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Jonathan Seronato¹
Olga Lúcia Castreghini de Freitas-Firkowski²
Rosa Moura³

Passada a euforia do primeiro turno das eleições municipais de 2020, é chegado o momento de refletir sobre os resultados das urnas e entender o que estes revelaram sobre o cenário político na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Em primeiro lugar, vale ressaltar que das cinco cidades paranaenses com mais de 200 mil eleitores, Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel e Ponta Grossa, apenas nesta última haverá o segundo turno. Na capital, Curitiba, conforme o esperado, reelegeu-se o prefeito Rafael Greca (DEM) com aproximadamente 60% dos votos válidos.

Observa-se, ainda, relevante alteração no mapa dos partidos eleitos por município da RMC, apontando para os casuísmos dos candidatos e seu alinhamento ao governo estadual.

A dança dos partidos

Analisando as propostas de governo apresentadas pelos postulantes eleitos, é possível constatar que as ideias são parecidas, denotando que muitas foram criadas sob medida e de forma genérica, algo que no mundo da moda seria chamado de “prêt-à-porter” (pronto para vestir).

Se no âmbito nacional o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não despontou como um forte cabo eleitoral, no Paraná e, mais especificamente, na Região Metropolitana de Curitiba, o governador do estado, Ratinho Junior (PSD), conseguiu eleger praticamente todos os prefeitos que apoiou. O PSD, partido do governador, elegeu 128 prefeitos entre os 399 municípios do estado, sendo que na Região Metropolitana de Curitiba, foram 10 chefes do poder executivo municipal (Figura 1). Se fez seguir pelo DEM (3 prefeituras, incluindo Curitiba), Republicanos (3), PSL (3), Cidadania (2), MDB (2), PDT (2), PP (2), PROS (1) e PSC (1). Entre os prefeitos eleitos estão três mulheres: Nina Singer (Cidadania), em São José Pinhais, Marli Paulino (PSD), reeleita em Pinhais, e Karime Fayad (Republicanos), em Rio Branco do Sul.

Figura 1 – RMC: mapa dos partidos 2020. Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaborado pelos autores (2020).

Esses resultados, ao se comparar com o mapa das eleições municipais de 2016, evidenciam o quão fisiológica é a política paranaense na esfera municipal haja vista que, sob o discurso de garantir recursos, os candidatos migram de partidos de acordo com o governador em exercício: em 2016, apenas os municípios de Campo Magro e Itaperuçu elegeram prefeitos filiados ao PSD. Aqueles que esperavam uma renovação política na região não viram isso acontecer nas eleições municipais de 2020, uma vez que dos 29 gestores municipais, 10 foram reeleitos. Vale ressaltar que, após um hiato de quatro anos, ex-prefeitos voltarão ao poder a partir do próximo ano: Loreno Tolardo (Quatro Barras, PSD), Neneu Artigas (Itaperuçu, PDT) e Gringo (Tijucas do Sul, PP).

Se nas eleições de 2016 elegeram-se alguns outsiders na política nacional, como é o caso do empresário João Doria (PSDB), que se elegeu prefeito de São Paulo, na Região Metropolitana de Curitiba não foi diferente. Naquele ano, dois empresários sem qualquer experiência no executivo municipal, Hissam (então PPS e hoje Cidadania) e Casagrande (PSD) tornaram-se respectivamente prefeitos de Araucária e Campo Magro.

Entre os prefeitos eleitos em 2016 como outsiders, e que não conseguiram se reeleger, estão Júnior da Farmácia (Bocaiúva do Sul), Toninho Fenelon (São José dos Pinhais), Maria Julia (Quitandinha), Cesar Matucheski (Tijucas do Sul), Hélio Guimarães (Itaperuçu) e Loir Dreveck (Piên), este não chegou a concorrer à reeleição uma vez que fora assassinado ainda em 2016. Vale salientar também que candidatos que, outrora filiados a partidos de esquerda ou centro-esquerda, com medo da rejeição, mudaram de legenda para se candidatar à prefeitura, como foi o caso da prefeita de Pinhais, Marli Paulino, que era do PDT e mudou para o PSD, de Valdir Veterinário, que em 2016 foi eleito vice-prefeito de Adrianópolis pelo PT e migrou para o PSD, além, é claro, do próprio prefeito de Curitiba, Rafael Greca, eleito pelo nanico PMN e que, após a minirreforma eleitoral, filiou-se ao DEM para não perder tempo de televisão e verba do fundo partidário.

Nas eleições municipais de 2020, podemos dizer que os partidos derrotados foram: o MDB, uma vez que há quatro anos ocupava 10 prefeituras na Região Metropolitana de Curitiba e hoje conta com apenas duas; o PSDB, que não teve nenhum gestor municipal eleito em 2020 e antes tinha sete, e o PSC, que antes governava quatro municípios e agora, apenas Mandirituba (Figura 2).

Figura 2 – RMC: mapa dos partidos 2016. Fonte: Tribunal Superior Eleitoral.Elaborado pelos autores (2020).

Sobre esses acontecimentos, é possível fazer inúmeras análises. Uma delas é o fato de que o PSDB não é mais o partido que governa o Paraná que, após quase oito anos de gestão tucana com Beto Richa, passou a ser comandado pelo PSD e, consequentemente, a legenda perdeu importância nos corredores do Palácio Iguaçu, sede do executivo estadual. Por outro lado, em 2016 o então deputado estadual Ratinho Junior era o presidente estadual do PSC e foi recrutado por Beto Richa para comandar a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas, fazendo com que a legenda atraísse candidatos à prefeituras. Posteriormente, esses postulantes migraram para o PSD, juntamente com Ratinho Junior, que viria concorrer e se eleger à vaga de chefe do executivo estadual em 2018.

Em vista desses sucessivos rearranjos partidários, as eleições municipais de 2020 são um prenúncio do próximo pleito que, desde já, tem o governador Ratinho Junior como franco favorito a se reeleger ao cargo de governador do estado, e que já constrói um palanque político para 2022. A esquerda, por sua vez, não se mostrou forte o bastante para conter o avanço da direita na Região Metropolitana, inclusive nos municípios do Vale do Ribeira (Adrianópolis, Bocaiúva do Sul, Cerro Azul, Doutor Ulysses, Itaperuçu, Rio Branco do Sul e Tunas do Paraná) que historicamente costumavam votar em políticos à esquerda.

Mesmo assim, a segunda colocação conquistada pelo PDT em Curitiba mostra que as forças de oposição seguem vivas e se renovam. O que era esperado e que passou longe de se confirmar foi uma ascensão da extrema direita, pois o presidente Jair Bolsonaro não conseguiu emplacar candidatos a ele associados, tendo dado motivos também a que o “lavajatismo” não se manifestasse abertamente nas campanhas da capital e região metropolitana. Mesmo assim, o nome do juiz Sergio Moro, em associação com o representante “global” Luciano Huck, povoa o imaginário da centro-direita curitibana, como possíveis ocupantes do Palácio do Planalto.

Propostas recicladas

Se por um lado a grande maioria dos planos de governo dos prefeitos eleitos não trata de questões que afetam a realidade da população, como a coleta seletiva, a crise hídrica e a economia pós-COVID-19, pode-se dizer que muitas das propostas apresentadas acompanham o fisiologismo partidário e, portanto, poderiam ser apresentadas em qualquer município. Os novos chefes do executivo municipal de Adrianópolis, Almirante Tamandaré, Araucária, Bocaiúva do Sul, Campo Largo, Dr. Ulysses, Piên e Rio Negro não fazem nenhuma referência sobre a articulação desses municípios com as cidades vizinhas, tampouco mencionam a cidade de Curitiba e o contexto metropolitano.

Desintegrado em 2015, o transporte público na região metropolitana de Curitiba é destaque em algumas das propostas dos prefeitos eleitos, mas sem muitas novidades, como é o caso da construção de terminais urbanos nos municípios de Campo Magro, Itaperuçu e Rio Branco do Sul, que há anos se colocam como tema nas promessas de campanha, mas nunca saíram do papel.

O nível dos reservatórios de água de Curitiba continua baixo, isso devido à crise hídrica pela qual o Paraná vem sofrendo em 2020. Contudo, os postulantes não apresentaram propostas de soluções a fim de mitigar seus impactos. Quatro Barras, por exemplo, é um dos municípios inseridos na Bacia do Alto Iguaçu e responsável pelo abastecimento de água de grande parte da Região Metropolitana, no entanto, o prefeito eleito, Loreno Tolardo (PSD), nada menciona sobre os reservatórios em seu plano de governo. Em contrapartida, sugere a criação do Parque dos Dinossauros que, segundo o plano de governo, viria a ser um espaço disponibilizado pela prefeitura que conteria réplicas de dinossauros em tamanho real.

A nova representante de Rio Branco do Sul, Karime Fayad (Republicanos), propõe viabilizar um parque industrial a fim de que as receitas do município não sejam oriundas apenas da agricultura. Toma como exemplos os municípios de Fazenda Rio Grande, que atraiu a Matte Leão (Coca-Cola), e de São José dos Pinhais, com a instalação da fábrica da Volkswagen/Audi.

Além de Fayad, que sugere o turismo nas cachoeiras e grutas de Rio Branco do Sul, os novos chefes do executivo municipal da Lapa, Piraquara e Tijucas do Sul, pretendem aproveitar as potencialidades da região para atrair turistas. Como Diego Ribas (PSD) que propõe explorar a crescente demanda do turismo pedagógico na cidade da Lapa, com a criação de atrações didáticas para que escolas de outros municípios possam visitar e conhecer a cidade histórica paranaense.

Uma vez que Curitiba concentra a maioria das instituições de ensino superior, quanto mais distantes da metrópole, menor o índice de universitários nessas cidades. Entretanto, são poucos os que tomam como exemplo Mandirituba, que dispõe de um projeto que oferece transporte gratuito àqueles que estudam na capital.

Reprises curitibanas

Confirmando as pesquisas eleitorais divulgadas antes do pleito, os curitibanos renovaram os votos em Rafael Greca (DEM) que, pela terceira vez, comandará a capital do estado. Timidamente, alguns dos candidatos do conjunto de partidos da esquerda/centro esquerda marcaram posição, mas não conseguiram impedir a reeleição de Greca já no primeiro turno.

Apesar de ter administrado Curitiba em outros momentos, como por Jaime Lerner, na gestão 1989-1993, com Gustavo Fruet, 2013-2016, não se reelegendo, e inclusive com o próprio Rafael Greca, entre 1993 e 1996, o PDT se colocou como uma alternativa ao modelo atual de gestão. Fruet, embora tenha vencido a disputa interna no partido para ser o candidato às eleições de 2020, desistiu alegando dificuldades na obtenção de recursos para a campanha e, de última hora, o partido convocou o deputado estadual Goura, representante da ala jovem do PDT que, por sua vez, terminou em segundo lugar na disputa, com 13,26% dos votos válidos. Chama a atenção que o deputado estadual e candidato à prefeitura, Fernando Francischini (PSL), tido inicialmente como um dos favoritos, amargou a terceira colocação do pleito municipal com 6,26%, indicando que, apesar de ter sido eleito em 2018 para a Assembleia Legislativa do Paraná com o discurso de extrema-direita, ter apoiado e eleito o filho Felipe Francischini (PSL) como deputado federal pelo Paraná, e de usar o nome do presidente Jair Bolsonaro como apoiador nas peças publicitárias divulgadas nos meios de comunicação, não seduziu o eleitor curitibano. Esse apoio acabou funcionando na direção contrária, como ocorreu em várias campanhas municipais no país.

O quadro final dos resultados registrou um total de 942.467 votos, sendo 836.509 (88.76%) válidos, pois não computa os obtidos pelo candidato do PCO, Diogo Furtado que se encontrava sub judice. Os votos brancos foram 47.055 (4.99%), os nulos 58.780 (6.24%) e as abstenções alcançaram 407.421 (30.18%). Esse elevado grau de abstenção foi recorde no município, que em 2016 atingiu 16,44%. Pandemia? Desencanto com os rumos da política? O que manteve tão grande contingente de eleitores em casa?

Rafael Greca, com 59,7% dos votos (Quadro 1), obteve votação superior a 50% em todas as dez zonas eleitorais de Curitiba. Goura, com 13,3% dos votos, foi o segundo mais votado em nove das dez zonas eleitorais. A distribuição dos votos entre candidatos de esquerda/centro esquerda e direita/centro direita, puxada pela elevada votação de Greca, também mostrou uma tendência majoritária de direita em Curitiba, contemplando 82,7% dos votos. As seis mulheres candidatas somaram apenas 9,5% dos votos, mostrando a incipiência de uma liderança feminina na cidade.

Quadro 1 – Resultados das eleições para prefeito de Curitiba – 2020. Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaborado pelos autores (2020).

Embora tudo pareça extremamente conservador, padronizado e se expresse em reprises, estas eleições em Curitiba sinalizaram notáveis mudanças. A começar pelo elevado número de candidatas mulheres, entre elas uma trans, Leticia Lanz, pelo PSOL, única candidata transgênero à prefeita em capitais no Brasil. Outras novidades foram percebidas na composição da Câmara de Vereadores, sinalizando que a incipiência da liderança feminina atual pode estar na iminência de uma mudança. Entre as três candidaturas com o maior número de votos, duas eram mulheres: Indiara Barbosa, do NOVO, em primeiro lugar e, em terceiro, Carol Dartora, PT, que é a primeira vereadora negra da cidade. Além de Dartora, o PT elegeu mais um candidato negro, Renato Freitas, que junto ao também negro Herivelto Oliveira, do Cidadania, passam a compor a nova bancada. Outras cinco mulheres também foram eleitas entre os 38 vereadores que compõem o legislativo municipal. Anote-se que desses, 20, com mandato na atual legislatura foram reeleitos, com uma renovação de apenas 18 cadeiras.

Considerações finais

A dependência dos municípios da Região Metropolitana de Curitiba com o polo é um fenômeno antigo e o fim da integração do transporte público em 2015 tornou isso ainda mais evidente. Entretanto, uma das formas para reverter esse cenário seria o desenvolvimento de políticas públicas em conjunto entre os municípios. Mas a julgar pelos planos de governo apresentados pelos/as prefeitos/as eleitos/as isso está muito distante de acontecer, haja vista que a grande maioria sequer considerou dialogar com as cidades vizinhas a fim de mitigar problemas comuns, fundamentalmente a gestão dos resíduos sólidos, o enfrentamento da crise hídrica atual, a economia pós-COVID-19, o aumento da violência e a falta de moradias.

Historicamente, as eleições municipais costumam ser um teste de popularidade do presidente da República, do governador do estado e até mesmo da influência do prefeito da cidade polo na região metropolitana. No caso da Região Metropolitana de Curitiba, apesar de o governador e o presidente terem sido eleitos em 2018 com o discurso de que era preciso que as gestões fossem mais técnicas, acabando como “toma-lá-dá-cá”, mostraram à população o abismo entre as promessas de campanha e a realidade, e para governar, tanto Bolsonaro quanto Ratinho Junior precisaram buscar aliados em outras legendas, trocando apoio por cargos ou recursos. O “velho modo de governar” se confirmou inalterado.

Ratinho Junior mostrou-se como o principal cabo eleitoral em todo o estado, ao contrário de Jair Bolsonaro que aqui, assim como em outras cidades do país, não conseguiu emplacar candidatos às eleições municipais. Apesar do segundo mandato de Rafael Greca (DEM) só começar em janeiro do ano que vem, já foi iniciada a disputa para quem terá o apoio do DEM em 2024.

Ao mesmo tempo, a esquerda ainda não construiu um nome competitivo o bastante para enfrentar o candidato que representará o modelo hegemônico, bem como a extrema-direita que, apesar de barulhenta nas redes sociais, não conseguiu emplacar Fernando Francischini e Marisa Lobo nas eleições de 2020 e dificilmente terá fôlego para daqui a quatro anos.

Enquanto Curitiba prossegue na reprise anunciada de seu modo de governar a cidade, tendo a integração com os demais municípios da região apenas como uma intenção, nos demais municípios se repete o mesmo movimento de apoio e dependência em torno do governador do estado, seja ele quem for e de que partido for. A presença dessas duas lideranças no território da Região Metropolitana transforma a gestão metropolitana em uma arena de disputas, na qual as possibilidades de cooperação, e mesmo de negociação, tornam-se difíceis, prevalecendo grandes embates entre os interesses do polo e dos demais municípios, associados aos do governador. Foram poucos os interstícios de gestão nos quais as duas esferas de governo se articularam, como também foram poucos os municípios que escaparam a esse jogo de poder, e entre eles, alguns, pontualmente, sobressaíram-se com propostas inovadoras. Pode-se antever que assim prosseguirá a gestão nos próximos anos na Região Metropolitana de Curitiba.

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¹ Pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba.

² Professora do Departamento de Geografia da UFPR. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba.

³ Pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e vice-coordenadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba.