Acessibilidade do PMCMV no Rio de Janeiro: crise de mobilidade e segregação urbana
O programa Minha Casa, Minha Vida tem sido implantado sem conexão com estratégias de desenvolvimento urbano e de mobilidade sustentáveis, repetindo desse modo as condições de crescimento periférico e fragmentação urbana vigentes nas cidades brasileiras. A conclusão faz parte dos resultados da pesquisa de José Renato Barandier Junior (COPPE/UFRJ) que analisou as condições de acessibilidade oferecidas pelo PMCMV à população de baixa renda no município do Rio de Janeiro, a partir de variáveis como tempo de acesso ao transporte público e a relação com as principais oportunidades urbanas. O estudo utiliza ferramentas de georreferenciamento para mostrar as distâncias entre os empreendimentos do PMCMV e a rede pública de transportes.
A dissertação “Acessibilidade da população alvo do programa habitacional para baixa renda na cidade do Rio de Janeiro” foi defendida por José Renato da Gama Barandier Junior, com orientação da professora Milena Bodmer, no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ). A banca de defesa contou com a participação do professor Adauto Lúcio Cardoso, do INCT Observatório das Metrópoles, que elogiou o trabalho afirmando que se trata de uma importante contribuição para os estudos sobre habitação social correlacionados com planejamento urbano e mobilidade urbana.
De acordo com José Renato Barandier, como forma de avaliar a acessibilidade da população alvo do programa Minha Casa, Minha Vida foi realizado um estudo de caso na Cidade do Rio de Janeiro, onde 57 mil moradias licenciadas no âmbito do programa foram analisadas utilizando ferramentas de georreferenciamento, considerando a rede atual de transporte público e a localização das moradias. Essas moradias foram classificadas em três categorias, em função do nível de renda da população atendida. “Na análise foi considerado o tempo de acesso ao transporte público e a relação com as principais oportunidades urbanas. Em seguida, a mesma análise foi feita em relação à futura rede e os resultados das duas situações comparadas, com vistas a identificar o alcance do legado gerado pelos investimentos para ano de 2016”, explica.
Habitação e mobilidade: solução conjunta
Nos últimos anos a preocupação com a mobilidade urbana tem sido crescente por parte do Governo Federal, que, através de iniciativa do Ministério das Cidades, lançou uma série de publicações que apresentaram oficialmente o conjunto das propostas de políticas setoriais de desenvolvimento urbano pretendidas pelo Ministério. Entre elas, foi apresentada a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, que demonstrou uma mudança na abordagem das políticas de transporte urbano por parte do Governo Federal.
Os princípios nos quais a Política se orienta são: i) integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento, planejamento e gestão do uso do solo; ii) prioridade dos modos sustentáveis sobre o individual motorizado; iii) integração entre os modos; iv) mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos; v) incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de fontes renováveis de energia; vi) priorização de projetos de transporte público estruturadores do território e indutores do desenvolvimento urbano integrado; e vii) integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países.
No campo da habitação, o Governo Federal parte da premissa de que o acesso à moradia regular é condição básica para garantir a melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda. O Programa “Minha Casa, Minha Vida” tem como objetivo reduzir o déficit habitacional, através da criação de mecanismos de incentivo à produção e à aquisição de novas unidades habitacionais para famílias de baixa renda. Segundo o Ministério das Cidades (2009), o déficit habitacional estimado em 2007 é de 6,273 milhões de domicílios, sendo que 82,6% estão localizados nas áreas urbanas. Isso demonstra que a maior parte da população alvo do programa continuará ou passará a vivenciar os problemas de mobilidade urbana.
Nesse contexto, o Programa “Minha Casa, Minha Vida” deveria servir como uma oportunidade para a integração das políticas de habitação, de programas urbanos e de transporte e mobilidade, como preconizam as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Ambos são de competência do Ministério das Cidades, que foi criado justamente para superar o recorte setorial da habitação, do saneamento e dos transportes (mobilidade urbana sustentável) e trânsito para integrá-los levando em consideração o uso e a ocupação do solo.
Dessa forma, segundo José Renato Barandier, o trabalho consiste em avaliar o programa “Minha Casa, Minha Vida”, criado sem conexão com estratégias de desenvolvimento urbano e de mobilidade sustentáveis. Ao ser oferecido dessa forma, o “Minha Casa, Minha Vida” repete a prática do modelo de urbanização sem compromisso com a sustentabilidade, reproduzindo as condições de crescimento periférico e fragmentação urbana, criando impactos geradores de deseconomias urbanas e aumentando os custos sociais através do modelo vigente de circulação.
Estudo de caso: cidade do Rio de Janeiro
A escolha da Cidade do Rio de Janeiro como unidade de estudo se deve, primeiramente, à facilidade de coleta de dados específicos para cada subunidade de análise e sobre a cidade como um todo. Além disso, considerando a dimensão geográfica do país e a complexidade da questão habitacional agravada pelos aglomerados urbanos, é relevante estudar o município com a segunda maior população e a segunda maior economia do país. Por fim, as nove principais Regiões Metropolitanas (RM) brasileiras representavam 29,6% do déficit habitacional existente no país em 2007, sendo que a RM do Rio de Janeiro possui a segunda maior concentração, com 6,0% de participação no total do déficit habitacional brasileiro, de acordos com os dados do Censo 2010.
Segundo os dados do PMCMV na Cidade do Rio, levantados entre o lançamento em 2009 e o final de 2011, verificou-se que a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) emitiu 272 licenças de construção para empreendimentos enquadrados no Programa, somando um total de 58.680 unidades licenciadas em 44 dos 160 bairros da Cidade (ver Mapa 1).
O poder público foi o responsável direto pelo licenciamento de 5.183 unidades PMCMV, destinadas a projetos habitacionais da Prefeitura e do Governo do Estado em oito bairros. Os outros 91% das unidades foram licenciados por empreendedores privados.
O levantamento mostra que, desse total, 778 unidades se localizam na AP 1 (Área Central), 48 se localizam na AP 2 (Zonas Norte e Sul), 11.367 se localizam na AP 3 (Zona Suburbana), 7.481 se localizam na AP 4 (Região da Barra e Jacarepaguá) e 39.006 se localizam na AP 5 (Zona Oeste). Percebe-se ainda que entre os bairros com empreendimentos PMCMV, doze deles representam 82% das unidades licenciadas, sendo sete pertencentes à AP 5, três à AP 3 e dois à AP4. Enquanto dois bairros da AP 5, Campo Grande e Santa Cruz, concentram 51% do total de unidades PMCMV licenciadas na Cidade do Rio, os bairros da AP 1 e da AP 2 representam 1,4% do total.
Portanto, verifica-se que a produção de habitações do PMCMV na Cidade do Rio está concentrada na Área de Planejamento 5 (grande parte da Zona Oeste carioca), onde se localizam 66,5% das unidades licenciadas. Dentre as Áreas de Planejamento do município, esta é a mais afastada da área central e que apresenta os piores indicadores de infraestrutura, acessibilidade e oferta de trabalho, ao passo que as regiões centrais, AP 1 e AP 2, contribuem juntas com menos de 1,5% das unidades licenciadas para o PMCMV.
Na Cidade do Rio, 40% das unidades PMCMV licenciadas se destinam ao segmento de “interesse social”, aquele cujo rendimento mensal é de até 3 SM, enquanto os 60% restantes são destinados ao “segmento econômico”, porém há diferenças significativas no perfil de enquadramento por faixa de renda das licenças emitidas. Ao desagregar seus valores, constata-se que das unidades licenciadas na AP 5, pouco menos da metade está direcionada à famílias com renda até 3 SM, 33,5% são para famílias com renda entre 3 e 6 SM e apenas 19,3% são para famílias com renda entre 6 e 10 SM. Todas outras Áreas de Planejamento, que possuem melhores indicadores, têm mais da metade de suas unidades destinadas à famílias enquadradas na faixa de maior renda.
Última modificação em 22-11-2012 15:17:56