As disputas e os múltiplos interesses em torno das terras da União no Porto de Santos são objetos de análise da tese de Fernada Accioly Moreira (USP). O trabalho destaca que mesmo diante dos avanços no reconhecimento de direitos e das mudanças adotadas pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) a partir de 2003, estes não foram suficientes para promover uma inflexão na lógica de gestão de terras públicas em razão de aspectos relacionados à cultura política, jurídica e administrativa, na esfera local e federal, permeados por questões urbanísticas.
A tese, defendida em junho na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, teve orientação de Raquel Rolnik. O pesquisador do Observatório das Metrópoles, Orlando Santos Junior, foi um dos membros da banca ao lado de Celso Santos Cardoso e Luis Fernando Massonetto.
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RESUMO
O esforço de delimitação e separação do que foi constituído enquanto propriedade privada, em
oposição ao que era público, ocorreu no contexto de reformulação produtiva e do processo de inserção
do país na lógica capitalista internacional, a partir de meados do século XIX. Como consequência deste
processo, tanto a propriedade privada quanto a propriedade pública foram estabelecidas simultaneamente.
Na prática, a informalidade da situação fundiária das terras públicas no Brasil interferiu na ocupação do
território e incentivou inúmeros conflitos fundiários urbanos e rurais. A apropriação ilegal e indevida
de extensas frações de áreas públicas da União por particulares, por meio do jogo da legalização e falsa
legalização, se deu em função do tratamento displicente dado à gestão do Patrimônio da União, marcado
pela dificuldade do Estado em regular e controlar de fato o acesso à terra e aos recursos naturais e pelo
desconhecimento sobre a abrangência do domínio público.
A partir de 2003, o órgão responsável pela gestão do patrimônio da União no Brasil adotou diversas
mudanças administrativas e legais, ao rever o papel de propriedade da União como “patrimônio de todo
brasileiro”, visando a função social da propriedade pública e a inversão da lógica histórica marcada pela
centralização de decisões, perspectiva meramente arrecadatória e de gestão cartorial dos bens públicos.
Em decorrência dessas mudanças, depois de dez anos, estima-se que cerca de 560 mil famílias poderiam ter
sido beneficiadas por ações de regularização fundiária de assentamentos urbanos em imóveis da União,
não fossem os bloqueios enfrentados para a efetivação dessas ações. Apesar dos avanços conquistados,
especialmente, no campo do reconhecimento de direitos, estes não foram suficientes para promover
uma significativa inflexão na lógica de gestão de terras da União. Aspectos relacionados à cultura política,
jurídica e administrativa, na esfera local e federal, permeados por questões urbanísticas, impediram
mudanças mais significativas no cumprimento da função social da propriedade pública da União. O
território que abrange as margens do Canal de Santos, no litoral de São Paulo, onde está o Porto de Santos,
considerando sua localização estratégica, foi escolhido para investigar como são estabelecidas as disputas e
as soluções propostas pela SPU, em torno dos múltiplos interesses que recaem sobre a utilização de terras
da União, a partir da análise dos casos da Ilha de Bagres e do Sítio Conceiçãozinha.