Jonathan Seronato¹
Olga Lúcia Castreghini de Freitas-Firkowski²
Rosa Moura³
Ainda presente no imaginário social como cidade modelo, Curitiba se prepara para eleger o prefeito para os próximos quatro anos. Além do atual prefeito, Rafael Greca (DEM), que busca em 2020 a reeleição, há outros 15 candidatos que, por sua vez, apresentam uma maneira única de encarar as problemáticas e as demandas da cidade. Se no âmbito federal a polarização política tomou conta do debate eleitoral, a capital paranaense não escapou desse cenário e isso se refletiu nas propostas apresentadas.
Esse texto, baseado no conteúdo das propostas dos candidatos à prefeitura de Curitiba, tem por objetivo compreender a perspectiva dos candidatos em face de alguns temas de interesse da rede Observatório das Metrópoles, em especial, aqueles relativos às questões metropolitanas e ao direito à cidade.
A polarização observada no contexto nacional se reproduz em Curitiba, berço da “operação Lava Jato” e do decorrente movimento denominado de lavajatismo, e nomeada, por setores da direita, de “república de Curitiba”. Candidatos à direita abraçaram as cores verde e amarelo para a identidade visual das propostas de governo, além das bandeiras que, de certa forma, ajudaram a eleger Jair Bolsonaro à presidência da República em 2018, como o combate à violência, valorização da família, combate à corrupção e o neoliberalismo.
Por outro lado, os postulantes à esquerda fizeram as mesmas críticas dos pleitos anteriores, além de atentar-se a questões como meio ambiente, gênero e fortalecimento de políticas públicas voltadas às áreas de maior vulnerabilidade social, não que os candidatos da direita não tenham feito, mas estes deram maior ênfase a tais discussões.
Entretanto, no que diz respeito às proposições voltadas à realidade metropolitana e para que a análise das propostas de governo fosse mais minuciosa e abrangente, nos preocupamos em observar as propostas sob o viés ideológico (direita e esquerda), e sob a perspectiva de duas dimensões essenciais para a agenda de pesquisa da rede Observatório das Metrópoles, respectivamente a integração metropolitana e a atenção aos segmentos vulneráveis e a garantia dos direitos aos cidadãos e do direito à cidade.
Para tanto, estabelecemos que candidatos de direita e centro-direita são:
- Carol Arns (Podemos);
- Christiane Yared (PL);
- Fernando Francischini (PSL);
- João Arruda (MDB);
- João Guilherme de Moraes (NOVO);
- Marisa Lobo (AVANTE);
- Rafael Greca (DEM); e
- Zé Boni (PTC).
Enquanto os de esquerda e centro-esquerda são:
- Camila Lanes (PCdoB);
- Diogo Furtado (PCO);
- Eloy Casagrande (REDE);
- Goura (PDT);
- Letícia Lanz (PSOL);
- Paulo Opuszka (PT); e
- Samara Garratini (PSTU).
A expectativa é compreender se as pautas dos candidatos oriundos de vertentes tão distintas possuem convergências ou não, do ponto de vista dos temas acima mencionados, bem como onde se situam propostas inovadoras em face dos temas prioritários.
Partindo-se da compreensão de que a dinâmica metropolitana requer políticas integradas e que ultrapassem as fronteiras municipais, o tema da integração metropolitana nos parece prioritário para a viabilização de políticas públicas numa metrópole como Curitiba.
Mencionada nas propostas de governo da maioria dos candidatos e com aquele sentimento de reprise, a integração metropolitana toma um lugar de destaque e cada postulante tem um olhar singular sobre o assunto. Embasado no Estatuto da Metrópole (Lei Federal nº 13089/2015), o texto apresentado pela candidata Carol Arns (PODEMOS), enfatiza o planejamento, a gestão e a execução de políticas públicas em áreas de interesse comum, destacando o investimento no transporte público. Sobre a integração de Curitiba com municípios vizinhos, Fernando Francischini (PSL) afirma que é necessário discutir uma visão estratégica para Curitiba e região a fim atender as demandas da população de modo que evite “o contínuo ‘inchaço’ no município-polo”, como, por exemplo, fortalecer a rede integrada de transporte público metropolitano com tarifas mais baixas. Além disso, Francischini pretende criar uma Rede Metropolitana de Ciclovias que ligaria Curitiba, São José dos Pinhais e Pinhais, capaz de incentivar o transporte cicloviário.
João Arruda (MDB) é o outro postulante à direita que coloca o transporte público como elemento-chave da integração metropolitana como, por exemplo, sugere a criação da Companhia Metropolitana de Transporte com a participação da URBS, sugerindo também a implantação e desenvolvimento de um terceiro anel viário que perpassaria pelos limites metropolitanos, ligando-o aos centros comunitários, como uma forma de desafogar o trânsito. Representando a continuidade do modelo vigente e buscando a reeleição, o prefeito Rafael Greca (DEM) propõe a criação do Sistema Integrado de Mobilidade Metropolitano que contemplará todos os modais, inclusive a pé.
Cabe lembrar que o tema do transporte público remete à referência construída pelo processo de planejamento urbano em Curitiba, como símbolo de modelo de eficiência. Portanto, praticamente nenhuma novidade em termos da proposição de novas soluções e alternativas requeridas pela realidade atual.
Ainda sobre mobilidade urbana e integração metropolitana, Carol Arns e Rafael Greca importam o conceito de Mobility as a Service, serviço que, segundo eles, levaria à população maior praticidade no pagamento, escolha do modal de transporte, definição de percurso, dentre outras funcionalidades. Entretanto, não mencionam se essa suposta facilidade acarretaria na demissão de mais cobradores e motoristas, uma vez que diminuiria a demanda pelo pagamento da tarifa em dinheiro e, consequentemente, desobrigando as empresas a manter os cobradores no quadro de funcionários.
Christiane Yared (PL) trata da integração de Curitiba com os demais municípios da região metropolitana por meio do fortalecimento de festas folclóricas e carnaval, por exemplo, o que, na prática da vida cotidiana, não acrescenta qualquer impacto positivo.
No movimento da direita para a esquerda, os postulantes afirmam que não é possível analisar e planejar a capital paranaense de forma isolada, uma vez que decisões tomadas em Curitiba afetam diretamente parte dos municípios da Região Metropolitana, sobretudo aqueles que com Curitiba compõem o espaço metropolitano em razão da estreita relação de dependência como nas questões ambientais e sanitárias (destinação de resíduos sólidos, abastecimento de água, produção de alimento e nas relações de trabalho e moradia). Para tanto, Camila Lanes (PCdoB), Carol Arns (PODEMOS), Fernando Francischini (PSL), Goura (PDT), João Arruda (MDB) Letícia Lanz (PSOL), Paulo Opuszka (PT), Rafael Greca (DEM) e Zé Boni (PTC) reafirmam a importância do trabalho em conjunto com outras prefeituras.
Goura (PDT) sugere o fortalecimento de políticas voltadas à gestão das águas na escala metropolitana a fim de evitar que a região sofra com a crise hídrica como a que está ocorrendo em 2020 e a criação de um plano de Ação Climática, em parceria com os municípios da RMC, universidades e outras instituições de pesquisa, para mitigar e buscar a adoção de práticas que prevejam medidas de superação dos desafios relacionados ao enfrentamento das mudanças climáticas. Embalado com a pandemia do coronavírus, o candidato do PDT sugere também o estabelecimento de um protocolo integrado a Região Metropolitana de Curitiba de prevenção de contaminação de vírus potencialmente letais. Na área do meio ambiente, Letícia Lanz (PSOL) propõe a construção integrada de um plano de manejo nas áreas próximas aos reservatórios de água que abastecem a metrópole.
Curitiba é uma cidade que vai além daquela construída no imaginário social e dos cartões postais e convive diariamente com a desigualdade. Em 2020, alguns candidatos propuseram ações a fim de mitigar os problemas que perduram na capital paranaense há décadas no âmbito do direito à cidade.
Para Carol Arns (PODEMOS), é importante que o transporte coletivo seja mais rápido, conectado e propõe a tarifa social, de modo que o mesmo seja mais acessível à população mais carente, isentando os usuários de pagar a passagem nas linhas dos polos geradores de viagens, linhas de interesse público e linhas em áreas para prioridades sociais (maior incidência de violência e com maior vulnerabilidade social).
Dentre uma série de propostas voltadas ao meio ambiente, Eloy Casagrande (REDE) sugere a implantação da proposta Meu Bairro, que vem a ser um programa de requalificação desses locais e que visa impulsionar o desenvolvimento dos bairros das periferias com sistemas de esgoto alternativo, bem como acabar com o isolamento das periferias. Segundo ele, a ideia é ter como projetos-piloto as ocupações de CIC (Nova Primavera, Tiradentes, 29 de Março e Dona Cida) e, posteriormente, aplicar para as demais áreas de Curitiba. Outro ponto-chave das propostas de governo de Casagrande é a criação do Programa de Unidades de Inovação Social (UNIS) que estarão localizadas em áreas de terrenos ociosos e/ou em vazios urbanos próximos a locais de risco e cursos de água.
Sobre a questão urbana, Francischini (PSL) apresenta um modelo colaborativo para a reurbanização nas áreas carentes, no qual as empresas de construção civil poderão ser contratadas desde que empreguem trabalhadores do próprio local em que vivem. Quando o assunto é moradia, Goura (PDT) propõe criar o Setor Especial de Habitação de Interesse Social (SEHIS) de Vazios que além de efetuar o mapeamento de terrenos subutilizados com potencial para construção de moradias, dará preferência às áreas centrais e mais valorizadas de Curitiba o que, de acordo com o postulante, garantiria maior diversidade de classes sociais em um mesmo local.
Por fim, o candidato do PT e professor universitário Paulo Opuszka revela que, caso eleito, criará a Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano que será responsável por formular diretrizes e executar políticas públicas de regularização fundiária e desenvolvimento urbano, além de elaborar um Plano Municipal de Habitação e definir projetos prioritários na cidade e destinação orçamentária.
Desse modo, observa-se nas propostas poucas novidades. Reafirma-se o papel do transporte como elemento-chave da integração, de fato o é, contudo, poucas novidades foram observadas nesse campo, em especial a ausência de propostas mais robustas em termos de novos modais a serem implementados. Segue o ônibus como única alternativa, além de pontuais inserções da ciclomobilidade.
É nas candidaturas de esquerda e centro-esquerda, como esperado, que se situam algumas propostas mais inovadoras quando se pensa no direito à cidade, com políticas para vazios urbanos e regularização fundiária.
Tendo em vista os resultados da última pesquisa de intenção de votos (IBOPE, divulgada em 22/10/2020), o quadro aponta para a reeleição do atual prefeito, Rafael Greca (DEM), com 46% das intenções de voto, seguido por Fernando Francischini (PSL), com 8%, Goura (PDT), com 8% e Christiane Yared (PL), com 5%. Portanto, as perspectivas de uma visão mais arrojada sobre as questões metropolitanas e o direito à cidade, seguem à deriva e não oferecem qualquer sinalização de mudanças que resultem numa cidade mais inclusiva e em direção à construção de uma cidadania metropolitana.
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¹ Pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba.
² Professora do Departamento de Geografia da UFPR. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba.
³ Pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e vice-coordenadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba.