Klemens Laschefski faz um resgate histórico do conceito de desenvolvimento sustentável, associando seu uso aos momentos de crise dos modos de produção, em seu artigo “500 anos em busca da sustentabilidade urbana”. As analogias em tempos recentes, demonstrado a partir da aplicação do Estatuto da Cidade em Belo Horizonte, confirmam a condição de insustentabilidade social das cidades urbano-industrial-capitalistas. Isso, porque são beneficiados empreendimentos imobiliários privados ditos sustentáveis que estimulam a elitização do espaço.
O artigo “500 anos em busca da sustentabilidade urbana”, de Klemens Laschefski, é um dos destaques do Dossiê: “Sustentabilidade e Justiça Socioambiental nas Metrópoles”, da Revista Cadernos Metrópole nº 29.
Resumo
Este artigo apresenta um resgate histórico do surgimento do termo desenvolvimento sustentável. Mostra que a busca pela sustentabilidade sempre esteve vinculada às diversas crises dos modos de produção do espaço feudal e capitalista. As analogias em tempos recentes, demonstrado a partir da aplicação do Estatuto da Cidade em Belo Horizonte, confirmam a condição de insustentabilidade social das cidades urbano-industrial-capitalistas. Isso, porque são beneficiados empreendimentos imobiliários privados ditos sustentáveis que estimulam a elitização do espaço. Propostas concretas para as sociedades urbanas socialmente sustentáveis apresentam elementos comuns à ilha Utopia, dos escritos de Thomas Morus, de 500 anos atrás, reafirmando a necessidade de considerar a categoria espaço como produto social e as relações de poder sobre o território na conceituação da sustentabilidade urbana.
Abstract
This article presents a historical review of the origins of the term sustainable development. It shows that the search for sustainability has always been connected with the several crises of the modes of production of the feudal and capitalist space. The analogies in recent times confirm the condition of social unsustainability of the urban-industrial-capitalist cities, which is shown through the application of Brazil’s City Statute to the municipality of Belo Horizonte. The reason for this is that it benefits the so-called sustainable, privately-owned real estate undertakings, which stimulates the elitization of space. Concrete proposals for socially sustainable urban societies have similarities with the Island of Utopia, from the writings of Thomas More 500 years ago, reaffirming the need to consider the category “space” as a social product, and the power relations over territory within the conceptualization of urban sustainability.
Introdução
Por Klemens Laschefski
O documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, denominada “Rio+20”, enfatiza a chamada economia verde como uma ferramenta importante para a “erradicação da pobreza” e a manutenção do “funcionamento saudável dos ecossistemas da Terra” (Nações Unidas, 2012, p. 9). A nosso ver, a consagração do termo economia verde consolida o discurso que concebe a sustentabilidade como um conjunto de problemas técnicos e administrativos que visam solucionar as questões sociais e ambientais contemporâneas adequando o sistema econômico atual.
Essa tendência é resultado da confluência das políticas neoliberais e das políticas ambientais internacionais, ocorrida nos anos 1990, referendadas, por um lado, pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida também como Rio-92, e, por outro lado, pela fundação da Organização Mundial do Comércio em 1995. Assim, não surpreende que a economia verde seja considerada, no documento final da Rio+20, um meio para “[…] oferecer opções para decisão política, sem ser um conjunto rígido de regras” (Nações Unidas, 2012, p. 9). Entendemos que, com essa confluência das políticas ambientais e neoliberais, houve, de fato, um afastamento do conteúdo político da crítica ambiental que surgiu a partir dos anos 1960 e que intensificou fortemente, na época, a busca por alternativas para a sociedade dita moderna diante da insustentabilidade dos modelos de desenvolvimento baseadas na industrialização.
Porém, apesar do sucesso dos discursos sobre soluções “pragmáticas” para alcançar o desenvolvimento sustentável, que mobilizaram e mobilizam inúmeros agentes de instituições públicas, entidades da sociedade civil, setor privado e academia, não foram produzidos resultados significativos que indicam um caminho claro para o “futuro que queremos”. Ao contrário, numa perspectiva global, nada indica o fim do agravamento dos problemas ambientais e da desigualdade social.
Diante disso, esse trabalho procura retomar a crítica política às contradições inerentes à sociedade urbano-industrial-capitalista, visando analisar o que chamamos aqui crise da busca da sociedade sustentável. Partimos da hipótese que o surgimento dessas contradições não são processos recentes, mas têm suas raízes em processos históricos que transformaram as relações da sociedade com o meio físico. Tal observação parece óbvia, já que é amplamente reconhecido que os processos de industrialização e os novos processos de urbanização induzidos por ela, transformaram a “cara” do mundo. No entanto, embora muitos discursos se refiram às questões espaciais de forma descritiva, não se iniciou ainda um debate que problematize a sociedade urbano-industrial no que diz respeito à sua espacialidade. Consequentemente, observamos que as relações socioespaciais como elementos importantes para analisar o “pano de fundo” da situação de não-sustentabilidade são negligenciadas. Nessa perspectiva, procuramos mostrar que as questões da sustentabilidade estão, na verdade, relacionadas às formas contraditórias de produção e reprodução do espaço na sociedade moderna. Trata-se, então, de acordo com Lefèbvre(1994), de uma crise da atual produção política e social do espaço.
Após uma breve reflexão sobre a origem e o atual significado do termo desenvolvimento sustentável, mostramos que o adjetivo sustentável já foi utilizado em discursos sobre a crise econômica do século XVII e XVIII causada pela escassez de madeira (Carlowitz, 1713/2000), que apresentam semelhanças com os debates atuais sobre a limitação de recursos naturais e o consumo de energia. Essa crise ocorreu às vésperas da ascendência do capitalismo industrial, sendo originada nos conflitos socioterritoriais que marcaram a Idade Média tardia, os quais resultaram na reconfiguração dos direitos de uso e posse da terra. Segundo Lefèbvre(2004), trata-se da mudança funcional do modode produção do espaço que antes girava em torno da cidade comercial e passa a girar em torno da cidade industrial. Nesse processo, emergem novas formas de desigualdade social que permanecem até os dias de hoje. Sobre essa base, analisamos processos recentes de avanço do modo de produção do espaço urbano-industrial-capitalista no Brasil, traçando um paralelo com acontecimentos históricos da Europa central. Finalmente, procuramos mostrar que os atuais discursos sobre cidades sustentáveis apresentam elementos já delineados por Thomas Morus há 500 anos atrás, quando ele apresentou a sua ficção do sistema espacial da sociedade Utopia.
Para ler o artigo completo “500 anos em busca da sustentabilidade urbana”, de Klemens Laschefski, é um dos destaques do Dossiê: “Sustentabilidade e Justiça Socioambiental nas Metrópoles”, acesse a Revista Cadernos Metrópole nº 29.
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