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Segregação urbana em SalvadorSegregação urbana em Salvador

O INCT Observatório das Metrópoles divulga mais um resultado da sua rede de pesquisa a tese “Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador”, de autoria de Diogo Reyes da Costa Silva. O trabalho investiga as condições gerais de qualidade e acesso ao sistema de educação básica de Salvador, analisando suas relações com as hierarquias sociais e a influência do território urbano, com o objetivo de contribuir para a compreensão das dinâmicas de desigualdade de acesso à educação a partir de sua oferta na cidade. A pesquisa traz uma contribuição para a compreensão das dinâmicas de desigualdades e vulnerabilidades sociais na atualidade, relacionando as esferas urbanas e da educação.

A tese “Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador” foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, sob a orientação da professora Inaiá Carvalho, coordenadora do Núcleo Salvador da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

A seguir uma Apresentação da pesquisa escrita por Diogo Reyes da Costa Silva.

VAZIOS OCULTOS: DINÂMICA URBANA E ACESSO À EDUCAÇÃO BÁSICA EM SALVADOR

Diogo Reyes da Costa Silva

Esta tese realizou uma investigação sobre as condições gerais de qualidade e acesso ao sistema de educação básica de Salvador, capital baiana, analisando suas relações com as hierarquias sociais e a influência do território urbano, com objetivo de contribuir para a compreensão das dinâmicas de desigualdade de acesso à educação a partir dos contextos e das características de sua oferta na cidade. Considerando que o acesso à educação está intimamente ligado ao acesso à cidade, e que as esferas urbana e da educação são fundamentais para a compreensão das dinâmicas de desigualdades e vulnerabilidades sociais na atualidade.

Dessa forma, trata-se de um trabalho em uma área de interseção entre a sociologia urbana e a sociologia da educação, onde são estudadas as oportunidades educacionais e suas relações com fatores relacionados ao espaço e à constituição social do território (Ribeiro e Koslinski, 2009; Batista e Érnica, 2012; Bem Ayed, 2012).

Seguindo essa orientação teórica, um dos pressupostos básicos assumidos é a noção de que o espaço tem uma grande importância na vida humana. Como descreve Milton Santos (2006) o território, enquanto espaço apropriado, media a própria relação do sujeito com o todo, em um movimento dialético que o configura como elemento fundamental para atribuir significado às cristalizações da experiência do indivíduo ou da sociedade.

Por outro lado, é também fundamental no trabalho é a premissa de que a instituição educacional na nossa realidade não é socialmente “neutra” mas, muitas vezes, posiciona-se como reprodutora da estrutura social desigual. Um importante meio socializador, cuja apropriação se constitui como um dos principais capitais imateriais e elemento de hierarquização social. Uma abordagem da educação do ponto de vista sociológico, como uma instituição social imersa em sua vasta teia de relações, influências e imbricações (Forquin, 1995; Dubet, 2004; Bourdieu e Passeron, 2008) .

Assim, o trabalho aborda a tradução da hierarquia social na apropriação do espaço em Salvador, seguindo para sua relação com o acesso à oferta de educação. Apesar de não ser o único elemento de influencia nas trajetórias educativas dos indivíduos, o fio condutor nesta pesquisa concentra-se na influência do contexto institucional nessas trajetórias, ou seja, a relação de oportunidades e vulnerabilidades com as condições da oferta educacional. Sem excluir a importância do contexto familiar, é importante aqui a literatura sobre o “efeito escola” ou “escola eficaz”, que permitiu identificar fatores a serem investigados para caracterizar a oferta de educação na cidade de Salvador (Brooke e Soares, 2008).

A metodologia de pesquisa adotada se encaixa em três fases distintas, mas articuladas. Na primeira, há a análise da questão urbana de Salvador, a distribuição de sua população com relação a características sociais e econômicas, também habitacionais e de infraestrutura, abordadas através do geoprocessamento de variáveis, da literatura relacionada e dados secundários. A segunda fase foi o levantamento e a análise das características gerais do sistema de educação básica de Salvador, com um diagnóstico das suas principais características, evidenciando-se suas questões mais desafiadoras e como elas se distribuem no sistema.

Por fim, chega-se à produção e à análise de dados referentes à configuração das questões educacionais no espaço, enfatizando aquelas que se destacaram no quadro geral. Os dados foram trabalhados a partir da localização e da dinâmica de concentração ou dispersão de unidades escolares a partir de características determinadas, em conjunto com os níveis de predominância de características sociais nas áreas da cidade. Assim, além das localizações gerais, também são examinadas a disposição por taxas de rendimento e infraestrutura, corpo docente e outros indicadores.

Além daqueles obtidos a partir da bibliografia relacionada, foram utilizadas dados de grandes pesquisas como o Censo, PNAD, bancos de dados INEP, Censo Escolar e a Prova Brasil. Dentre eles, os dois últimos foram utilizados de forma mais sistemática a partir de seus microdados, que foram tratados e desagregados para investigar as diversas escalas. Dessa forma, foi possível o cruzamento de informações referentes às características socioeconômicas, urbanas e de educação.

Inicia-se com a análise com a trajetória e as características da urbanização da capital baiana, resultante da combinação de explosões de imigração com o pouco dinamismo econômico em longos períodos de sua história, além das lacunas do planejamento estatal (Carvalho e Pereira, 2014). Essa conjunção resultou na concentração e na sobreposição de vulnerabilidades em determinados espaços (Fernandes e Carvalho, 2014). Dentre muitas variáveis analisadas originalmente, podemos visualizar aqui a disposição das diferentes zonas sociais no Mapa I, em anexo.

Seguindo com a análise, ao investigar os dados gerais da educação em Salvador, foi possível evidenciar que eles encontram correspondência nas questões nacionais, mas também apresentam peculiaridades e desafios próprios. Considerando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, disponível no site do INEP, pode-se observar que, se o resultado de 2011 para a educação pública do Brasil foi de 3.9 para os anos finais do ensino fundamental, o resultado equivalente para o município de Salvador foi de apenas 2.7, indicando deficiência e disparidade.

Dentre os dados de rendimento (Tabela I, em anexo), revelam-se como maiores problemas o abandono no Ensino Médio e a reprovação no Ensino Fundamental. Enquanto a distorção entre idade e série é muito alta em ambos os segmentos. Se cotejados com as taxas de outras capitais, os números ainda revelam disparidades negativas para Salvador, especialmente ao se compará-la com as capitais do Sudeste.

No que diz respeito às variáveis de infraestrutura, através do Censo Escolar foram demonstradas carências abundantes e quase generalizadas, especialmente acirradas nas escolas municipais, que oferecem a maior parte do Ensino Fundamental, com destaques negativos para a ausência de laboratórios de informática e biblioteca (apenas 47% e 27% contam com essas instalações respectivamente). Por outro lado, as escolas estaduais apresentam menores restrições estruturais (84% e 67%), apesar dos grandes desafios com relação a rendimento e permanência (Brasil, 2010).

Os dados referentes ao corpo docente no Censo Escolar (professores e diretores) destacam a grande proporção de professores sem formação superior, situação mais agravada nas escolas municipais (Idem). Já os dados da Prova Brasil (Brasil, 2011), observamos que os relatos das dificuldades vividas destacam uma grande ocorrência de falta de professores, além de insuficiência de recursos financeiros e alto índice de faltas por parte dos alunos. Com relação a percepções e expectativas dos docentes, foi possível delinear que, de uma forma geral, os professores do ensino público de Salvador consideram os eventuais problemas de aprendizagem dos alunos mais relacionados à sua origem social e menos aos problemas institucionais, situação que pode se refletir em atitudes pouco combativas perante as dificuldades estruturais.

Por fim, os dados referentes às matrículas evidenciam que os alunos do sistema público são provenientes de famílias com padrão de consumo abaixo da classe média, chefiadas por responsáveis com pouca escolarização. Apesar de a maior parte considerar que a família valoriza a educação escolar, admitem que o acompanhamento não se dá com a mesma intensidade. Além disso, os estudantes usam pouco os equipamentos relacionados à educação e muitos afirmam já ter abandonado a escola por pelo menos um ano letivo, o que também indica trajetórias escolares acidentadas (Prova Brasil, 2011).

Em seguida, para caracterizar a relação entre oferta e demanda do ponto de vista urbano, foi examinada a disposição espacial de alguns desses indicadores através de diversos mapas, referentes aos contextos familiares e escolares, uma cartografia das oportunidades escolares na cidade de Salvador.

Foram analisadas, primeiramente, as variáveis educacionais das populações residentes nas diversas áreas do município, indicando-se a prevalência segundo instrução, atraso escolar e abandono, tais localizações evidenciam claras distinções entre o local de moradia dos grupos sociais privilegiados e o dos grupos de maior vulnerabilidade perante a educação, atestando a homogeneidade relativa a essa esfera. Representando tal categoria de variáveis analisadas espacialmente, temos aqui os Mapas II e III, em anexo.

Também foi analisada a distribuição espacial das instituições educacionais na capital baiana, comparando sua concentração nos bairros nobres, populares e “intermediários”, nesse momento da análise, foi possível observar também contundentes desigualdades espaciais em detrimento daqueles territórios ocupados pelas populações de menor poder aquisitivo, especialmente no que diz respeito ao Ensino Médio.

Assim, a própria disposição dos equipamentos coletivos apresenta muito contrasteindicando uma grande desigualdade na sua distribuição. Em adição, à localização das escolas a partir das taxas de rendimento demonstram que a aprovação e a reprovação se apresentam também com localizações polarizadas, já as unidades filtradas por taxa de abandono se apresentam ainda mais concentradas espacialmente.

Com relação aos docentes, foram examinadas duas variáveis, a localização das escolas que contavam com mais de cinco professores com formação máxima de Ensino Médio, também a disposição das unidades por sua proporção entre número de matrículas e número de docentes. Em ambos os segmentos, há contrastes claros de localização dessas variáveis, com pior proporção nos bairros populares.

Ao se examinar a disposição das instituições segundo itens de infraestrutura e equipamentos, encontra-se um dos elementos de maior contraste espacial dentre todos os que foram investigados, onde foi possível visualizar que estão especialmente concentradas em dos bairros nobres mais tradicionais. Os Mapas III e IV (em anexo) representam a localização das escolas segundo o cruzamento das variáveis analisadas: rendimento, estrutura e proporção entre número de alunos e número de docentes. Tal disposição se mostrou extremamente contrastante entre as áreas da cidade, com grande desvantagem para os bairros populares.

Praticamente todas as variáveis examinadas – urbanas, socioeconômicas ou escolares – apresentaram nuances territoriais significativas. Demonstrando que as unidades escolares com melhores indicadores de qualidade se concentram majoritariamente fora das regiões mais pobres de Salvador. Essas partes da cidade contam com uma disponibilidade restrita de equipamentos e instituições educacionais, constituindo lacunas institucionais camufladas na densa urbanização informal. Esses vazios ocultos também se escondem nas médias gerais, nas diferenciações de qualidade e nos pensamentos polarizadores do planejamento estatal, que parecem considerar invisíveis esses territórios.

Assim, para além das carências gerais, existe, na cidade de Salvador, uma adicional desigualdade de acesso à educação básica para as populações mais pobres, o que caracteriza uma segregação escolar, em uma relação dialética estruturante com a segregação urbana . Por sua vez agravada pela conjunção com outras desigualdades, constituindo-se num um círculo vicioso de vulnerabilidades sociais. Caracterizando, portanto, a impossibilidade de acesso ou, no mínimo, necessidade de um maior dispêndio de recursos, de tempo e de energia que os habitantes de bairros formalizados para acessarem serviços e equipamentos de relativa maior qualidade. Através de vazios que são ocultos, mas não aleatórios ou gerados por coincidências, e sim vinculados às grandes dinâmicas de reprodução das desigualdades sociais. De fato, os dados indicam que quanto mais problemática a questão no panorama geral, maiores seus contrastes espaciais.

Através da análise desenvolvida, foi possível verificar que existem alguns avanços na história recente de Salvador com relação às melhoras de determinados indicadores de acesso, rendimento e anos de estudo da população. Entretanto – e sem dúvida – há um número muito maior de carências e desafios a serem enfrentados, frutos de um atraso histórico de investimento e planejamento na educação, ainda marcados por uma falta de intencionalidade em universalizar a educação e por um planejamento repleto de lacunas. Tais desafios, por sua vez, exigem estudos aprofundados e planejamento consciente das políticas públicas, tanto as urbanas como as de educação.

Acesse o texto completo (incluindo mapas) sobre a pesquisa “Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador”.

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Salvador: transformações na ordem urbana


 

 

Publicado em Produção acadêmica | Última modificação em 12-10-2017 12:34:31