Por Carlos Eduardo Martins
Publicado originalmente no Jornal do Brasil em 13/12/2018
A ofensiva neoconservadora que se estabelece no Brasil, desde 2016, tem raízes de longa e média duração que se articulam às formas mais recentes de condensação e expressão.
A motivação mais profunda está no crescente abandono por parte da burguesia interna brasileira, subordinada, dependente e de origem colonial, dos projetos de desenvolvimento industrial, que gestou entre os anos 1930-80, sem dedicar-se, por outro lado, à construção de uma economia de serviços diversificada. Esses projetos sempre estiveram limitados pela superexploração do trabalho de que nunca abdicou, levando-a a romper com as lideranças nacionais-populares trabalhistas, que pretendiam superá-la, e a articular o golpe civil-militar de 1964, para retomar o controle sobre o processo de modernização. Entretanto, se o caráter regressivo da ditadura a levou a eliminar e/ou expurgar parte expressiva da esquerda do sistema político, das universidades públicas ou do país, manteve-se um projeto desenvolvimentista que, mesmo com profundas alterações, como sua subordinação a novas etapas da dependência financeira e tecnológica, impulsionou a diversificação industrial, o sistema nacional de inovação e as pretensões de autonomia que, por meio do conjunto Estado-grande capital estrangeiro/nacional, acomodou a esquerda mais moderada na tecnoburocracia estatal.
O abandono do projeto de desenvolvimento industrial, a partir da década de 1990, está ligado a dimensões complementares: à reestruturação produtiva vinculada à adesão ao Consenso de Washington, impulsionado pela globalização neoliberal, ao rentismo, que limita drasticamente a expansão e diversificação dos serviços públicos, e à crescente incompatibilidade entre superexploração do trabalho, pleno emprego e acesso de jovens e trabalhadores ao conhecimento e às novas tecnologias da informação, em que se baseia a revolução científico-técnica. Em razão disso, enquanto a economia mundial alcançou o crescimento anual per capita de 2,3% entre 1994-2015, a brasileira alcançou apenas 1,2% no mesmo período. A partir do boom das commodities, os governos petistas, entre 2004-2013, restabeleceram crescimento econômico compatível com o da aceleração da economia mundial, lançando o embrião de um capitalismo de Estado, orientado para a política industrial e a ampliação dos serviços públicos. Isso ensejou forte expansão do emprego e a reorganização dos movimentos sindicais e populares, que elevaram os índices de greves e paralisações ao pico de 1989/90, e passaram a pressioná-los para romper com os limites do rentismo e do neoliberalismo, internalizados pelo PT desde a Carta aos brasileiros, na campanha presidencial de 2002. As explosões de junho de 2013 mostraram que as grandes massas, em condições favoráveis de organização, demandariam ampliação de direitos e não aceitariam os altos níveis de desigualdade e exclusão social, que persistiam apesar da redução da pobreza.
Diante desse cenário, as diversas frações do grande capital se uniram e mobilizaram a pequena burguesia para imporem o golpe de Estado de 2016 e instituírem a EC95, que congela gastos públicos primários por até 20 anos, condenando o país a um longo período de recessão ou crescimento medíocre, cujo objetivo é manter altas taxas de desemprego estruturais, desorganizar o movimento popular, e restabelecer altos níveis de superexploração do trabalho. Diferentemente, do golpe de 1964 que sofreu, principalmente, a oposição de segmentos do proletariado de menor intensidade tecnológica, abrindo o espaço para modernização industrial e a formação de uma nova fração da classe trabalhadora que rompesse com as tradições políticas trabalhistas, este se dirige contra a ponta tecnológica do proletariado de serviços e industrial, que garantiu a agenda política da redemocratização e de direitos da Constituição de 1988, e pressionava pela ruptura com a agenda neoliberal.
Essa reorientação radical da burguesia interna em direção ao rentismo, à reprimarização, ao papel de intermediária da venda das riquezas nacionais, e à subordinação do liberalismo político a instrumentos de exceção só pode se sustentar ideologicamente no irracionalismo, abrindo o espaço para ascensão do fascismo como política de massas no cenário nacional. Em vez de ciência e pluralismo, o arbítrio e a fé. Entretanto, os fascistas têm sua própria agenda e importantes contradições com os setores tradicionais e decadentes da burguesia brasileira, o que poderá abrir o espaço para uma nova ofensiva popular e democrática no país.