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5 medidas do Governo Temer que podem piorar a vida nas cidades

Desde que assumiu a presidência, Michel Temer já promoveu mudanças drásticas, como o Novo Regime Fiscal aprovado na PEC 55, e anunciou outras tantas no quadro institucional do Estado brasileiro. Os avanços conquistados nas políticas habitacionais, por exemplo, se encontram em um quadro de verdadeiro desmanche. O cenário atual aponta um caminho de progressiva deterioração dos direitos sociais e condições de vida da população, com forte regressão do direito à moradia.

O Mobiliza IPPUR divulga a nota “5 medidas que podem piorar a vida nas cidades”, com a análise sobre as propostas do governo federal que interferem nas condições de vida das pessoas que vivem nos centros urbanos, com foco especial no direito à moradia, nos espaços de participação popular e na transparência do governo.

Mobiliza IPPUR é um grupo formado por alunos, professores e técnicos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), criado para debater, refletir e lutar pela universidade pública diante de um contexto conservador da classe política brasileira.

A Rede INCT Observatório das Metrópoles apoia o Mobiliza IPPUR e os outros grupos e entidades que estão produzindo material crítico sobre a atual crise política do Brasil, e buscando soluções e modos de resistência diante das medidas conservadoras e de retrocesso que estão sendo implementados no país.

5 medidas do Governo Temer que podem piorar a vida nas cidades

POR MOBILIZA IPPUR

1. Proposta de Temer de regularizar imóveis ameaça moradias das famílias mais pobres

O Ministério das Cidades formou, por meio da Portaria 326/2016, o grupo de trabalho “Rumos da Política Nacional de Regularização Fundiária”, que revisará a legislação de regularização fundiária federal atualmente em vigor. Em entrevistas, o ministro Bruno Araújo (PSDB) afirmou que a regularização agregaria valor aos imóveis e permitiria a circulação de riquezas através de transações de compra e venda. Ainda, ressaltou a possibilidade das moradias serem utilizadas como garantia na obtenção de crédito bancário, de aumento do recolhimento de impostos pelas prefeituras e do avanço de empreendimentos em áreas ocupadas por moradias informais, retomando os argumentos de Humberto de Soto, já cabalmente desacreditados pelas pesquisas e pelos especialistas na área.

Essa concepção de regularização fundiária com foco apenas na titulação dos terrenos privilegiaria o mercado imobiliário   – inserindo novos imóveis e áreas para empreendimento –  e o mercado financeiro  – na medida em que a moradia serve de garantia a créditos bancários.

Essa proposta desvirtua o objetivo primordial da regularização fundiária plena que, pela atual legislação, é garantir a segurança da posse e infraestrutura básica para propiciar condições dignas de moradia.

Diante desta proposta, é muito significativo que o grupo de trabalho não tenha representação de movimentos sociais urbanos e rurais, sendo composto por membros de cartórios de registro de imóveis, pesquisadores de uma única universidade do país, técnicos da área de habitação dos governos de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, os três últimos caracterizados por uma forte elite agrária.

2. Cartão Reforma atende mais a interesses de políticos e empresários do que melhora as condições de moradia

Proposta do Ministérios das Cidades é dar R$ 5 mil para 100 mil famílias de todo o Brasil para comprar material de construção (Medida Provisória 751/2016). Para receber o dinheiro, basta ter renda mensal de até R$ 1,8 mil, possuir imóvel regularizado ou com possibilidade de regularização, excluídos os que vivem em casas alugadas. Já que não há critérios como precariedade da residência ou do entorno, gestores públicos locais terão a possibilidade de manipular a escolha dos favorecidos conforme interesses políticos. Não por acaso, o governador goiano Marconi Perillo (PSDB), que implementou política semelhante e inspirou o ministério, já foi eleito quatro vezes, e o novo programa foi citado por Temer em discurso em Pernambuco, estado onde o Ministro das Cidades, também do PSDB, se elegeu deputado federal.

Parte dos recursos para reforma, ampliação ou conclusão de habitações sairão da Seguridade Social, mas quem vai ganhar mesmo são as indústrias produtoras de material de construção, que viram as vendas no varejo, responsáveis por mais da metade do faturamento destas indústrias, encolherem 5,8% em 2015. Os R$ 500 milhões que o governo pretende gastar com o Cartão Reforma representam quase 9% do faturamento total do setor naquele ano*.

Pelos números, o programa terá impacto irrisório no Brasil, onde 6,2 milhões de famílias não têm casa ou vivem em situação precária. Além do dinheiro não poder ser aplicado na construção de novas casas, não há indicação sobre melhorias na infraestrutura urbana. Sem uma política habitacional mais ampla, o programa ajudará muito pouco a melhorar efetivamente a vida dos cidadãos pobres, mas ajudará muito os políticos e os interesses empresariais que representam.

3. PEC 55 ameaça excluir famílias mais pobres do Minha Casa Minha Vida

Na mais recente Lei Orçamentária, estavam previstos os valores de R$ 12,4 mi para investimentos em habitação e R$ 356,7 mi para a Urbanização de Assentamentos Precários*. Esses valores, que já são reduzidos por refletirem os cortes orçamentários empreendidos pelo governo desde 2015, como resultado do ajuste fiscal, são absolutamente insuficientes para a condução de uma política de habitação que seja capaz de tratar devidamente a condição atual de moradia da população brasileira. Com a aprovação da PEC 55, que limita o aumento do gasto público à variação da inflação com base no Orçamento de 2016, vemos um agravamento da escassez de recursos para essas áreas.

Acompanhando a orientação de corte de gastos do Governo Federal, a Secretária Nacional de Habitação do Ministério das Cidades**, em reunião com os principais representantes da construção civil de São Paulo, afirmou não ver possibilidade de contratar para o ano de 2016 no Programa Minha Casa Minha Vida – faixa 1, que atende famílias que ganham até R$ 1,8 mil (aproximadamente 3,5 milhões de famílias).

A justificativa seria a alta inadimplência dessas famílias no pagamento do imóvel. No entanto, como a faixa 1 é quase inteiramente subsidiada,  o impacto financeiro da referida inadimplência nas contas públicas não é significante. Além disso, o fato das demais faixas de renda do programa, que atendem a classe média, não terem sofrido cortes de investimentos e possuírem recursos garantidos, segundo a fala da Secretária, mostra o alinhamento do Estado ao setor da construção civil, que possui notório desinteresse em construir habitação de interesse social, pela sua baixa lucratividade.

Assim, considerando-se o impacto da PEC 55, da posição assumida pela Secretaria de Habitação e, ainda, das novas regras estabelecidas pelo Ministério das Cidades (Instrução Normativa 24/2016, que desautoriza as contratações do programa, sujeitando-as a avaliação consideradas convenientes e oportunas à Secretaria de Habitação), presume-se que as políticas de interesse social não serão priorizadas, por serem encaradas como gastos sem retorno, aumentando as famílias em situação de vulnerabilidade habitacional, excluindo-as, mais uma vez, do acesso à moradia digna e estimulando o crescimento das favelas,  dos loteamentos clandestinos e de cortiços.

* Para que se possa ter uma noção do que significa essa redução, segundo o PPA 2012-2015, estavam previstos investimentos orçamentários em habitação e urbanização de assentamentos precários na ordem de 70 bilhões de reais para o período, o que significaria e uma média de 17 bilhões por ano, sendo 7,5 bilhões para UAP e 9,5 bilhões para o programa Minha Casa Minha Vida. A esses valores seriam ainda agregados os recursos do FGTS para atendimento das faixas 2 e 3 do MCMV.

** Indicada pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção, a CBIC.

4. Bancos privados querem controlar FGTS, o que pode reduzir investimentos em habitação, infraestrutura e saneamento

Desde que Michel Temer assumiu a presidência, bancos privados pressionam o governo para quebrar a exclusividade* da Caixa Econômica Federal sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O argumento é que tornarão o FGTS mais rentável, ainda que abaixo da inflação.

Para aumentar as taxas de retorno, a tendência é a redução dos investimentos considerados não lucrativos, como em habitação, saneamento e infraestrutura urbana. A perspectiva de redução dos recursos disponíveis para tais intervenções, sobretudo no contexto de congelamento dos gastos da União promovido pela PEC 55, tende a piorar progressivamente as condições de vida nas cidades brasileiras.

A disputa em torno do FGTS pelos bancos privados busca somente obter para eles um custo mais baixo de captação de recursos, sem garantias para a sociedade de condições mais vantajosas para o cotista. Ao contrário, mesmo que ofereçam uma maior remuneração ao trabalhador, espera-se que os custos de financiamento aumentem, os preços finais dos imóveis e infraestrutura fiquem mais caros e que os recursos do FGTS cubram apenas uma fração da demanda, de modo que a diferença será apropriada pelos bancos.

Assim, a pulverização dos recursos do FGTS abre possibilidades para que se enfraqueça a capacidade do poder público em controlar a utilização dos recursos e, portanto, aumentam as possibilidades de que o Fundo perca a sua finalidade social e que, sob o argumento da rentabilidade, se utilizem seus recursos para outras finalidades.

* Criado em 1966, o FGTS já foi compartilhado por vários bancos, durante o período em que o Banco Nacional de Habitação (BNH) tinha um controle muito mais rígido da operação do FGTS. Com a extinção do BNH os recursos do FGTS foram centralizados na Caixa.

*** Atualmente, o Fundo conta com mais de R$ 300 bi em reservas. Em 2015, foram desembolsados R$ 181,2 bi, dos quais 54,7% referem-se a pagamentos de saques de trabalhadores e 33,7% foram destinados a obras de saneamento, infraestrutura urbana e, principalmente, habitação. Fonte: FGTS, Demonstração financeira de 2015.

**** de R$ 750 mil para R$ 950 mil (26,7% de aumento) em DF, MG, RJ e SP, e de R$ 650 mil para R$ 800  mil (23,1% de aumento) nos demais estados.

5.  Enfraquecer Conselho das Cidades pode perpetuar esquema denunciado pela Lava-jato

Há poucos dias, o Ministério das Cidades avisou que pretende descumprir a Resolução Normativa nº 19, aprovada em 2015 pela própria pasta, que definia o regimento e programava para junho de 2017 a realização da 6ª Conferência Nacional das Cidades com a temática “A Função Social da Cidade e da Propriedade”, e com o lema “Cidades Inclusivas, Participativas e Socialmente Justas”. A justificativa para adiar a Conferência para 2018 é falta de recursos.

O Conselho das Cidades foi criado em 2006 como espaço para diálogo entre movimentos sociais e representantes de interesses populares com o governo federal. A intenção é viabilizar a participação destes grupos na elaboração da política urbana, que inclui a definição de programas como o Minha Casa Minha Vida. Atualmente, este canal de participação popular poderia contribuir com o desenho do Cartão Reforma e da nova lei de regularização fundiária.

O esvaziamento deste espaço foi denunciado pelos próprios conselheiros das cidades em Moção de Repúdio divulgada logo após o 50º encontro do grupo, no último dia 02. Os efeitos já aparecem no Cartão Reforma, que atende ao pleito da ABRAMAT (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção) por maior “agressividade” do governo para recuperar o faturamento da setor, em queda desde 2015.

Enquanto supostamente falta dinheiro para encontrar com grupos populares, o que deve se agravar no contexto de limitação dos gastos públicos com a PEC 55, representantes da Abramat e da FIESP já se reuniram com o presidente da república e com o ministro das cidades diversas vezes este ano, como divulgado no site da associação. A mistura entre interesses empresariais e políticos aparece de forma didática nas delações da Operação Lava-jato, que revelou articulação secreta entre empresários e agentes públicos para manipular o orçamento do Estado.

Desprezar canais de participação da sociedade e transparência do governo, como o Conselho das Cidades, parece reforçar a lógica corrupta que privilegia interesses de grupos de pressão poderosos, como a indústria da construção civil. Nos últimos anos, relações como estas produziram obras superfaturadas e com utilidade pública questionável, comprometendo o investimento em outras áreas importantes para a vida nas cidades brasileiras, como habitação popular, saneamento básico, saúde e educação.

Breve conclusão:

Em síntese, o que presenciamos é uma forte reversão das políticas públicas voltadas para assegurar o direito à moradia, com a grande probabilidade de que, em futuro próximo, aumentem as precariedades que já são, hoje, marca característica das cidades brasileiras.

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