Vanessa Marx¹
Chegamos ao aniversário de 250 anos de Porto Alegre que nos estimula a pensar em como seria uma cidade planejada pelas mulheres nos próximos anos? Mais da metade de sua população é composta por mulheres na totalidade e nas oito regiões de planejamento da cidade. De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, a cidade de Porto Alegre apresentava cerca de 1.409.351 habitantes sendo 53,6% de mulheres, frente a 46,9% de homens. De acordo com o IBGE Cidades, a população estimada de Porto Alegre, em 2021, aponta para 1.492.530 habitantes o que poderia indicar um maior crescimento no próximo censo seguindo a tendência de uma cidade formada em sua maioria por mulheres.
Os dados mostram, mas não refletem o grau de inserção das mulheres e seu poder nas decisões na política urbana e no planejamento da cidade. Nos diálogos virtuais do projeto de extensão Mulheres e Cidades pudemos conhecer as agendas e o cotidiano de uma diversidade de mulheres: negras, indígenas, acadêmicas, ativistas de cidades como Porto Alegre e Salvador (Brasil), Montevidéu e Melo (Uruguai), Córdoba (Argentina) e Barcelona (Catalunha-Espanha). A realidade de um conjunto de mulheres que vivem, trabalham e pesquisam sobre cidades e que atravessam o contexto da pandemia da Covid-19, que afetou a forma de trabalho, geração de renda e cuidado gerando dupla ou tripla jornada.
O ativismo urbano destas mulheres mostra que pensar a relação entre agenda de gênero e cidades resulta fundamental para inovação nas políticas públicas urbanas e novos desenhos de cidades no contexto da pandemia. Estas contribuições apontam para lembrar sobre a importância da função social da cidade e da propriedade, criação de novos espaços públicos onde mulheres possam estar com segurança, assim como em transportes públicos, no uso da bicicleta ou caminhando pela cidade, sem sofrer violência ou assédio sexual. A mobilidade, a moradia, o acesso aos serviços e equipamentos públicos têm sido temas fundamentais para a sociabilidade, e construção de redes de solidariedade e apoio entre as mulheres. O pensar a cidade se faz necessário com o olhar das mulheres que circulam e habitam nela.
Redes nacionais como o BrCidades, que trabalham por uma nova agenda urbana para o Brasil, e onde o projeto de extensão se insere e contribui para as discussões e propostas na temática Gênero, LGBTQIA+, Raça e Classe nas cidades, tem sido importantes espaços de debate e articulação em rede. A Conferência Popular pelo Direito à Cidade, convocada por diversos movimentos e redes, entre elas o Observatório das Metrópoles, será realizada de 03 a 05 de junho de 2022, na cidade de São Paulo.
Este será um momento importante de construção nacional, com propostas também de Porto Alegre, para uma agenda urbana onde nossa contribuição reside em pensar as cidades desde uma perspectiva de gênero. Também será um momento fundamental para debater sobre o direito à cidade nos próximos anos no Brasil, relembrando pontos fundamentais do conceito proposto por Henri Lefebvre que consiste em pensar coletivamente as cidades e o direito à vida urbana transformada e renovada. O direito à cidade tem sido um dos elementos fundantes das lutas dos movimentos sociais urbanos e da reforma urbana no Brasil e no contexto internacional foi incorporado na Nova Agenda Urbana da Conferência Habitat III, da ONU, realizada em Quito (Equador), em 2016. Mas necessitamos avançar e ir além de uma concepção universal, refletindo sobre o direito à cidade a partir da diversidade das mulheres, para que seja uma construção permanente incorporando a categoria gênero em nossas análises, propostas e reflexões, como nos propõe Ana Falú, ex-diretora regional da ONU Mulheres. Então como podemos pensar o direito à vida urbana em Porto Alegre a partir do olhar das mulheres?
Para isso seria importante pensar uma agenda local que reduza as desigualdades e aborde a necessidade de uma cidade pela vida e pelo direito das mulheres reafirmando políticas de igualdade de gênero, participação das mulheres nas instâncias de formulação, planejamento e execução da política urbana e nas políticas de combate à violência contra mulher.
Porto Alegre necessitaria ser repensada pós-pandemia e poderíamos aproveitar este momento para incorporar reflexão e propostas das mulheres na política urbana. Para viabilizar isso concretamente seria importante identificar: a) a presença das mulheres no território (regiões de gestão e planejamento, quilombos urbanos e comunidades indígenas), como se organizam, quais são suas necessidades e propostas para o planejamento da cidade; b) as transformações do território a partir da incidência das mulheres nos instrumentos de gestão urbana, através dos mecanismos de participação (revisão de Plano Diretor e projetos para regiões e bairros da cidade); c) o encontro das agendas e diálogos entre mulheres ativistas e acadêmicas com os gestoras do planejamento urbano; e d) possibilidades de articulação com a representação política.
Em relação a representação política chamamos atenção para a representação de mulheres na última eleição municipal para a Câmara Municipal de Porto Alegre². A diversidade da representação feminina no legislativo porto-alegrense poderia ser uma oportunidade para que a agenda das mulheres seja incorporada no planejamento da cidade. Algumas delas tem incluído a agenda urbana como mobilidade e transporte público, combate aos despejos e a violência contra a mulher, direito à moradia e a educação, atendimento à população em situação de rua em seus mandatos. Acreditamos a partir destas reflexões que Porto Alegre tem um potencial para ser uma cidade planejada e pensada pelas mulheres e que esta data de aniversário seja o estímulo que nos mobilize para isso.
Veja também:
- Porto Alegre: 250 anos de uma metrópole do seu tempo e cheia de contradições (Paulo Roberto Rodrigues Soares)
- 250 anos de Porto Alegre: qual é a marca da cidade? (Betânia Alfonsin e Henrique Dorneles de Castro)
- Porto Alegre: uma capital centenária com problemas de emprego atuais (Judite Sanson de Bem e Moisés Waismann)
- Os 150 anos de transporte público que não serão comemorados nos 250 anos de Porto Alegre (André Augustin)
- Porto Alegre 250 anos. Para que planejamento urbano, mesmo? (Mario Leal Lahorgue)
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¹ Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre.
² Por uma Porto Alegre para as mulheres e antirracista. Vanessa Marx e Paulo Soares. Matinal Jornalismo (2020). Disponível em: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/por-uma-porto-alegre-para-as-mulheres-e-antirracista/
REFERÊNCIAS
IBGE Cidades – Panorama Porto Alegre.
Projeto de Extensão Mulheres e Cidades. YouTube do Grupo de Pesquisa Sociologia Urbana e Internacionalização das Cidades (GPSUIC).