O Termo Territorial Coletivo (TTC) é uma ferramenta para a garantia do direito à moradia, com mais de 50 anos de história e utilizada por diversos países no mundo. Cada vez mais, se reconhece a importância do TTC no Brasil. O Plano Diretor de São João de Meriti é a primeira lei do país que regulamenta o Termo Territorial Coletivo. A previsão legal é um importante passo para estimular a adoção do modelo em comunidades urbanas.
No dia 06 de junho de 2022 foi publicado no Diário Oficial de São João de Meriti o novo Plano Diretor do município, principal legislação urbanística em nível municipal que vai guiar o desenvolvimento urbano pelos próximos dez anos, estabelecendo os objetivos e diretrizes para a atuação do poder público.
No texto da lei, uma novidade salta aos olhos: a inclusão de um novo instrumento urbanístico, até então inexistente no ordenamento jurídico brasileiro, o Termo Territorial Coletivo, ou TTC. Ele é, em linhas gerais, um modelo de gestão coletiva da terra que busca proteger o direito à permanência de comunidades nos seus territórios, promovendo moradia economicamente acessível e estimulando o desenvolvimento local. A inovação de São João de Meriti ao trazer este instrumento em seu Plano Diretor é um importante passo na defesa do direito à moradia digna nas cidades brasileiras.
Segundo Theresa Williamson, diretora executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat), organização que faz a gestão do Projeto TTC:
A passagem da primeira lei regulamentando o TTC em todo o âmbito nacional é um fato determinante para a chegada do TTC de fato no Brasil. Com este passo pioneiro dado pelo município de São João de Meriti, um TTC deixa de ser um sonho. Agora, é só uma questão de tempo até realizarmos o primeiro TTC brasileiro!
O Termo Territorial Coletivo e a Defesa da Moradia Acessível
O Termo Territorial Coletivo (TTC) é a versão brasileira do Community Land Trust (CLT), modelo fundiário amplamente utilizado ao redor do mundo para garantir moradia acessível economicamente para a população. Nascido no contexto da luta pelos direitos civis e justiça racial nos Estados Unidos nos anos 1960, o modelo passou a se disseminar rapidamente por todo o país, que hoje conta com centenas de experiências em funcionamento, tanto nas cidades quanto no campo. Ao longo das últimas décadas, vimos uma disseminação cada vez mais acelerada de TTCs por todo o mundo, e atualmente temos experiências em diversos países, como Canadá, Inglaterra, Bélgica, França, Austrália, Quênia, Porto Rico, entre outros.
Em 2017, o Termo Territorial Coletivo foi incluído na Nova Agenda Urbana — documento da ONU fruto da Conferência Habitat III que estabelece as diretrizes globais para uma boa governança das cidades — como um modelo habitacional inclusivo e sustentável. Foi um importante passo para o reconhecimento do TTC como solução habitacional para populações de renda baixa, devendo ser apoiada pelos Estados.
O TTC funciona a partir da separação da propriedade da terra e das construções. A terra passa a pertencer à comunidade como um todo — representada por meio de uma organização comunitária sem fins lucrativos — e as casas e construções ficam sob titularidade dos moradores individualmente. A terra não pode ser vendida no modelo do TTC, sendo permanentemente retirada do mercado, e apenas as casas podem ser transacionadas. Esse arranjo procura harmonizar interesses individuais e coletivos que estão presentes em qualquer comunidade, além de manter o custo da moradia acessível
para famílias de baixa renda, já que o preço referente à localização (embutido na terra) é retirado da equação.
As experiências de Termos Territoriais Coletivos pelo mundo demonstram sua efetividade em garantir um maior grau de segurança da posse para comunidades, viabilizando sua permanência no território e evitando processos de remoção forçada ou gentrificação. Além disso, a aposta em uma governança coletiva ajuda a fortalecer o controle comunitário sobre a terra e estimular o desenvolvimento local, protagonizado pelos moradores. Em diferentes locais, vemos comunidades florescerem a partir do TTC, com moradores tomando as rédeas de seu desenvolvimento e conquistando o direito à moradia.
Por ser um modelo altamente flexível, o TTC pode ser utilizado em contextos bastante diversos. Na América Latina, temos um caso exitoso de TTC aplicado em favelas, na capital de Porto Rico, a cidade de San Juan. O Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña é uma lição de desenvolvimento comunitário e resiliência, mostrando o potencial do TTC para a regularização de assentamentos informais.
No Brasil, o Termo Territorial Coletivo ainda é um modelo novo, mas que vem conquistando crescentemente o interesse público. Desde 2018, o Projeto Termo Territorial Coletivo vem atuando para viabilizar a aplicação desse modelo no país, difundindo conhecimento sobre ele, dialogando com diversas organizações e trabalhando com comunidades do Rio de Janeiro que demonstrem interesse em se tornar projetos-piloto. É uma questão de tempo para o surgimento do primeiro TTC do país!
A Importância do Plano Diretor para a Gestão Urbana
O Plano Diretor é o instrumento básico para o planejamento urbano das cidades brasileiras. Previsto na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade, ele é obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes, e deve ser revisto a cada dez anos. O Plano Diretor estabelece as diretrizes para a política urbana, traçando objetivos para o desenvolvimento das cidades e listando os instrumentos necessários para alcançá-los.
A construção e revisão de planos diretores devem ser processos democráticos, com ampla participação da sociedade. A cada dez anos, se faz uma avaliação do crescimento urbano naquele período e o plano é revisto, adotando novos objetivos e estratégias para a gestão urbana. Assim, no momento da revisão do Plano Diretor, os cidadãos se mobilizam para definir qual deve ser o destino da cidade em que habitam.
Além de ditar as metas para o desenvolvimento urbano, o Plano Diretor precisa listar os instrumentos para que elas sejam cumpridas. De nada adianta fazer promessas sem os meios práticos para conquistá-las. No que diz respeito à garantia de moradia digna e acessível para todos, São João de Meriti inovou ao incluir o Termo Territorial Coletivo no seu rol de instrumentos de política urbana.
Previsto nos artigos 341-345 do plano, o TTC é reconhecido como instrumento para garantir o acesso à terra e à moradia, podendo ser articulado com outros instrumentos da política urbana, em especial as Áreas de Especial Interesse Social (AEIS). Assim, o município de São João de Meriti conta com mais uma ferramenta para efetivar os direitos fundamentais da
população, em especial a moradia adequada e o direito à cidade.
A Difusão do TTC pelo Brasil
O Termo Territorial Coletivo chega ao Brasil em 2018, por meio de uma série de oficinas de intercâmbio organizadas com o TTC de Porto Rico, por iniciativa da organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras, sediada no Rio de Janeiro, em um momento bastante complicado do ponto de vista da garantia da segurança de permanência para os moradores de favelas.
Entre 2009 e 2014, no Rio de Janeiro, cerca de 20 mil famílias foram removidas (80 mil pessoas) sob o argumento da necessidade de realização das obras de infraestrutura para preparação da cidade para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Paralelamente a isso, o Rio foi uma das cidades que mais encareceram no mundo, tornando os custos básicos de vida excessivamente altos para boa parte da população, dentre eles os custos de habitação. Assim, o Termo Territorial Coletivo passou a ser introduzido no debate público como uma possibilidade de solução que resguarda comunidades tanto contra deslocamentos impostos pelo Estado quanto pela especulação imobiliária.
Em setembro de 2021, foi realizada a primeira Audiência Pública sobre o TTC na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Foi uma ocasião importantíssima onde o modelo foi discutido com os parlamentares, em um ambiente institucional. O município do Rio de Janeiro incluiu o TTC no projeto de lei que encaminha a revisão do seu Plano Diretor, com previsão de
votação até o fim deste ano. Se aprovado, será mais uma pioneira regulamentação legal do modelo.
Em dezembro do mesmo ano, a Câmara de Vereadores de São João de Meriti aprovou a revisão do seu Plano Diretor incluindo o TTC entre seus instrumentos de política urbana, apenas agora publicado no Diário Oficial. Para além do Rio de Janeiro e São João de Meriti, atualmente o Termo Territorial Coletivo é discutido em diversos outros estados do Brasil. Vemos grupos interessados em adotar o modelo no Pará, Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Santa Catarina e até mesmo no Distrito Federal.
Em abril de 2022, um seminário nacional levou o debate do TTC para todas as regiões do país, dialogando com movimentos sociais de defesa da moradia, órgãos públicos, lideranças comunitárias, organizações da sociedade, universidades, entre outros atores.
A inclusão do Termo Territorial Coletivo em planos diretores é uma estratégia importante para difundir o modelo pelo país. Com essa previsão legal, ele poderá ser implementado com mais facilidade e segurança, e também ser adotado pelo próprio município por meio da política pública. Além disso, levar a discussão do TTC para os processos de revisão de planos diretores, um espaço que deve ser participativo e democrático, é uma forma de disseminar o modelo na própria sociedade, articulando o TTC com um debate mais amplo sobre direito à cidade, moradia digna e desenvolvimento comunitário.
Para saber mais, acesse: www.termoterritorialcoletivo.org