Em artigo para o Justificando, o engenheiro civil e sanitarista Clovis Nascimento¹ fala sobre a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4.162 de 2019, que dentre outros pontos, facilita a venda das estatais de saneamento.
O projeto de lei que estava até então em tramitação no Congresso Nacional, o PL 3.261 de 2019, acumulava pelo menos seis meses de debates e articulações com entidades e movimentos sociais. No entanto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ignorou esse acúmulo e manobrou para aprovar o novo projeto que altera questões estruturais do saneamento.
Questões Urbanas – uma coluna do IBDU e do BrCidades
Em uma manobra do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi aprovado, no dia 17/12, o Projeto de lei 4.162/2019, de autoria do Poder Executivo.
O Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS) acompanhou a tramitação dos projetos, além de argumentar questões técnicas e políticas com os parlamentares sobre os prejuízos da privatização do setor. No entanto, a manobra de Rodrigo Maia ignorou o acúmulo dos debates e das articulações realizadas pelas entidades e pelos movimentos sociais. O Projeto altera questões estruturais do saneamento como a redefinição da titularidade dos serviços, que afeta a organização e a autonomia dos municípios e do Distrito Federal; impede entes federados de exercerem o seu direito constitucional de implementarem a cooperação interfederativa e a gestão associada de serviços públicos; define um prazo de validade de Contratos de Programa que poderão ser substituídos em caso de privatização da empresa. No novo PL consta que os novos contratos deverão apresentar comprovação de capacidade econômico-financeira da contratada com recursos próprios ou contratação de dívida. Além disso, um destaque aprovado retirou a exigência da empresa contratada realizar a despoluição dos rios causada pelo lançamento de esgoto sem tratamento, isentando a responsabilidade das empresas.
O projeto ainda facilita a venda das estatais de saneamento. Isso porque a cessão à iniciativa privada não precisará contar com a concordância dos municípios atendidos.
Um dos pontos mais graves dessa questão é o condicionamento de acesso a recursos federais mediante a realização de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPP). Na prática, o projeto impõe a privatização do saneamento para repasse de verbas. Ao propor tal medida, o governo federal chantageia os municípios e negocia a vida das pessoas. A proposta também praticamente impede o subsídio cruzado e prejudica os municípios mais pobres, que terão ainda mais dificuldade de acesso à água. O PL ainda mantém vícios constitucionais, uma vez que obriga a regionalização, desconsiderando os instrumentos previstos na Constituição Federal e rompendo com o Pacto Federativo.
Dados da Munic (Pesquisa de Informações Básicas Municipais) revelam que um terço dos municípios brasileiros não têm um programa de saneamento estabelecido. Cerca de 70% da população que compõe o déficit de acesso ao abastecimento de água possui renda domiciliar mensal de até 1/2 salário mínimo e dados do IBGE apontam um salto de quase 2 milhões de pessoas a mais vivendo em situação de pobreza de 2017 para 2018. O direito à água e ao saneamento é um direito à saúde pública. Isso porque muitas doenças podem ser evitadas com água potável e esgotamento sanitário nas regiões, além de impedir desastres urbanos como alagamentos.
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¹ Clovis Nascimento é engenheiro civil e sanitarista, pós-graduado em Políticas Públicas e Governo. Foi subsecretário de Estado de Saneamento e Recursos Hídricos do Rio de Janeiro e diretor nacional de Água no Ministério das Cidades, além de presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). Atualmente é presidente da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros), vice-presidente do Senge-RJ (Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro), integrante da coordenação do movimento SOS Brasil Soberano e membro da coordenação do ONDAS (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento) e parceiro do BrCidades.