O Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre vem por meio desta nota se manifestar com relação à possibilidade de exploração mineral na Mina Guaíba, uma área de 4 mil hectares entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), que pretende produzir 8 milhões t/ano de carvão mineral (166 milhões no total ao longo de 23 anos) para uso em gaseificação, geração de energia, ou para um possível futuro “Polo Carboquímico”.
Para se ter uma ideia, a área urbanizada densa da Região Metropolitana é de 63.000 hectares (IBGE, 2017) e a de Porto Alegre cerca de 31.000 hectares. O bairro mais extenso da capital, o Arquipélago, possui uma área de 4.700 hectares (Fonte: Prefeitura de Porto Alegre) e o Parque Estadual do Delta do Jacuí possui 14.240 hectares (SEMA/RS).
Por se tratar de uma atividade que causará grandes e graves impactos socioambientais na Região Metropolitana de Porto Alegre manifestamos nossa preocupação e redigimos esta nota.
Neste momento o mundo passa por grandes transformações econômicas com a globalização, a financeirização da economia, o fim da economia fordista e o advento da economia da Internet, do conhecimento, da Indústria 4.0 e, por outro lado, da proposta do New Green Deal, um programa de economia verde e socialmente sustentável visando a mudança de matriz energética nas próximas décadas do século XXI.
Vivemos a era da urbanização generalizada, na qual as grandes concentrações urbanas se estendem por dezenas (algumas até centenas) de quilômetros alternando grandes concentrações habitacionais, parques industriais, redes de infraestrutura, parques logísticos, ocupações periféricas de baixa densidade para as classes médias e altas (bairros fechados e exclusivos), conjuntos habitacionais desconectados do tecido urbano denso para as classes populares, espaços rurais agrícolas ou de lazer, áreas de extração de materiais para a construção civil e as “externalidades” urbanas (depósitos de resíduos, presídios, entre outras), relegadas, mas necessárias para o funcionamento cotidiano da metrópole.
Porto Alegre se desindustrializou desde o final dos anos 1980, a RMPA está vivendo nos últimos anos um forte processo de desindustrialização com o fechamento e/ou transferência das plantas industriais para o interior do RS, para fora do estado, ou mesmo exterior. É preciso repensar a nossa matriz econômica metropolitana.
A economia metropolitana se caracteriza cada vez mais pelos serviços, atividades realizadas em novos espaços produtivos e que reconfiguram espacialmente a metrópole, com novas centralidades e uma nova mobilidade urbana. Um importante movimento econômico revitaliza espaços urbanos mais consolidados com atividades criativas. Mas, por outro lado, é preciso atentar-se para as fragilidades desta nova economia, que também gera precariedades e exclusões, especialmente dos mais pobres, com a gentrificação de espaços e a regressão do mercado de trabalho formal.
Quando o futuro econômico se volta para a economia do conhecimento, para uma nova matriz energética, vamos na contramão. O estado do Rio Grande do Sul realiza uma volta ao passado ao apostar no carvão como matriz energética e fonte de desenvolvimento econômico. O “legado” da economia carbonífera tem sido nefasto em diversas regiões do globo, inclusive nos chamados “países desenvolvidos”.
A Mina Guaíba localiza-se próxima ao Parque Estadual do Delta do Jacuí, a maior reserva natural e manancial de água da RMPA. Sua instalação pretende remover o assentamento Apolônio de Carvalho, de 952 hectares, criado em 2007 e que contempla dezenas de famílias, a maioria dedicada ao cultivo de arroz, fazendo parte da maior produção de arroz orgânico da América Latina (Fonte: Revista Globo Rural, 2019). A RMPA já vem sofrendo com as remoções derivadas das grandes obras de infraestrutura (extensão da pista do Aeroporto Salgado Filho, Nova Ponte do Guaíba). Não é admissível que mais esse passivo social, de moradia e de vínculos territoriais se estabeleça em nossa metrópole.
A implantação da Mina Guaíba ocorre ainda em um contexto de fragilidade do planejamento metropolitano, que está com sua estrutura sucateada e desprestigiada, além de faltar à Região Metropolitana de Porto Alegre uma estrutura de governança interfederativa, bem como um Plano de Desenvolvimento Integrado, que aponte as bases do seu desenvolvimento socioespacial, que indique os espaços de crescimento urbano, de implantação de atividades produtivas e as áreas de conservação na RMPA, que seja construído com a participação da sociedade civil, como requer o Estatuto da Metrópole.
O futuro econômico do Rio Grande do Sul e da RMPA, passa por repensar nosso modelo de desenvolvimento. O que para nós significa um estado que ofereça oportunidades para todos e estanque a crise e o processo migratório que esvazia nosso interior e expulsa nossa juventude qualificada por nossas escolas técnicas e universidades. Passa por uma aposta forte na nova economia do conhecimento e sustentável. E não por uma mina de carvão à céu aberto, que irá gerar poucos empregos, mais poluição e remoções de populações estabelecidas e exclusão social. Passa por um modelo de desenvolvimento socioespacial metropolitano mais harmônico com o meio ambiente e socialmente justo, como deve ser para nossa sociedade enfrentar os desafios deste século XXI.
Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre
Setembro de 2019