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MARACANÃ: por uma gestão pública e democrática

By 14/11/2012janeiro 11th, 2018Notícias

MARACANÃ: por uma gestão pública e democrática

Por Breno Procópio, Assessor de Comunicação do Observatório das Metrópoles

O projeto de reforma do Maracanã apresentado pelo Governo do Rio de Janeiro já consumiu cerca de R$ 800 milhões de recursos públicos, e prevê ainda a demolição do Estádio Célio de Barros, do Parque Aquático Júlio de Lamare, do antigo Museu do Índio, além da Escola Municipal Freidenreich. Tudo isso será feito para repassar à iniciativa privada, via concessão, a gestão do estádio pelos próximos 35 anos. Durante audiência pública, na última quinta-feira (08/11), movimentos sociais, professores, atletas, torcedores, indígenas, parlamentares e cidadãos comuns se juntaram para protestar contra a posição arbitrária do governo do estado, exigindo uma gestão pública e democrática para o maior estádio do Brasil.

O debate sobre a reforma do Estádio Mário Filho, o Maracanã, tem sido polêmica, pouco transparente e bastante arbitrária por parte do Governo do Estado do Rio de Janeiro – representado pelo governador Sérgio Cabral. Segundo o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, o que se vê é o mau uso do dinheiro público e um projeto de elitização do estádio, que nasceu popular e se consagrou no mundo todo por ser um espaço democrático. Em 1999, por exemplo, foram gastos o equivalente a R$ 237 milhões na reforma para o Mundial de Clubes da FIFA; para o Pan de 2007, com a promessa de deixar o estádio pronto pra Copa, foram mais R$ 397 milhões. “Botar o estádio abaixo e gastar mais de R$ 1 bilhão na reconstrução é o mesmo que jogar nosso dinheiro no lixo”, afirma Gustavo Mehl, do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, lembrando que nos últimos oito anos o estádio esteve mais tempo parado do que em atividade.

O projeto de reforma do Maracanã que está sendo implementado pelo Governo do Estado do Rio prevê a concessão do estádio à iniciativa privada a partir de um contrato com duração de 35 anos, o qual será assinado em 2013. O investimento previsto para o futuro concessionário é de R$ 469 milhões, sendo que as obras de reforma já consumiram R$ 400 milhões de financiamento federal.  As intervenções no Complexo do Maracanã incluem a instalação de duas mil vagas de estacionamento; criação de área com bares, restaurantes e lojas; a modernização do Maracanãzinho; e a construção do Museu do Futebol. Para garantir a readequação da área, o edital prevê a demolição do Estádio Célio de Barros e do Parque Aquático Júlio de Lamare e a reconstrução dos dois centros de treinamento em área próxima; e a demolição do antigo Museu do Índio.

Além disso, o projeto exigirá a demolição da Escola Municipal Freidenreich, que ficou entre as dez melhores instituições públicas de ensino do Estado Rio de Janeiro no ranking do Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb). Após ter sido comunicada da decisão do governo, a coordenação da escola, pais e alunos se mobilizaram e colheram cerca de 15 mil assinaturas da população carioca pela não destruição da escola. Veja o vídeo “Bia pede apoio: Vamos manter a escola de pé!”.

 

Sociedade civil não reconhece a audiência pública

No galpão da Av. Barão de Tefé, n.75, no centro do Rio de Janeiro, movimentos sociais, professores, indígenas, torcedores e muitos grupos se reuniram para pedir o cancelamento da audiência pública agendada pelo Governo do Rio de Janeiro. O argumento é de que a população carioca não havia sido consultada sobre o modelo da concessão, se pública ou privada.

No início da audiência, Gustavo Mehl, do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, pediu uma “Questão de Ordem”, solicitando da coordenação da audiência pública – representada pelo secretário estadual da Casa Civil, Régis Fichtner – um esclarecimento a respeito da forma de condução dos trabalhos. Ao obter o espaço, ele leu uma carta assinada por todos os grupos presentes exigindo o cancelamento da audiência:

Gustavo Mehl, Comitê Popular Copa e Olimpíada, lendo a carta dos movimentos

“Nós não reconhecemos esta audiência pública e exigimos que ela seja cancelada. Esta audiência não é legítima, pois há uma questão de maior relevância que precede qualquer debate sobre modelo de concessão que é: qual deve ser o modelo de gestão do Complexo do Maracanã? Se pública ou privada? Isso não está em debate neste encontro.

“O Senhor mesmo, sr. secretário Régis Fichtner, foi várias vezes à imprensa para dizer que o Governo do Rio de Janeiro já decidiu sobre a demolição da escola municipal Freidenreich e de privatização do Maracanã.

“Portanto, exigimos que seja convocada uma nova audiência para debater o destino do Maracanã e decidir se sua gestão continuará pública ou se será privatizada via concessão. Esse é o debate que deve ser feito. É fundamental que a população participe desse debate previamente. A democracia precisa ser garantida. O Maracanã é um patrimônio histórico e cultural de valor inestimável – apesar de alguns governantes não perceberem dessa forma. Compreender a importância do Maracanã é obviamente compreender que ele não é só um edifício, ou um equipamento de entretenimento que deve ser rentável. Mas sim um monumento que carrega parte da memória de nossa gente.

“Mas não é só isso. O Complexo do Maracanã é um bem público, que serve à população e tem um destacado uso esportivo, cultural, social e de lazer para a cidade do Rio de Janeiro. É o caso do Parque Aquático Júlio Delamare e do Estádio de Atletismo Célio de Barros que serão demolidos; equipamentos que são considerados de altíssimo nível e que são usados por atletas de alto rendimento, e com projetos para jovens, idosos e portadores de deficiência.

“Além disso, a proposta de concessão do Governo do Estado prevê a demolição da Escola Municipal Freidenreich, uma das dez melhores instituições públicas de ensino do Estado Rio de Janeiro no ranking do Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb). Como também a demolição do prédio histórico do antigo Museu do Índio, onde grupos de indígenas de diversas etnias e antropólogos defendem a instalação de um Centro Cultural Indígena. E ainda a demolição do Laboratório Nacional Agropecuário do Ministério da Agricultura, que cumpre um papel fundamental para a manutenção da nossa soberania alimentar.

“Essas demolições são inaceitáveis e estão previstas nesse projeto que o Governo do Estado do Rio de Janeiro veio apresentar hoje, nessa farsa na qual não vai haver nenhuma participação popular.

“O Governo do Estado do Rio deveria ter consultado a população carioca antes de formular o projeto. Esse sim seria um procedimento correto e democrático. E a população poderia se posicionar se concordava ou não que o estádio do Maracanã fosse destruído com o nosso dinheiro – dinheiro público – que já somaram mais de R$ 800 milhões. Foram já duas reformas em 1999 e 2006, com gasto de dinheiro público.

“Agora, antes de propor um novo modelo de contratação para a concessão do Maracanã à iniciativa privada, o Governo deve ter a coragem de propor verdadeiramente o debate sobre a forma de gestão do Complexo do Maracanã e o uso que queremos para um empreendimento que já consumiu mais de R$ 1 bilhão.

“O que temos observado é que as empresas tomam emprestado o dinheiro público para fazer aquilo que o Estado não tem dinheiro para fazer. Assim como ocorreu com a audiência pública do Metrô da Linha 4, o Governo do Rio de Janeiro vai tentar fazer dessa audiência uma farsa. Essa audiência serve apenas para validar juridicamente um projeto que vocês apresentam como pronto, sem abertura para o debate.

“Esse projeto que foi definido entre o Governo do Rio de Janeiro e o Grupo do senhor Eike Batista, e que prevê entre outros absurdos a destruição da escola, dos equipamentos esportivos e da aldeia Maracanã.

“Nós cobramos respeito a nossa voz, estamos aqui para afirmar o Maracanã que queremos – um espaço público, que sirva ao esporte, à saúde, ao laser, à cultura e à educação da população carioca como tem servido ao longo desses muitos anos. Nós não vamos respaldar essa farsa, não vamos compactuar com essa audiência pública. Exigimos que essa audiência seja cancelada”.

 

Aldeia Maracanã

O governador Sérgio Cabral afirmou, em meados do mês de outubro, que o governo do estado irá demolir o antigo prédio do Museu do Índio, vizinho do Maracanã, por conta dos preparativos para a Copa do Mundo. Na ocasião, Cabral justificou a decisão por uma determinação da Fifa: “O Museu do Índio, perto do Maracanã, será demolido. Vai virar uma área de mobilidade e de circulação de pessoas. É uma exigência da Fifa”, segundo informações do Jornal do Brasil.

A entidade máxima do futebol desmentiu o fato, por meio de nota divulgada à imprensa: “A este respeito, a Fifa gostaria de esclarecer a V.Sa. que, além de estar completamente de acordo com todos os argumentos apresentados no vosso Ofício, nunca solicitou a demolição do antigo Museu do Índio no Rio de Janeiro ao Governo do Estado ou a qualquer outra autoridade”.

O governador ainda minimizou a questão negando o valor histórico e cultural do prédio que vai completar 147 anos e foi o primeiro Museu do Índio, criado por Darcy Ribeiro: “Viva a democracia, mas o prédio não tem qualquer valor histórico, não é tombado por ninguém. Vamos derrubar”, argumentou Sérgio Cabral.

Durante a audiência pública, Carlos Tucano, cacique da Aldeia Maracanã, explicou a situação das tribos que ocupam o local. “Estamos aqui para dizer ao Brasil e ao mundo quem somos nós, trazendo a nossa história que nunca foi respeitada (…), mas com o anúncio da Copa do Mundo de 2014 estamos nos sentindo ameaçados de expulsão. Não somos contra os eventos esportivos, apenas reivindicamos o nosso espaço”.

Cacique Carlos Tucano, falando durante a Audiência Pública

No final do mês de outubro, os índios conseguiram uma primeira vitória com a decisão do juiz Renato César Pessanha de Souza, que determinou que o estado do Rio e a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) não expulsem os índios, atendendo a um pedido da Defensoria Pública da União. No entanto, no dia 12 de novembro, a presidente do TRF-2, desembargadora Maria Helena Cisne, cassou as liminares que impediam a derrubada do prédio histórico do antigo Museu do Índio. O Comitê Popular Copa e Olimpíadas teme que o Governo do Rio aja de forma precipitada e arbitrária, aproveitando rapidamente a brecha jurídica e ignorando a necessidade de debate e negociação.

Veja abaixo o vídeo “Aldeia Maracanã” produzido pela Agência Olhares.

 

Plebiscito sobre a Concessão do Maracanã

Nesta terça-feira (13/11), um pedido de plebiscito sobre a concessão do Maracanã à iniciativa privada foi encaminhado à mesa diretora da ALERJ com a adesão de 33 deputados estaduais. Essa ação representa um resultado do esforço da mobilização popular contra o processo arbitrário de privatização, demolição e mau uso do dinheiro público que o governo do estado conduz, com indícios claros de favorecimento a determinados grupos empresarias.

A rápida adesão de um grande número de parlamentares de diferentes partidos e posições políticas à proposta de plebiscito evidenciou a força e a proporção que a manifestação em defesa de um processo democrático na reforma e na gestão do Maracanã alcançou. Todos os parlamentares presentes na tentativa de realização da audiência pública se manifestaram de forma veemente pelo cancelamento do evento e entraram em conjunto com uma representação junto ao Ministério Público pedindo a anulação de seu registro.

 

Por Breno Procópio, Comunicação INCT Observatório das Metrópoles

Última modificação em 14-11-2012 17:34:43