos de expansão urbana realizada por esta coalisão de interesses destes circuitos de acumulação, orquestradas por intervenções do Estado em suas múltiplas escalas. Ao mesmo tempo, em todas também encontramos inúmeros exemplos de omissões do poder público diante de poder do capital incorporador em definir a dinâmica de uso e ocupação do solo urbano através de sucessivas estratégias de produção e apropriação da renda da terra.

Nos últimos 40 anos, esta fração da acumulação urbana teve o poder de definir como e em que direção a cidade deveria se expandir. Também encontramos recorrentes exemplos da omissão do poder público na gestão do serviço de transportes coletivos que foram monopolizados por alguns grupos e comandaram a política deste setor, arbitrando a distribuição das linhas e a fixação de tarifas.

Aceitando-se estas hipóteses, temos explicações para os determinantes histórico-estruturais da dinâmica urbana concentradora, excludente e reprodutora da precariedade urbana que caracteriza a formação das nossas metrópoles, que nos permitem pensar os cenários possíveis de transformações. Creio ser desta perspectiva que devemos dialogar com as análises e conclusões presentes nesta coletânea sobre Salvador.

Estamos constituindo um novo urbano em nossas metrópoles, coerente com a hipótese de inflexão do padrão de desenvolvimento capitalista brasileiro? Estão sendo desatados os nós que submeteram o urbano brasileiro às necessidades de reprodução das relações sociais capitalistas tão assimétricas e de manutenção do bloco conservador de poder? Há novos conflitos? Há novas tensões?

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

 

Publicado em Publicações | Última modificação em 28-08-2014 11:29:28