A ocorrência da pandemia da Covid-19 lança o mundo de volta à investigação do comportamento distinto das doenças transmissíveis nas cidades, sobretudo àquelas de escala global. Com o tema “Metrópole e Saúde”, apresentamos o dossiê número 52 da Revista Cadernos Metrópole, organizado por José Carvalho de Noronha e Ricardo Antunes Dantas de Oliveira, ambos do Instituto de Informação e Comunicação Científica Tecnológica em Saúde (ICICT) da Fundação Oswaldo Cruz.
Segundo os organizadores, a interseção dos temas da cidade e saúde remonta à Antiguidade – a primeira grande pandemia documentada da História foi a Peste de Atenas (430 a.C.) e atingiu de forma dramática as cidades mediterrâneas da época. Com uma breve reconstituição histórica, chegando até os tempos mais recentes, Noronha e Dantas colocam na apresentação do dossiê alguns questionamentos: existe uma patologia própria da cidade? Há uma exacerbação nas metrópoles? A constituição desses padrões patológicos se dá de maneira análoga nos países capitalistas centrais e periféricos?
O presente dossiê é composto por artigos que se dividem entre aqueles com temáticas sobre saúde e cidades e outros complementares. A pandemia de Covid-19 caracteriza quase todos os artigos relacionados à saúde, apenas há uma temática distinta, com a abordagem mais ampla dos efeitos da urbanização capitalista sobre as condições da saúde.
Já os artigos complementares são mais diversos, trazendo temas como segregação socioespacial, governança dos recursos hídricos, centralidades na rede urbana, movimentos sociais por moradia, inovações nas políticas urbanas e dinâmicas de mudanças nos espaços urbanos.
No texto que abre a edição, intitulado “Salud urbana y morbilidad urbana: efecto del caos de los medios de producción en la ciudad capitalista”, Giovanni Marlon Montes Mata e Rafael Monroy Ortiz propõem a categoria caos dos meios de produção com o intuito de discutir criticamente as lógicas da cidade capitalista em seus efeitos sobre os padrões de adoecimento e óbitos das populações. Os autores associam o caos capitalista à morbidade relacionada à vida urbana, que se expressa desigualmente entre distintos grupos sociais e entre diferentes regiões do planeta, a partir das consequências do caos do meio ambiente, da força de trabalho e do capital.
Emilio Pradilla Cobos e Lisett Márquez López abordam o aprofundamento de contradições, conflitos e problemas vivenciados pelas classes populares nas metrópoles latino-americanas em função da pandemia de Covid-19, no artigo “Las ciudades latinoamericanas y el coronavirus”. Os autores propõem que as cidades no pós-pandemia sejam reivindicadas a partir do direito à cidade, em oposição às expressões do capital financeiro transnacional que configuraram as atuais cidades capitalistas neoliberais.
O aprofundamento das desigualdades socioeconômicas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) é o tema do artigo “A Covid-19 e o agravamento das desigualdades na Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, de autoria de Georges Flexor, Robson Dias da Silva e Adrianno Oliveira Rodrigues. A partir dos resultados de um web-survey, os autores destacam o agravamento das desigualdades preexistentes na distribuição da renda entre a população da RMRJ.
Marcos Thimoteo Dominguez e Jeroen Johannes Klink tratam das formas de enfrentamento dos impactos da pandemia de Covid-19 constituídas nas periferias metropolitanas do Rio de Janeiro (RMRJ) e de São Paulo (RMSP), no artigo “Metrópoles em tempos de pandemia: mapeando territórios subversivos nas RMSP e RMRJ”. Os autores destacam a relação entre a dinâmica socioespacial da pandemia e a estrutura segregada das principais metrópoles brasileiras, ressaltando a importância das práticas populares e das redes periféricas como formas de lidar com os impactos cotidianos da Covid-19 em seus territórios.
No artigo “Desigualdade socioespacial e o impacto da Covid-19 na população do Rio de Janeiro: análises e reflexões”, a partir da espacialização de diversos indicadores sociais, econômicos e de saúde relacionados à pandemia de Covid-19, Daniel de Albuquerque Ribeiro, Aruan Francisco Diogo Braga e Lino Teixeira abordam as relações entre os impactos da pandemia e as desigualdades socioespaciais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, destacando que a maior letalidade relacionada à pandemia ocorreu nas áreas periféricas.
André Coutinho Augustin e Paulo Roberto Rodrigues Soares, no artigo “Desigualdades intraurbanas e a Covid-19: uma análise do isolamento social no município de Porto Alegre”, abordam a heterogeneidade das possibilidades e efetividade do isolamento social na capital gaúcha. Com base em um índice de isolamento social construído a partir da localização dos telefones celulares, constatam que as camadas populares, residentes em bairros com IDH inferior, registraram menor isolamento e consequentemente maior exposição aos riscos de contrair a Covid-19.
Hermes Eduardo Nichele discute o acesso aos serviços de atenção à saúde, no artigo “Relações entre ciclismo e rede de saúde e o caso de Curitiba”, apontando a segurança desse meio de transporte no contexto da pandemia de Covid-19. A partir do Índice de Mobilidade Cicloviária, construído com base na Teoria dos Grafos, o autor analisa as possibilidades de acesso às Unidades Básicas de Saúde (UBS) da capital paranaense.
A partir do conceito de coautoria urbana, que diz respeito à compreensão de que a cidade não é de “autoria” apenas de quem detém poder político e econômico, mas também dos cidadãos que dela se apropriam, Gabrielle Queiroz da Rocha procurou compreender no artigo “Coautoria urbana e quarentena: relações pessoa-cidade na pandemia do novo coronavírus” como as distintas apropriações urbanas ocorreram durante o isolamento social e na reabertura e as perspectivas do pós-pandemia.
Doralice Barros Pereira, Waleska Teixeira Caiaffa e Veneza Berenice de Oliveira, em seu artigo “Saúde e espaço urbano: entrelaces de saberes em contexto de pós-graduação”, abordam experiências e reflexões a partir de uma disciplina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na qual se articulam três programas de pós-graduação: Geografia, Saúde Pública e Arquitetura. As autoras debatem questões relativas ao viver na cidade em suas implicações na saúde da população, buscando constituir referências de enfrentamento das iniquidades e de suas consequências, a partir de uma abordagem holística.
No primeiro dos textos complementares, com base em pesquisa histórica, Patricia Capanema Alvares Fernandes analisa as origens do padrão peculiar de segregação socioespacial em Belo Horizonte (MG), no artigo “The foundation of Belo Horizonte: order, progress and hygiene, but not for all”.
No artigo “Governança metropolitana e política de saneamento: trajetórias dependentes na Grande São Paulo”, Marcelo Aversa e Vanessa Elias de Oliveira utilizam os conceitos de path dependence e critical juncture às relações intergovernamentais para a análise das relações interdependentes entre o estado de São Paulo e os municípios da Região Metropolitana de São Paulo na provisão de serviços de saneamento.
Ronie Cleber de Souza e Humberto Miranda analisam a ampliação da influência regional do município potiguar de Pau dos Ferros, nas primeiras décadas do século XXI, no artigo “Influência do gasto público no fortalecimento da centralidade de Pau dos Ferros/RN”.
Em análise construída a partir de levantamento bibliográfico e documental, Alexandre Sabino do Nascimento e Caline Mendes de Araújo discutem a apropriação da abordagem dos riscos socioambientais e da resiliência pela agenda urbana neoliberal em escala global no artigo “Narrativas sobre riscos naturais e resiliência na construção da agenda urbana global neoliberal”.
No artigo “Ocupações urbanas como repertório confrontacional dos movimentos de luta por moradia”, Thêmis Amorim Aragão, Ana Carolina Maria Soraggi e Filipe Souza Corrêa analisam a relevância das ocupações urbanas com estratégia dos movimentos de luta por moradia no atual contexto de inflexão ultraliberal.
Rafael de Paula Aguiar Araújo, Claudio Luis de Camargo Penteado e Marcelo Burgos Pimentel dos Santos, no artigo “Participação política e Laboratórios de Inovação Cidadã: estudo dos CitiLab e MediaLab Prado na Espanha”, abordam as experiências de dois Laboratórios de Inovação Cidadã na promoção da cidadania e da gestão urbana na Espanha.
No artigo “Formação heterogênea da paisagem e experiências urbanas no bairro Floresta, Porto Alegre/RS”, Luiz Henrique Apollo e Vitoria Gonzatti de Souza analisam as relações entre processos sociais e espaços materiais em um bairro da capital gaúcha.
A Revista Cadernos Metrópole surgiu em 1999 como um dos principais produtos do Observatório das Metrópoles e tem como principal objetivo difundir os resultados da análise comparativa entre as metrópoles brasileiras. A revista é produzida em parceria com a EDUC (Editora da PUC-SP). Conheça a história do nosso periódico nesse post da Scielo (clique aqui).