Em artigo para o Jornal GGN, Erminia Maricato (BrCidades) fala sobre a falta de acesso à moradia de formal e a visibilidade seletiva das ocupações de terras e imóveis no Brasil: mesmo com uma tradição histórica de grilagem, privatização de terras públicas e ocupações de alto padrão em áreas de preservação permanente, o Estado reprime e criminaliza os mais os pobres. Segundo Maricato, “a ilegalidade não pode ser imputada aos moradores que não tem opção de moradia, mas, sim, aos prédios vazios que não cumprem as exigências legais e representam alto custo para a sociedade que paga com impostos a infraestrutura urbana que serve estes edifícios”.
Os excluídos da cidade e a lei
por Erminia Maricato
Parte expressiva da população brasileira não tem acesso à moradia formal, nem por meio de políticas públicas, nem por meio do mercado. Esse número varia de acordo com a região do país e a cidade. No Município de São Paulo, por exemplo, o percentual de excluídos é de 25% da população, enquanto em Manaus chega a 80%. Não estamos falando, portanto, de números de exceção, mas de regra: são dezenas de milhões de pessoas. Todo mundo mora, necessariamente, em algum lugar. As consequências sociais, econômicas e ambientais desse processo de assentamento urbano sem a presença do Estado são dramáticas. No entanto ele é invisível. Ou melhor essa visibilidade é seletiva.
Ao contrário do que se imagina, não são apenas os pobres que ocupam ilegalmente terras e imóveis no Brasil. Extensa bibliografia mostra a tradição histórica de grilagem, privatização de terras públicas, ocupações de alto padrão em áreas de preservação permanente além da corriqueira sobreposição de registros de propriedade sobre as mesmas terras. A diferença é que estes não o fazem por falta de opção. Loteamentos fechados, destinados ao mercado de alta renda, que se reproduzem em todas as cidades do País, privatizam áreas verdes públicas e ruas para o gozo dos que vivem intramuros, ferindo a Lei Federal nº 6.766 de 1979. Mas, a classificação de “ilegalidade” parece passar pelo viés de classe mais do que pelo texto estrito da lei. Pois, se as camadas de rendas mais altas teriam outras opções ao loteamento fechado, isso não acontece com a população de baixa renda. Cerca de 70% do déficit habitacional, medido pela Fundação João Pinheiro, é composto pelas famílias cuja renda não ultrapassa R$1.800,00 cuja cor predominante é de negros e negras.
Mas o viés da classe social não explica tudo. A visibilidade da gigantesca “ilegalidade” resultante do assentamento residencial das camadas populares também é seletiva. A APM – Área de Proteção dos Mananciais –, situada ao sul da metrópole paulistana, está ocupada ilegalmente por aproximadamente 2 milhões de pessoas. Leis Federais, Estaduais e Municipais não impedem que essa ocupação predatória, por parte dos que não têm alternativa, durante os últimos 50 anos, coloque em risco a produção de água que chega nas torneiras da nossa imensa metrópole. O crime organizado (ou milícias, o que dá no mesmo) está construindo edifícios populares ao norte do município de São Paulo e abrindo loteamentos ao sul. Ambas regiões são protegidas por legislação ambiental, ambas ainda mantém mata significativa e vida animal e ambas são produtoras da água que serve nossa metrópole. A perda desse precioso patrimônio não comove a mídia, o Estado ou toda a sociedade de modo geral. No entanto, a ocupação de algumas poucas dezenas de edifícios abandonados, ociosos, no centro antigo de São Paulo causa comoção.
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